…E no terceiro dia

Em 1980, os Beatles já tinham deixado de pertencer ao imaginário popular. Se hoje eles são um mito, na época eram apenas uma grande banda que tinha acabado.

Aqueles eram os anos da discoteca. Quem não viveu aquilo, ainda que marginalmente, não tem idéia do que era. Disco music era o verdadeiro mainstream, e as pessoas lotavam discotecas e se vestiam como Tony Manero; pior, tentavam dançar como ele, sem conseguir.

O rock, por sua vez, tinha passado por outras ondas, como o progressivo e o punk. Para os poucos que ainda ouviam a música dos anos 60, que não perdiam tempo com os Bay City Rollers, os Wings de Paul McCartney ofereciam um substituto quase aceitável. Mas os grandes nomes da época eram Led Zeppelin e Peter Frampton. Os Beatles eram passado, mais do que nunca. Pensando bem, é assim que as ocisas devem ser.

Mas então apareceu Mark David Chapman e deu cinco tiros nas costas de John Lennon.

Em 1980, John Lennon era um artista decadente. Antes de se retirar de cena, em 1975, seus discos vinham vendendo cada vez menos — e as críticas, depois de um início promissor com duas obras-primas, eram cada vez mais negativas. Seu álbum de retorno, Double Fantasy, vinha tendo péssimas vendas; talvez porque, depois de um hiato de 5 anos, as pessoas esperassem que o “beatle avant garde” aparecesse com algo realmente novo, e não com o pastiche dos anjos 50 que apresentava ali.

Os tiros de Chapman se encarregaram de criar um mito. E assim como as vendas do Double Fantasy dispararamn a partir dali, o ostracismo dos Beatles começou a chegar ao fim.

Mas não foi só por isso. Era preciso algo mais. E esse algo mais foi uma hecatombe chamada “anos 80”.

Os anos 80 foram a década em que os protagonistas dos anos 60, sem exceção, viraram dinossauros anacrônicos. Por exemplo, com a discutível exceção de Tattoo You, os Rolling Stones não lançaram um disco sequer aceitável naquela década miserável. Mas eles morreram de fato quando os Sex Pistols apareceram gritando por anarquia no Reino Unido. O vínculo emocional que existia entre os artistas dos anos 60 e seu público, e que fez daquela década algo especial, acabava ali. Eles não tinham mais o que dizer.

Mas o enterro, mesmo, foi nos anos 80.

O mais curioso é que os ídolos dos anos 70 seguiram o mesmo caminho, cedo demais. Seria de se esperar que durassem pelo menos dez outros anos, assim como o pessoal dos anos 60. Mas tão rapidamente como surgiram, eles sumiram — infelizmente não antes que o Clash definisse o som da nova década com Rock the Casbah, assim como os Beatles definiram os 60 com Please Please Me. Foi esse vazio, criado pelo conjunto de fim dos grandes e a morte de John Lennon — que é única por não ser o final de um exercício aplicado de auto-destruição como as mortes de Joplin ou Jim Morrison, mas uma agressão gratuita e inexplicável — quie possibilitou a volta dos Beatles.

O fato de os Beatles passarem a ser venerados a partir dos anos 80 não é exatamente um reconhecimento de sua grandeza; esse reconhecimento veio 20 anos antes, por gente boa como Leonard Bernstein. É, antes de tudo, o sinal de que um vazio muito grande existia naquela década perdida.

8 thoughts on “…E no terceiro dia

  1. eu tb não gosto doas anos 80. com um agravante: não vivi a adolescência nessa época, o que me impede de ter qualquer nostalgia. mas confesso que já tô começando a ficar com pena da década. a bichinha…

  2. Eu particularmente me divirto muito com a análise ácida que v. faz dos anos 80, Rafael. Naquela época eu era criança, tenho algumas nostalgias (pode parecer bobagem – mas só havia Coca-Cola de 1 litro em garrafa de vidro e ela rendia – hoje tem até de 3 litros e é de plástico, mas parece que não rende tanto), mas o fato é que as pessoas se vestiam mal, as mulheres tinham cabelos armados dos quais hoje têm vergonha, a música dos anos 80 é muito mais brega que a dos 70!
    Continue assim, porque sempre é necessário alguém que desmistifique os anos 80 (dada essa exagerada valorização de um tempo que não foi tão bom assim), que foram uma década perdida, econômica e culturalmente falando.

  3. Data venia, a morte de Lenon, se teve o poder de transformá-lo em mito, não me parece ter sido a causa do mito Beatles.

    Os Beatles não se tornaram mito após o fim do grupo. Eles coexistiram com o próprio mito.

    A minha explicação para o “revival” nos anos 80 é que os fãs adolescentes dos Beatles, “viúvas” do conjunto, cresceram e nos anos 80 eram adultos, influentes no mercado consumidor e produtor de música.

    Tá. Concordo que o cenário musical rarefeito dos anos 80 facilitou a “volta”.

  4. Acho que essa análise é totalmente maluca. Tenho quase 50 anos, vivi muito bem os anos 70 e 80 e não havia nada dessa história de que os Beatles estivessem no limbo. O disco Double Fantasy estourou tão logo foi lançado e tocava sem parar nas rádios aqui no Brasil. A disco music era mesmo muito forte, mas tinha tanta coisa acontecendo: The Cure, Genesis, Police, o próprio PF…

  5. kkkkkk , eu tinha 13 anos em 1980.. e me lembro muito bem “fenômeno” Travolta,…(o Ronaldo já veio muito depois)… era o máximo… nooossa nem pude ver “os embalos de Sábado a noite” no cinema pq tinha cenas fortes!recentemente vi na tv…me contorci de rir! lembro do cabelo “armado”(qto mais melhor),de Greese, de Xanadu…Comprei o Double Fantasy… e não era lá essas coisas…adorava os Beatles,odiava a Japa Ono… punk em alta…Sei não,vivi esse período e acho que foi mesmo assim como vc falou Rafael.rsrsrsrs! mto engraçado!

  6. kkkkkkk.Esqueci de dizer… fui ver Peter Frampton no Maracanãzinho…rsrsrsrsrs com minha mãe!q. King kong isso hoje heim!!!!..mas naquela época, tirei onda, eu vi o Peter Frampton…q fim ele levou?desapareceu …igual os anos oitenta!

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