Quando indicaram a Zelia Gattai para uma vaga na Academia Brasileira de Letras, eu fiquei com aqueles que achavam que ela não deveria estar ali, mas que tudo bem, aquele era um bom prêmio de consolação pela morte do marido. E que no meio de tanta gente esquisita, ela não era um corpo estranho de verdade.
Nas últimas semanas li, aos pedacinhos, “Anarquistas Graças a Deus”.
Eu não consigo lembrar se tinha lido o livro antes; enquanto lia, me veio a impressão de que sim. Mas com certeza vi a minissérie da Globo baseada nele, e por isso Ernesto vai ter sempre a cara de Ney Latorraca, enquanto dona Angelina é igualzinha à Débora Duarte.
Nesses dias, me certifiquei de uma coisa: a imortalidade da Zélia Gattai é mais do que merecida.
Entre os 40 membros da Academia estão nomes fundamentais para a nossa cultura como Evanildo Bechara, João de Scantimburgo e Padre Fernando Bastos de Ávila. Gente que, independente de seu valor individual, não parece ter exercido um impacto grande ou duradouro na cultura brasileira. Eu não sei quem eles são. Nunca ouvi falar deles, que me perdoem a ignorância.
Em compensação, Zélia Gattai escreveu uma das mais deliciosas memórias que um brasileiro já escreveu. Certo, seu estilo deixa a desejar, e em algumas partes mostra uma contaminação excessiva pelo estilo de Jorge Amado sem o seu talento rítmico, o que é perfeitamente natural. Mas são a simplicidade e a verdade que deixa transparecer, além de um retrato extremamente acurado de uma São Paulo que não existe mais, e que paradoxalmente teve seu testamento escrito por Antonio de Alcântara Machado — que pensava estar escrevendo a crônica de seu auge –, que fazem de “Anarquistas Graças a Deus” um livro de verdade, na melhor acepção do termo.
“Anarquistas Graças a Deus” é um livro que, da primeira à última página, mostra uma verdade absoluta. É simples, sim; dificilmente poderia ser considerado grande literatura. Mas é uma delícia.
Não interessam os motivos de sua eleição. Que seja por sentimentalismo, por respeito à memória de Jorge Amado, por simples reconhecimento de seus dotes literários. Em meio a tantos ilustres desconhecidos, em meio a tantas nulidades, Zélia Gattai na ABL representa uma vitória da verdadeira cultura deste povo.
Rafael,
Jorge Amado não é dos meus escritores preferidos. Apesar disso, com ele aprendi uma lição que tomei por definitiva, em se tratando de livros. Um dia, tratei de ler “Farda, fardão e camisola de dormir”. Eu não conseguia ir adiante. Quando me dava conta, virara várias páginas e não tinha vaga lembrança do que lera. Aí, recomeçava do início. Estava ficando preocupado com a minha incampacidade de avançar na leitura, quando tive um insight que reservei para a vida: se o escritor não consegue prender a minha atenção, o problema é ele. Tempos depois, vendi o livro, completamente virgem, para um sebo.
Abraço.
Eu gosto de “Farda Fardão”, é uma crônica bem engraçada da ABL. O Jorge escreveu esse livro depois de entrar para a academia; talvez, se tivesse escrito antes, não teria entrado — o que não é um bom presságio para as aspirações maldisfarçadas de Jô Soares.
Uma coisa interessante do seu relato, Rafael, foi essa questão de já ter visto a história em audiovisual: é chato isso de não ter a liberdade para imaginar o personagem na nossa cabeça, ficando este sempre ligado ao ator/atriz que o interpretou…
Rafael, eu gosto muito do Jorge Amado apesar de achar que quase todos os livros dele são parecidos. Quanto ao romance “Anarquistas graças a Deus”, eu simplesmente ADOREI. Vi a família, vi SP no início do século passado, vi todas aquelas pessoas como se fizessem parte da minha vida. Zelia merece muito estar na ABL. Beijocas
Jorge Amado escreveu muita coisa ruim, principalmente no auge de sua militância comunista, quando cometeu livros que surgiram datados já em seu nascedouro. Porém, escreveu a melhor novela (não na conotação de soap opera, pelamordedeus, e sim de narrativa longa focada em um único plot) de toda a literatura brasileira: “A Morte e a Morte de Quincas Berro D’Água”. Além disso, é o autor de pelo menos dois romances acima da média, “Gabriela Cravo e Canela” e “Tocaia Grande”.
Quanto à Zélia Gattai, em “Anarquistas Graças a Deus” ela provou estar à altura dos grandes memorialistas brasileiros, Pedro Nava e Graciliano Ramos. Certamente possui méritos literários muito, mas muito acima de certos figurões que vestiram recentemente o fardão da ABL, como Roberto Marinho e Ivo Pitanguy.
Pôxa, depois de um longo inverno, olha eu aqui de novo! A Zélia tem uma escrita deliciosa! Bjs.
Curiosamente comprei esse livro num sebo dia desses. Está na pilha aguardando a vez. Tenho ótimas lembranças da mini-série também.
Se o Sarney é….
Ela tb pode ser.
Abraço.
Não gosto de Jorge Amado e nunca li Zélia Gattai. Mas Rafa eu não leio livro nenhum analisando seu contexto literário, métodos, estilos, metáforas… Eu leio por prazer. Os livros que leio pracurando aprender algo são didáticos e chatos. Literatura para mim é prazer e passatempo.
O último livro que li foi “Romance sem Palavras” do Cony e adorei. Simples e delicioso de ler. Não li críticas e nem sei o que falam dele. Vou ler Gattai e se gostar leio outros e outros livros. Sem análise literária por favor.
Vou ler para comprovar se ele mostrará uma “verdade absoluta” para mim também.
Rafael, nunca fui muito chegado em Jorge Amado, mas já vi esse livro da Zélia lá na Biblioteca e capaz que eu dê uma folheada. Olha Paulo Coelho está lá… sem mais comentários…
O danado mesmo é Paulo Coelho na academia.
Confesso que tenho vergonha de ler a Zélia em público. Fico imaginando que todos estão olhando para mim e que irão puxar um papo sobre espiritismo. Prefiro ler Frei Betto.
Lembro de uma crítica do saudoso Zêgo, colunista d’A Tribuna, de Santos, com o título “Nem Anarquistas, Nem Graças a Deus”.
Não li a Zélia, mas não gostei dessa idéia de hereditariedade que ficou com sua eleição para a ABL. Ela devia ter disputado outra vaga, que não a do marido. Mas, enfim, a ABL é absolutamente irrelevante.
Rafa,
eu gosto de escritores que não complicam. Não acho mesmo que idéias complexas ou texto intrincado (este principalmente) sejam sinônimos de boa literatura. A Zélia é um ótimo exemplo de escritora que não complica e que não é simplória por causa disso.
Acredito inclusive que se ela não fosse a companheira de quem foi, as críticas seriam mais favoráveis.
Eu tenho a impressão de que é uma grande injustiça enxergar a Zélia como alguém à sombra do marido. Não me parece nada verdadeiro.
Os livros dela podem mesmo não ser coisa do porte de Cem Anos de Solidão. Mas, convenhamos, quantos livros nesse mundo conseguiram ser?
Outro livro dela que li recentemente é o Códigos de Família. É bobinho, mas também é uma delícia de ler!
Beijocas!
da Thania
Concordo com o Ina sobre “A morte e a morte de Quincas Berro d’ água”. A melhor novela da literatura brasileira.
Anarquistas Graças a Deus é uma das melhores coisas já escritas sem ser literatura.
Olá:
Gostaria de dizer que até hoje me lembro da série ´Anarquistas Graças a Deus´. Deliciosa história! Os personagens que mais gostei foram: o da Daniele Rodrigues (sumida…), que fazia a Zélia, e o da Vera (ou seria Vanda???). Acho que essa série merecia prêmios!!! Enfim, um pedaço do passado que traz MUITAS saudades…
Obrigado,
Rodrigo O. Rosa.
Rafael,
fazer parte ou não da ABL não importa muito, é só dar uma olhada no trabalho de quem está por lá para comprovar (acho que muitos entram pela quantidade de vendas e não pela qualidade das obras).
Sendo assim, fazer parte ou não da ABL realmente não diz nada sobre a qualidade do trabalho de alguém.
Zélia pode ter um estilo bem simples de escrever, mas, na minha opinião, isso não é um problema, se pensarmos que a maioria das pessoas lê por diversão.
“Anarquistas…” pode não ser um desses livros de estilo extremamente polido e sofisticado, mas é um livro muito gostoso de se ler.
Eu, em particular, li com carinho, o Amadeo que aparece lá era meu bisavô. Mas acho que ler teria sido bacana do mesmo jeito, ainda que minha família não estivesse lá.
Gostaria de comprar o video(?) ou DVD da mini série “Anarquistas gracas a Deus”. Nao sei a quem recorrer, nem a quem perguntar… Será que tem alguém lá fora que possa me ajudar?
Obrigado
Sandra
Oi:
Concordo com a senhora Sandra Barrachini…eu ADORARIA comprar (ou ver para gravar) a minissérie. Na época que passou, era criança (lembro de algumas cenas). Sei que passou no Canal Futura em 1999. Ah, uma dica: no Youtube, pode-se ver a “entrada” da série. Bem legal! E, para mim, foi (e é) uma das mais belas produções brasileiras já feitas; sem apelações que a maioria das coisas brasileiras têm.
Estive há pouco no site da Rede Globo e enviei um e-mail pedindo a exibição do seriado. É só esperar…
BOAS NOTÍCIAS:
O DVD da tal série já está à venda!!! É só entrar no site “http://www.ferrs.com.br/produto.asp?wprod=092414.
Finalmente…