As alegrias que o MSN me dá – Dani

Dandan, D.Sc. diz:
agora eu sou dotôra!

Rafael diz:
Sim, mas…

Rafael diz:
O que me interessa é outra coisa. Os peitos, como é que estão?

Dandan, D.Sc. diz:
hahahahah caindo!

Rafael diz:
Más notícias. 🙂

Rafael diz:
Parabéns pelo doutorado, Dani. 🙂

Dandan, D.Sc. diz:
brigada!

Rafael diz:
Qual é o título da sua tese?

Dandan, D.Sc. diz:
OTIMIZAÇÃO DA PROGRAMAÇÃO DA OPERAÇÃO DIÁRIA EM SITUAÇÃO NORMAL DE CHEIAS E EM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA EM RESERVATÓRIOS DE SISTEMAS HIDROELÉTRICOS

Rafael diz:
Uau.

Rafael diz:
(Esses parabéns, esse uau e esse interesse pela sua tese, fingidíssimos, são pra você não pensar que eu sou totalmente cafajeste.)

Jevuçalimarri

Todo mundo fala do filme do Mainardi. Pouca gente parece ter visto. Falam mal assim mesmo.

Eu vi o filme do Mainardi. E agora posso falar mal com propriedade.

Mater Dei” tem roteiro de Diogo Mainardi e direção de Vinícius Mainardi. Conta a história de dois irmãos, Diogo (Dan Stulbach) e Vini (Gabriel Braga Nunes).

Vini é cineasta, ou assim se diz. Diogo é jornalista e a revista em que trabalha cobre o caso de um juiz que superfaturou uma obra, o que acabou degenerando em uma guerra com o empreiteiro responsável.

O filme tem pelo menos um momento de brilho: o empresário e o juiz numa mesa contando as mortes que sua guerra causou, reunião mediada por um deputado federal. É de um humor macabro, surrealista, e uma metáfora excelente sobre o modo como justiça, política e empresariado se misturam no Brasil.

E é só. O resto do filme é um arrastar sem fim, o típico filme brasileiro de segunda, com pretensões razoavelmente intelectuais e aquela ambição, raras vezes realizada, de fazer mais que contar uma história, de abranger a realidade do país e fazer o “Grande Filme Brasileiro”.

Os irmãos acham que essa história daria um bom roteiro e, como não têm acesso a “mecanismos de renúncia fiscal”, precisam se virar para arranjar financiamento. Acabam se envolvendo com o empreiteiro. O que Diogo e Vini não sabem é que, para igualar as contas macabras, o empreiteiro tinha prometido ao juiz o seu filho a nascer. Sua mulher, interpretada por Carolina Ferraz e, como não podia deixar de ser, chamada Maria, se revolta contra a perspectiva de ter um filho apenas para ser sacrificado.

O que parece ser o ápice de ultraje do filme que claramente procura chocar sua platéia subestimada é uma cena em que Maria está em pé na varanda com aquele barrigão de oito meses. Vini se aproxima dela por trás. Levanta sua saia. Sem dó, sem piedade, sem vaselina ou KY, Vini enraba Maria.

E aí é que o filme incorpora tudo aquilo que o Mainardi odeia no Bananão. A vontade gratuita de “romper tabus” típica do que havia de pior no cinema nacional pretensamente intelectual dos anos 70 e 80 se manifesta, então, em toda a sua glória.

Nessa hora “Mater Dei”, que já não vinha bem das pernas, se transforma definitivamente em uma paródia medíocre. Ali está a mãe de Deus sendo sodomizada por um sujeito qualquer. “Vamos cuspir na cara da burguesia”, é o que o filme parece estar dizendo numa mesa de bar. Mas nem isso é original, em uma era em que filmes questionando dogmas cristãos — ou melhor, dogmas fundamentais da civilização ocidental — são mais comuns que efeitos especiais em filmes de George Lucas. “Mater Dei” se transforma, então, em “Jevuçalimarri”, uma paródia botocuda de algo que já foi feito antes como em Je Vous Salue, Marie do finado Godard, mas escrita em garranchos de analfabeto.

“Mater Dei” é um filme medíocre e incompetente, só isso. Não há competência em nenhum aspecto: no roteiro, na fotografia, na cenografia, em nada. Até os diálogos, em sua maior parte e com poucas exceções, soam excessivamente literários e pomposos — o mesmo antigo defeito do cinema brasileiro durante décadas.

O Mainardi sempre se refere com orgulho ao fato de o filme não ter sido feito com verbas públicas. Usa isso como argumento para atacar as políticas de fomento ao audiovisual. Mas alguém defendendo uma posição contrária poderia dizer que o fato de não terem arranjado financiamento para tamanha tragédia é uma prova de que a política de audiovisual pode funcionar, que tem algum critério, que ao menos escapou de armadilhas como essa.

No lugar do Mainardi, eu continuaria usando o filme como argumento contra as leis de incentivo fiscal. Mas de maneira diferente. Diria que, se essa política continuar, corre-se o risco de o Estado acabar financiando filmes ruins como “Mater Dei”.

Por que ler os clássicos

Porque é que eu, Pipi, teimo em tentar sacar gajas feias, gajas gordas, Odete Santos, gajas com problemas de pele, gajas com queda de cabelo? Reflecti sobre isto e cheguei à conclusão que é o resultado imediato de ser um curioso da foda. Para mim, cada cona tem o seu encanto. Um encanto único, especial. E eu quero conhecê-lo a todas.

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Normalmente, uso preservativo porque não quero que o Zé Tolas adoeça. A SIDA, ao que parece, faz mal à saúde e a sífilis corrói o madeiro. O melhor é seleccionar criteriosamente a crica em que se vai espetar o Aníbal. Se se tratar de crica trigueira, a palpitar de vida e a respirar saúde, enterre-se o tarolo sem receios. Se é senaita mortiça e moída, o melhor é calçar a galocha à cobra zarolha, antes de a enfiar na toca. Mas, sempre que posso, não uso preservativo porque a Igreja é contra. E eu, nestas merdas do sexo, sigo sempre os ensinamentos do Vaticano. Afinal, ninguém percebe mais de pinocada do que os cardeais. Se eles não querem que se use, algum desarranjo a borracha há-de fazer ao caralho. Eles lá sabem.

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Muitas gajas me têm dito: “Mmmf, pmnngnn gnff mmlmn mmlgnf.” E depois eu tiro-lhes a pichota da boca e finalmente percebo que o que estão a dizer é: “Ó Pipi, esporra é uma palavra muito feia.” E eu contraponho: “Está bem. Também o zé tolas é feio e tu gostas que eu to enfie no gasganete conal.” A verdade é que a palavra “esporra” é o patinho feio da ordinarice.

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Mas, como disse, cada cona tem o seu encanto próprio. Por isso, uma gaja feia e gorda intriga-me. Partindo do princípio pipiano de que cada gaja tem em si o potencial para ser um dínamo de tesão, onde é que o Criador terá colocado o encanto desta puta? O que é que o Gajo terá escondido no meio desta chincha toda? E, de repente, vejo-me a jogar ao “quente e frio” com Deus. Estou a dar por trás à feia e parece que O ouço dizer “morno, Pipi, morno”. Mudo a piça de buraco e já Ele me incentiva: “a aquecer, Pipi!”.

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Quer-me parecer que é algo contraproducente, pôr-se mulheres daquelas a fazer campanha contra a violência doméstica, quando são, precisamente, mulheres daquelas que estão na génese da violência doméstica. Um gebo chega a casa, olha para o trambolho que lá tem, compara com o calendário de gajas boas e só lhe apetece dar uma carga de porrada na mulher. Aí, ocorre a democratização da violência: primeiro espanca a esposa, depois espanca o macaco.

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Tanta coisa que eu podia dizer da punheta! Quantas vezes, nos meus 15 anos (nos 25 também, confesso), rezei para serem verdade os mitos que profetizavam o nascimento de pêlos na palma da mão do punheteiro competente! Se tal fosse verdade, teria a direita sempre escanhoada, simulando crica rapadinha e profissional, e a esquerda gadelhuda, imitando pachacha sopeira e descuidada. Depois, era só escolher…

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Inês gemeu. Nesse momento, deixou de querer no cu. Deixou de querer no pipi. Só o minete lhe induz deleite no pito. Tudo bem: sou mineteiro de primeiro lote. Por equívoco, bebi o suco proveniente do rego do bicho felpudo e fiquei levemente indisposto. Sucede com meretrizes de higiene rude. Bom, depois de quinze minutos de focinho, repeti e meti-lhe o espeto no bordedo. Comi-o bem comido. Porém, certo episódio tingiu de tons lúgubres o evento festivo. No fim, tento ver meu piço. Impossível: sumiu. Confuso com o eclipse do ferro, desesperei. “Ó meretriz dum cono! Onde puseste o meu piston?” Inês encolheu os ombros, sorrindo. Eu dei-lhe um murro nos dentes. Engoliu dois incisivos. Deixou de sorrir. Contudo, meu grosso instrumento cessou seu sumiço incómodo? Os colhões é que cessou! Nem cheiro dele, robustos pepinos me penetrem fortemente! Por momentos, feito eunuco, estive perto do choro. Perto, pois sou homem, e é impossivel chover do olho de um homem.

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Não recomendo que leiam a poesia tísica do Cesário Verde, nem as lamechices do Nicholas Sparks. Tampouco as ordinarices dum Henry Miller ou as repetições senis dum Lobo Antunes. Nada disso me serve e uma senaita que fica húmida à alusão destes autores não presta grande coisa. Fode-se, mas não presta grande coisa. O que eu posso indicar como saca-mulas eficaz é a leitura da necrologia dos jornais. Eu faço-o. Gosto de saber quem morreu, para ir visitar a família. Gente enlutada é gente carente de consolo. Há sempre a hipótese de sacar uma viúva ou uma órfã. Tenho arrefinfado boas berlaitadas de pêsames em pito viúvo que, pese embora a sua viuvez, sabe proporcionar festa rija, mesmo que se apresente no leito com um fumo preto numa das bordas. Além disso, lágrimas de pesar dão sempre bom lubrificante.

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Rechear de nabo crica italiana em Londres conta como foda britânica, foda transalpina ou foda lusa? Sabendo que a pachacha italiana está em Inglaterra há alguns meses, é justo considerar que os humores segregados pelo pito transalpino estão a nascer já em solo britânico. Ou seja, a massa da greta é napolitana, mas o molho é inglês.

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Posso dizer que não vertia tanta porcaria para um livro desde que tive de limpar o cu a uma cópia de “Os Maias” que a filha de certa gaja cuja crica eu andava a escachar tinha deixado na casa de banho. Ou era a isso ou a uns dodots, e Deus me livre de ter a rabadilha a cheirar a perfume. Tratava-se de uma edição fraquinha, feita com tinta de má qualidade, de modo que, durante duas semanas, fiquei com a descrição do Ramalhete estampada nas nalgas. Foram quinze dias em que meu nobre e invicto cagueiro prestou homenagem a Eça, mas também a Pessoa. Aquele acaso feliz fizera dele um cagueiro interseccionista, uma – digamos – peida oblíqua: meu nalguedo era atravessado pelas varandas de ferro do primeiro andar do Ramalhete, alinhadas sobre o rego da bufa; as paredes severas e sombrias da casa dos Maias eram meus não menos lúgubres entrefolhos; e o painel de azulejos com o desenho do escudo de armas repousava sobre meu apertado olho do cu, como que a dizer: “Aqui não entra picha!”

O blog acabou há mais de dois anos, mas ainda não consigo passar muito tempo sem reler o que sobrou do Pipi.

A revista picareta

A Veja desta semana traz uma matéria de página dupla intitulada “A micareta picareta”, dizendo que o prefeito de Aracaju, Marcelo Déda, superfaturou shows em eventos da prefeitura para fazer caixa dois e financiar sua campanha para governador.

A matéria, assinada por Fábio Portela, começa já com uma informação errada. Diz que o Pré-Caju, micareta realizada todo ano, é financiada por recursos públicos, o que é uma inverdade. A Prefeitura e a ASBT, entidade que promove o Pré-Caju, chegaram inclusive em estar em lados opostos recentemente. Mas essa é uma afirmação necessária para que se justifique o que a revista diz depois. Não é à toa. Ela quer configurar um caso de prefeitura corrupta, uma imagem bem adequada à sua campanha.

Para citar apenas o caso com a maior discrepância de números, o show do cantor Daniel, a Veja não menciona que além do cachê do artista houve gastos como 52 mil reais de passagens para as mais de 40 pessoas que compõem a equipe de Daniel, 33 mil reais de excesso de bagagem, entre outros.

O mesmo vale para todos os outros shows. O que a reportagem faz é um exemplo de torção da informação para alcançar um objetivo específico. É a outra definição de mentira. E essa omissão não é algo feito por incompetência. É deliberada, porque o que a Veja quer não é informar, e sim formar uma opinião de acordo com os seus interesses.

Correm boatos de que as informações foram fornecidas à Veja pelo senador Almeida Lima, homem que há dois anos foi motivo de riso nacional por levar um dos maiores escrachos públicos já vistos no Congresso Nacional, pelo senador Aloízio Mercadante. Até hoje o ex-prefeito Almeida Lima, homem de origem pobre mas agora bastante rico, é conhecido em Aracaju pelo apelido recebido na época: Darlene, a personagem de novela global capaz de qualquer coisa para aparecer.

Se for verdade, a reportagem não se preocupou em averiguar os dados que o senador lhe ofereceu. Apenas os repetiu acrescentando doses de malícia. E acrescentando mais mentiras.

Por exemplo, o que eles chamam de “canalização de um córrego” é, na verdade, a drenagem de um bairro da zona norte, o Ângela Catarina. A coisa é ainda pior no caso da “pavimentação de rua” inaugurada com o show de Daniel. Neste caso, o que se inaugurava era toda a reestruturação de um bairro problemático, a Coroa do Meio, e a construção de uma enorme avenida, a Perimetral. A urbanização da Coroa do Meio era uma das obras-chave da campanha de Marcelo Déda.

Esse não é um caso isolado ou simples denuncismo. Nunca é. Neste caso específico, há um interesse na campanha eleitoral sergipana e, conseqüentemente, presidencial.

Ultimamente, Sergipe tem aparecido no noticiário nacional porque, aqui, há uma grande dificuldade de concretização da aliança PSDB/PFL, necessária para que Alckmin tenha alguma chance. Alckmin está tentando evitar que o ex-governador Albano Franco, do PSDB, apóie Déda, movimento que se concretizado poderia vir a selar antecipadamente a derrota do governador João Alves Filho, o homem que quer construir uma ponte ligando o nada ao lugar nenhum. João Alves, que tenta a reeleição apesar de um governo sem realizações, está atrás em todas as pesquisas feitas até agora, e por isso desfere uma das mais impressionantes campanhas de manipulação da imprensa da história do Estado.

Nos últimos meses, o governador tem feito de tudo para encontrar indícios de corrupção na administração de Marcelo Déda. Não encontrou. Mesmo com o Tribunal de Contas composto de integrantes, em sua grande maioria, indicados por João Alves e correligionários, as contas de Déda vêm sendo aprovadas sem problemas. Nesse caso, o que se pode fazer é sugerir, insinuar, sem preocupação com os fatos.

Na melhor das hipóteses, a revista foi incompetente. Na pior, agiu de má fé, sabendo o jogo político em que entrou e fornecendo informações falsas ou incompletas deliberadamente. O que a Veja fez aqui não é jornalismo. É campanha eleitoral. Do tipo mais baixo, o que apela para mentiras.

Há algum tempo, a Veja deu um apelido à sua principal concorrente na época, a IstoÉ: dizia que ela deveria se chamar “QuantoÉ”. Agora, pelo visto, a gente fica com a impressão de que a Veja entende do assunto.

Cenas que talvez gostássemos de ver

Os passageiros ainda estão se acomodando quando o avião da Varig começa a taxiar na pista.

A aeromoça se dirige ao meio do corredor, sobraçando o material de sempre: máscara de oxigênio, cinto de segurança, folheto explicativo.

Algumas pessoas prestam atenção a ela. A maioria, no entanto, continua fazendo o que fazia antes: abre jornais, ajeita casacos, coloca maletas embaixo dos bancos, aperta o cinto do filho que, excitado, não tira os olhos da janela.

E então a aeromoça começa a falar.

— Senhores passageiros, desculpe perturbar o silêncio de sua viagem. Eu podia estar roubando, eu podia estar matando…

As medidas dos santos

Não consigo lembrar onde li isso, não lembro sequer o nome do sacerdote. Mas o monsenhor responsável pela Igreja do Bonfim, em Salvador, disse que a tradição de usar as fitinhas do Senhor do Bonfim vendidas ali para realizar desejos é apenas conversa de vendedor, que não tem origem em nenhuma tradição católica, que é artifício para enganar turista.

Isso me lembrou outro tempo, coisa de século e meio atrás.

Era o tempo em que as caixas de esmolas se espalhavam pelas cidades e a Igreja fazia dumping contra os mendigos. Em que vendedores ambulantes não podiam vender objetos abençoados por padres, mas podiam trocá-los por dinheiro, e nessa sutileza de termos conseguiam definir toda uma sociedade extremamente católica e extremamente permissiva.

Nessa época faziam muito sucesso as medidas de santos.

Eram fitas cortadas pelos padres, do tamanho das imagens dos santos a que suas igrejas eram consagradas. Costumavam ser usadas em torno da cintura e, dizia o povo e diziam os padres, removiam dores, doenças e realizavam as vontades de quem as usava.

Algumas eram de veludo, com imagens de santos gravadas nelas; outras eram fitas comuns, a maioria, dadas àqueles que podiam contribuir pouco com os cofres da Santa Madre. A cor variava de acordo com o santo. Havia até uma “medida do Espírito Santo”. Como esse Senhor não tem tamanho ou forma, mas dele não queriam prescindir as almas pias dos fiéis, pegavam uma fita de tamanho qualquer, gravavam nela um triângulo e uma pomba e assim se tinha um remédio eficaz contra todo tipo de enfermidade, que o Espírito Santo, convenhamos, é bamba de verdade, mais bamba que quaisquer daqueles santos menores que se especializavam em uma ou outra mazela.

As mulheres costumavam usar fitas de santos do seu sexo; e nisso eram mais bem aquinhoadas que os homens, porque ainda melhor que o Espírito Santo costuma ser Nossa Senhora. Mas elas também usavam fitas de São Brás, Santo Antônio e São Gonçalo, este o santo que lhe poderia curar a mais grave das moléstias, o caritó — função apenas depois usurpada por Santo Antônio.

Seria fácil acusar o tal monsenhor de ignorância das tradições da sua própria igreja, inferir também que ele não deve saber que já houve tempo, esse mesmo tempo das medidas dos santos, em que no pavilhão de mini-deuses da Igreja houve até espaço para uma Nossa Senhora do Cabo da Boa Esperança, cujo altar ficava na Rua do Carmo, Rio de Janeiro, uma herança das grandes navegações portuguesas e bem adequada a um tempo em que o Brasil ainda ostentava trágica presença no comércio no Atlântico Sul.

Mas seria uma mentira. Porque não é isso, e o que parece ignorância é em verdade o disfarce para uma inveja e um despeito profundos, aquele tipo negro que corrói a alma e enche o esôfago de bile.

O monsenhor nega as origens religiosas das fitinhas do Senhor do Bonfim porque, se as reconhecesse, teria que admitir que se essa tradição sobrevive ali não é por causa de qualquer santo católico, nem mesmo de um São Jorge que encarna a persistência dos homens e mulheres daquela terra. É por causa dos santos de verdade do povo baiano, e as fitas já não têm as cores de Nossa Senhora da Glória ou de Santa Prisciliana, mas são azuis para Iemanjá, amarelas para Oxumaré, vermelhas para as filhas de Iansã.

E o monsenhor teria que admitir uma derrota fragorosa e inconteste, admitir também que o que eles dizem entender do sincretismo religioso está errado, e que na Cidade da Bahia foram os santos da ascese e da renúncia que sobreviveram encolhidos sob a proteção do manto branco de Oxalá.

The real Brazilian bombshell

Não li a biografia de Carmen Miranda escrita pelo Ruy Castro.

Tenho certeza de que se trata de leitura agradável, embora os meus gostos atualmente se inclinem para a biografia de Stalin por Isaac Deutscher ou para as memórias de Churchill, livros não lidos mas bem na frente em ordem de preferência por interesses pessoais. São esses interesses que me dão a certeza de que, se eu ler a história da luso-brasileira, vai demorar muito tempo, e que só vou ler antes de ler qualquer biografia de escritores, que não valem nada, nunca, porque se escritores têm alguma coisa interessante a dizer eles dizem em seus livros.

De qualquer forma, mesmo sem ter lido tenho certeza de que o Ruy Castro fala desta foto, de Carmen Miranda rodopiando nos braços de Cesar Romero e mostrando para as câmeras a verdadeira brazilian bombshell.

É uma das fotos mais famosas da história de Hollywood, mais famosa até que os lendários filminhos de sacanagem da Joan Crawford, aqueles que ninguém viu mas de que todos ouviram falar. E talvez por essa foto se entenda por que Cesar Romero fez, anos mais tarde, o Coringa do seriado do Batman na TV. Porque ele tinha que rir de alguma coisa.

Só não sei se ele também fala de outra, de Carmen cantando num palco pequeno, e de um protótipo de paparazzo pegando um ângulo adorável e sugestivo.

Não sei que conclusão se pode tirar do aparecimento das vergonhas da Carmen. Não é só não usar calcinhas para não marcar a bunda, não pode ser. É mais que isso. Talvez seja uma atitude. Talvez seja um vacilo.

A única conclusão que eu consigo tirar é a de que, com toda a certeza do mundo, nesses dois dias Carmen Miranda não estava menstruada.

Eu sou apenas um rapaz latino-americano

E-mail interessante:

Olá, costumo ler o seu blog. Não consigo definir a sua pessoa, vc é um ricaço enrustido? Estou precisando de 5000 dolares ou 12000 reais, é o que me falta pra comprar um bem de consumo o qual ampara minha felicidade; Se souber de alguem que possa, por favor me indique.. Abraços, continue escrevendo assim.
Att,
André

E eu fiquei pensando.

O André não me conhece. Se conhecesse, saberia que eu não sou ricaço. E se me conhecesse mesmo saberia também que se fosse rico eu seria qualquer coisa, menos um rico enrustido.

Eu seria o pior tipo de rico, aquele que esbanja, que ostenta, que não sente culpa pela miséria em derredor. Seria um rico que acredita piamente que a única forma de demonstrar respeito ao dinheiro é não o respeitando em absoluto. Que compraria as coisas unicamente porque pode comprar. Que não dispensaria mais tempo pensando no dinheiro em si do que nos objetos inúteis que compraria num impulso.

Mas Deus não dá asa a cobra, e o Bezerro de Ouro só abençoa aqueles que não sabem venerá-lo comme il faut.

Eu não consigo compreender que a riqueza seja o resultado de trabalho, disciplina e acumulação. Não consigo conceber que para ser rico você tenha que trabalhar e trabalhar e trabalhar. Porque se você trabalha não consegue gastar o dinheiro, não como se deve, com o vagar e a despreocupação necessários. Você não pode conhecer o Tibet se tem que continuar a trabalhar para ganhar dinheiro para ir para a Alemanha. E então para que serve o dinheiro?

Aqueles que podem dar essa resposta são os ricos. Os outros que calam diante dessa pergunta são como eu, parte da multidão sem nome que apenas sonha em ser rica mas não perde muito tempo nesse exercício fútil, como não dedica muito tempo à teoria das cordas porque sabe que lá adiante chegará o momento em que não conseguirá compreender nada.

É isso que dói em nós, esse conformismo em saber que nunca conseguiremos entender os verdadeiros mecanismos do dinheiro. E é essa incompreensão atávica e imutável acerca dos mecanismos da riqueza que me tira todas as chances de ser um ricaço, mesmo enrustido.

Por causa dela, por causa dessa miopia ibérica que me batizou ainda no berço, leio a fábula da cigarra e das formigas e não consigo entender, não de verdade. Apenas finjo que entendo, como finjo ao recitar um trecho ou outro de “Ulysses” ou dos “Lusíadas”. Porque me parece uma profunda injustiça que sejam as formigas as únicas a ter comida no inverno. Elas não têm esse direito. De que vale um verão se ele só serve para que se acumule comida? Qual a graça em ver o sol brilhando, se ele só serve para fazer com que as idiotas, carregando folhas mais pesadas que elas às costas, suem um pouco mais?

Enquanto isso a pobre cigarra, que viveu o verão como o verão deve ser vivido, que se divertiu e divertiu os outros — menos as formigas, prenhes de despeito pela alegria e pela beleza da cigarra, antecipando com prazer mórbido e vingativo o dia em que ela não teria o que comer e justificando assim a sua existência minúscula e excessivamente ordeira — se vê às margens da fome quando o sol vai embora.

Algumas pessoas entendem isso, entendem que essa é a ordem correta das coisas. Outros, não. Para estes é uma injustiça, uma alteração da ordem correta das coisas que a cigarra tenha que se humilhar diante de formigas que só existem como estatística, como parte de um grupo informe e feio de escravos e soldados, em que mesmo a rainha só existe para parir.

É por isso que não, eu não sou um ricaço enrustido ou declarado. Não posso te enviar, portanto, os cinco mil dólares que amparariam a sua felicidade. Apenas posso te dar um mau conselho, que de maus conselhos sim, eu sou rico, imensamente rico, e deles tenho uma caixa-forte maior que a do Tio Patinhas: cinco mil dólares é muito pouco para amparar qualquer felicidade verdadeira. Só ampara as pequenininhas. E as pequeninhas não são felicidade, são só umas contentezas daquelas de nada, que logo, logo vão passar.