Corrupção e privatização

Comentário do Grande Líder da Silva a este post:

O problema não é má gestão das estatais, mas o fato de elas serem usadas pelos políticos para cabide de empregos e corrupção.

O credo liberal de que as empresas privadas são exemplos de ética, contrapostos à corrupção endêmica na maioria das estatais, é provavelmente uma das maiores bobagens desse sistema. Porque não são. O objetivo de qualquer empresa é o lucro e para isso tudo, ou quase tudo, é válido. Se para conseguir lucros uma empresa precisar ser corruptora, ela será. É simples assim.

Não é preciso citar muitos nomes envolvidos em escândalos de corrupção para lembrar que isso não é bem verdade. Planam, Banco Rural, tantas outras. Todas essas são empresas privadas. E todas elas, segundo a imprensa, são corruptoras. O Grande Líder que me desculpe, mas a privatização não resolveu o problema da corrupção.

E nem poderia. Porque o problema não está na natureza de uma empresa, seja ela estatal ou privada. Nesse caso específico, está na relação das empresas privadas com o Estado.

Há alguns meses, uma empresa — privada — de telefonia assinou um contrato com o Governo de Sergipe que no momento é escorraçado para fora da vida pública. O valor original do contrato era de 60 milhões de reais. De alguma forma, e sem razão aparente, esse mesmo contrato passou a custar 90 milhões para o Estado.

Na maioria dos casos de corrupção em todo o mundo, os envolvidos são empresas privadas em relação com o Estado. A Halliburton, por exemplo, não é uma empresa pública.

Nos últimos 20 anos, apesar do que possa parecer, o Estado brasileiro deu grandes passos no sentido de uma melhora nesse aspecto. Hoje, é muito mais fácil para alguém conseguir um emprego numa empresa privada por indicação que no Estado, com exceção de cargos de confiança. A crença pueril de que um Estado menor, ou o fim das estatais, resolveria a corrupção não se sustenta.

E aí é que começa a bagunça: se uma empresa estatal é envolvida em algum caso de corrupção, lá vem a litania privatista de sempre. Mas não há grita semelhante em relação às empresas privadas, quando estão metidas na mesma confusão. Essas podem estar envolvidas em qualquer tipo de corrupção, que sua natureza “ética” não é questionada.

Há muito tempo este blog fala que corrupção é um problema de toda a sociedade, não apenas do governo, qualquer governo. A sociedade é, por natureza, corruptora — e algumas pessoas até afirmam que um certo nível de corrupção é benéfico, uma posição no mínimo discutível.

É justamente esse o papel do Estado: controlar e evitar a corrupção. É aí que se pode fazer críticas ao governo Lula, ao modo como se deixou engolir pelo sistema secular de trânsito entre público e privado, um dos seus principais pontos programáticos. Mas isso não pode ser feito contrapondo-se o seu exemplo a uma honestidade inexistente do PSDB.

No governo FHC a corrupção campeou solta. Qualquer tentativa de CPI era sabotada, e houve muitas: qualquer pessoa pode se lembrar de 3 ou 4 exemplos. O procurador Geraldo Brindeiro recebeu um apelido adequadíssimo justamente por isso: “Engavetador Geral da República”. O PSDB tinha melhores condições políticas de impor a impunidade, e não hesitou. Os indícios de roubalheira estavam em todos os lugares, mas além de o governo impedir que eles fossem investigados — o que o governo Lula não fez, a propósito, ainda que por impossibilidade –, contava com uma imprensa afável e simpática, para não dizer submissa.

A questão é simples: bater em estatais ignorando-se o papel da empresa privada no tráfico de influência e na corrupção é simplesmente uma idiotice.

15 thoughts on “Corrupção e privatização

  1. Me parece que há uma diferença entre corrupção em empresas estatais e privadas: uma empresa privada usa o seu dinheiro, e uma empresa estatal usa o dinheiro público.

    Não se espera que uma empresa privada seja absolutamente ética; é papel do governo impedir que ela faça qualquer coisa ilegal, mas não necessariamente qualquer coisa anti-ética. Existem muitos exemplos de comportamentos pouco éticos que são perfeitamente legais e, vá lá, aceitáveis em empresas privadas, mas não em estatais: nepotismo, distribuição de cargos para amigos, favorecimento de fornecedores etc. etc. Não é papel do estado evitar isso em empresas privadas (seria, no máximo, papel do mercado); mas em empresas estatais, é. Se uma empresa privada é cabide de empregos para amigos do chefe, isso não é problema do estado; em uma estatal, é.

    Mas vale dizer que uma empresa privada só vai corromper agentes do estado para obter lucro se ela puder. O ideal é que não pudesse: que o estado não pudesse influenciar o ambiente econômico de forma a dar vantagens para alguém.

  2. Rafael,

    Aparentemente, você está fazendo uma confusão dos diabos.

    A corrupção que pode mais facilmente ocorrer em uma empresa estatal é no seu setor de compras, por exemplo. Foi o caso dos sujeitos apanhados com a boca na botija nos Correios, em relação aos contratos superfaturados com empresas transportadoras que faziam o correio aéreo noturno para a ECT.

    Ora, se a empresa é privatizada, este risco desaparece para o erário público. Se há roubalheira e desvio na empresa, isto é problema para seus acionistas. Evidentemente, se a empresa tem poder de mercado suficiente para repassar o prejuízo para sues clientes, aí é uma questão de defesa da concorrëncia.

    Uma outra coisa totalmente diferente é a bandalheira existente na área de contratos e licitações do governo, ou seja, nas compras governamentais. Sabe-se que este foi o tipo de coisa que fez a festa das famosas empreiteiras nos anos 70/80, e que o aperto nos controles forçou a fuga destes expedientes para os setores de publicidade e informática, onde a formação do preço e a determinação do custo é mais difícil _ o mesmo motivo pelo qual todo escroque de peso logo logo se envolve no mercado de artes, ótima maneira de lavar dinheiro – vide o cara do Banco Santos.

    Nada disso elimina o fato de que privatizações podem diminuir o número absoluto de oportunidades de negociatas.

    Ademais, você está sendo ligeiramente injusto com ao menos uma classe de pessoas que não enxergam a privatização como um ritual satânico _ este que vos fala. Não é por pensar que algumas privatizações foram desejáveis que eu deixo de achar que empresas privadas não devam ser punidas quando apanhadas com a boca na botija, como a Daslu, por exemplo.

    Grande abraço,

  3. Concordo com o Hermenauta.

    Ninguém defendeu a ética nas empresas privadas, mas que a roubalheira seja problema dos acionistas.

    Aliás, uma dúvida, porquê a Petrobras não está nos níveis mais altos de governança corporativa?

  4. Rafael, mon vieux. Ma que nhonha esse primeiro parágrafo. Vou te convidar para Ouvinte na reunião executiva da Barracuda para você poder dormir mais tranquilo.

  5. O que é curioso neste tipo de posts é queestá sempre presente a mensagem subliminar: «Lula roubou mas os tucanos roubaram mais.»

    Mesmo que isso fosse verdade – e não é – parece que a ladroeira do PT já seria desculpável…

  6. Incrivelmente concordo com todos aqui, até com os que discordam entre si. Todos têm razão, pelo menos em alguma parte.
    Na parte em que todos gostariam de ter um país melhor, mais rico e melhor administrado.
    Somos, enfim, um bando de bem-intencionados patriotas.
    Olha, Rafael, eu também acho que no governo FHC houve corrupção grossa, e mais ainda deve ter havido em governos anteriores, o que não justifica a corrupção no atual governo, ainda mais por ter sido sempre o PT um partido de denúncia e ter sempre erguido a bandeira contra a roubalheira, coisa e tal.
    Deixemos essa questão da corrupção de lado por alguns momentos, ainda que ela não seja irrelevante.
    O que mais me impede de votar no Lula desta vez (porque também não votei na vez passada) é que ele incorporou, adotou, asimilou a mesma cultura liberalzinha de araque do governo anterior, que é o que ele mais combatia antes.
    Pra ter um presidente tão corrupto quanto o anterior, tão em favor dos bancos e banqueiros como o anterior, tão vaselina quanto o anterior, e que de diferente só tem esses projetos assistencialistas descontrolados e totalmente inconsequentes – (não que os programas anteriores não fossem falhos também), dá no mesmo, com a diferença de que ele é ou simula ser um semi-analfabeto por escolha, que faz apologia da ignorância, paga dívidas sem questionar (as mesmas que ele antes queria calotear, o que também seria um erro) e perdoa dívidas de países sem nos consultar, quando seria bem o caso de se fazer um plebiscito. Afinal, que países – e que governos – estão se beneficiando destes arroubos de generosidade?
    Por essas e por outras meu voto é nulo, já que pro Alckmin, meu voto também não vai.

  7. fica a pergunta:
    o q é pior?
    privatizar uma estatal obsoleta e sem sentido no mundo em pleno seculo 21, ou roubar uma estatal mantendo-a como um apendice de doutrinas dos meados do seculo 20?

  8. prefiro resultados e metas, de preferência quanto menos se onere o Estado (que nós sustentamos). assim, é melhor q a Vale tenha dinheiro pra investir e crescer e gerar empregos e impostos, do q não crescer porq o Estado(nosso $) não tem como investir. isso não apaga o preço irrisório com q essa negociata, entre outras da época de ouro da privataria, foi fechada. também é bem melhor ter empresas telefõnicas cheias de falhas de atendimento (o mercado está demorando pra consertar isso…) mas q oferecem MUITO mais telefones do q na época das estatais. e também por isso seria essencial agências reguladoras independentes (discutível, admito, tirar isso de uma política de governo, mas é bem defensável de qq lado q se advogue), fortes e eficientes (sonho meu…) pra cobrar metas e coibir abusos. mas isso seria num país de discute soluções, idéias, e não quem rouba mais…
    também vejo a questão da corrupção como mais central no governo do PT, quase uma política de um governo paralelo(?) q se instalou muito próximo ao presidente. mas me parece, e isso também é controverso, q a corrupção era tolerada nos tempos de FHC( e pelo visto com Alckmim em SP) mas não uma política de aparelhamento do Estado. também vejo o PT e a figura do Lula como pouco democráticos e republicanos, mais autoritários do q o antecessor, mas é a comparação do ruim com o horrível…
    abçs

  9. Até aonde posso ver, não sei se o objetivo de uma privatização é resolver o problema da corrupção. Se resolver, o faz por tabela. Ou melhor transfere a corrupção para as mão dos novos donos de uma determinada empresa. Mas aí como muitos já disseram (e eu não concordo) é problema dos acionistas, dos donos. Como se a corrupção em qualquer esfera não onerasse sociedade. Ela onera e muito. Privada, estatal, o que seja ela arrebenta com esse país arrebentado. Mas isso é o óbvio. Como todas as coisas ditas, cada uma com sua porção de razão. Mas que tenhamos cuidado com o grau de aceitação (coveniente) que temos com a corrupção de uma maneira geral.

  10. Wilson:
    “Me parece que há uma diferença entre corrupção em empresas estatais e privadas: uma empresa privada usa o seu dinheiro, e uma empresa estatal usa o dinheiro público.”

    Nem sempre, nem sempre. Sonegação de imposto é com dinheiro de quem?

  11. Quem é Rafael Galvão(?). Quantos anos tem Rafael Galvão (?).
    Desculpe a curiosidade, mas não é em vão, há fortes motivos para saber com quem estou falando, se com Orlando ou com Mery.

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