Na finada Primeira Leitura, volta e meia o ex-Ministro do Exterior Celso Lafer, aquele que se humilhou nos Estados Unidos tirando os sapatos no aeroporto, como um cucaracho qualquer, descia a lenha na política externa de Lula.
Era até feio, porque pega mal um ex-ministro — ainda mais diplomata — bater sistematicamente em outro. Melhor fez o Rubens Ricúpero, aquele honesto o suficiente para dizer que “o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”, que tem suas críticas à política exeterior de Lula, mas reconhece suas qualidades. Uma entrevista sua no último número daquele boletim oficioso do PSDB era até engraçada: o repórter tentando arrancar uma condenação à política de Lula e o Ricúpero insistindo no pecado mortal, para a Primeira Leitura, de se ater à verdade.
Lafer insistia que a política externa de Lula estava totalmente errada e nos levaria ao desastre. Tudo partia de uma diferença de concepção de país. O governo FHC — e, pelas suas propostas, em 2007 um improvável governo Alckmin — raciocinava assim: eles acreditam que se matricularem o Brasil no Santo Inácio nós deixaremos de morar em Bonsucesso. Por isso privilegiavam as relações com os países ricos.
Esses países, como se sabe, têm mercados extremamente abertos para primos pobres como nós. A França não subsidia sua agricultura, uma das mais competitivas do mundo. Os Estados Unidos tampouco subsidiam seus produtos, como o algodão que chega ao Brasil por um preço menor que o custo de produção por um passe de mágica, e não empurram agressivamente os seus produtos enquanto fecham o país para, por exemplo, o aço brasileiro.
Infelizmente, alunos pobres em colégios de elite costumam ser é humilhados.
Quando Lula estabeleceu uma política externa privilegiando as relações com países em desenvolvimento, gente como Lafer se apressou em condenar a decisão. Aquilo não poderia dar certo. O Brasil perderia tudo o que tinha conquistado nos anos anteriores.
Hoje, as exportações brasileiras são o dobro do último ano de FHC. Passaram de 60,3 bilhões de dólares em 2002 para 120 bilhões. Obviamente, os defensores do PSDB dirão: “ah, mas isso é resultado do cenário internacional favorável”. (Tudo no país, de acordo com eles, é resultado de “um cenário internacional favorável”. É a melhor forma de negar qualquer competência ao governo Lula. O “cenário internacional favorável” é eleitoralmente o que a “mão mágica do mercado” é em discussões econômicas. O que quer dizer que, para eles, se o Brasil tivesse mantido a mesma política externa hoje exportaria mais que a China.)
Ainda dentro da filosofia tucana do “faça o que eu digo, não o que eu faço”, a imprensa passou os últimos 3 anos e meio batendo em Lula por “abandonar” o Mercosul. Isso não era bem verdade, mas em campanha vale tudo. Agora, em seu programa de governo, Alckmin avisa que vai voltar a privilegiar os países do norte.
Assim como FHC, Alckmin não gosta de andar com pobre.
Não gosta mesmo de andar com pobre… mas faz questão de dizer que a comida da inhá era boa demais. Vai ver ele não gostava nada da comida da inhá, e sim da de algum restaurante chique 🙂 “mas, em campanha, vale tudo…”
Vou ter que contar uma historinha antes de comentar. Você sabe que quando a gente bebe além da conta, faz besteira pra caramba. Lembro de uma vez em que eu peguei um porre de três dias num balneário perto de Belém, paguei birita pra todo mundo e fiz um monte de amizades.
Todo mundo fica amigo de alguém que chega distribuindo dinheiro. A transfusão de sangue do doente (Brasil) para o sadio (países ricos), na época da farra cambial, foi na casa de dezenas de bilhões de dólares.
Foi mais ou menos como se Fernando Henrique chegasse porre no botequim mundial e pagasse rodadas e mais rodadas de birita pra todo mundo. É claro que ia ficar amigo de todo mundo, né? E dá-lhe ser recebido com tapete vermelho em todos os salões.
vendo o debate ontem percebi que realmente o candidato da oposição não esta bem intencionado no que diz respeito a investimentos na área social, perdeu feio pro Lula ontem…
Rafael na sua opinião: quem ganhou o debate de ontem?
Lula ou alckmin?
Afinal, o bom é andarmos entre os fudidos e sobressair-nos, nem que para isso perdoemos (sem consultar o povo, num asunto tão importante quanto as privatizações e bem menos importante que o porte de armas) as dívidas que têm para conosco, enquanto pagamos bunitinho nossas contas com os pessoar do Norte…
Gostaria de ver lado a lado os números dessas exportações a países pobres versus o montante do perdão, só por curiosidade.
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Estamos trocando o “body search” por um tapete vermelho, a submissão pela soberba, o c* pela p#, um pecado por outro, então não sejamos hipócritas.
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Pode-se errar e acertar, independente da ideologia. Também não é provável que o governo de FHC não tivesse tido nenhuma idéia que prestasse. No entanto, o PT na oposição contumazmente sentava-se sobre os projetos e empacava votações, só pra ser do contra.
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O que é que tem de mal um jornal ou revista ser “panfleto” deste ou daquele partido? é normal em toda parte. O PT deve lá ter seus seguidores na imprensa, e se não tem, deveria. Esse blogue é um exemplo, e todos gostamos, por causa ou apesar.
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O que o país precisa é de menos ideologia e mais ação. Não é possível discordarem em tudo; se os políticos fizessem menos acordos por baixo dos panos e mais acordos por cima das mesas, e se os militantes olhassem os projetos objetivamente, em vez de arrancarem dedos a dentadas, o país ganharia mais.
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Incrível é: no que todos os partidos e políticos concordam é quanto ao voto popular obrigatório, resquício escroto da ditadura, que ninguém ousa mudar, já que beneficia a todos.
Abaixo a política e os políticos!
há, uma notícia. hoje, pela primeira vez na história, as reservas são suficientes para pagar a dívida externa.
Cris, a Carta Capital apóia explicitamente o Lula, mesmo fazendo suas ressalvas. Diferente da maioria dos outros veículos, como Globo, Folha, Veja, que só faltam colocar um tucaninho e o número 45 em cada página, mas insistem em bancar de isento. Subestimam a inteligência do povo assim como na campanha tucana, onde dizem que o dossiê era contra o Alckmin.
Falando em Folha e Carta Capital, alguém ai viu ou tem o video do programa “olho no voto” da TV Cultural, aonde o Mino Carta desanca o Clóvis Rossi?
abraços.
Sou direto e sem entremeios pra falar da política externa e interna dos Tucanos/pefelistas: O ranço burguês os obliterou a visão para possibilidades viáveis e até certo ponto solidárias. Tem mais a ver com a índole do governante do que com as circunstâncias que o cerca.
Rafael, o Ministro que tirou os sapatos não foi o Celso Lafer, não.
Foi o atual Ministro das Relações Exteriores, o Celso Amorim. O mesmo que chamou o Lula de “Nosso Guia”.
Rafael, Falha Nossa. Foi o Lafer, mesmo. Confundi os Celsos…
Além do mais, gente… O que que vocês achavam, que não fosse haver oposição?
Quase chego a pensar que os petistas gostariam bem é de uma ditadurazinha de esquerda…
(E olha que, o caudilho sendo outro, confesso que também já me peguei sonhando com isso, e com certas pessoas públicas no paredão).
Mas é isso aí, democracia é uma merda mesmo, fazer o que?
Outra: Não sei se os jornais e revistas têm esse poder todo de formar opinião ou convencer o público que lê, o qual é muito restrito, considerando o tamanho da população.
Acho que eles têm uma linha editorial que já combina com seus leitores, mas não chegam a convencer tanta gente assim. As pessoas lêem, em suas publicações favoritas, aquilo que desejam ver escrito, e por isso as compram.
A TV sim, tem esse poder, porque pode atuar até subliminarmente.
Rafael
Se há uma área em que o atual governo frcassou, essa é sem dúvida a política externa.
A avaliação de uma política diplomática prende-se com dois grandes factores: Resultados concretos obtidos e imagem do país no exterior.
No primeiro caso, Lula apostou todas as fichas na conquista de uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. Para tal, desenvolveu uma estratégia terceiro-mundista, que tendo fracassado o objectivo principal, ainda colocou o Brasil a jeito para os fiascos que foram a intervenção militar no Haiti e a humilhação pública da Bolívia de Evo Morales.
Em relação à imagem no exterior as coisas não são melhores.
Depois da credibilização que o país conheceu na última década, graças à estabilização econômica da segunda metade dos anos 90 e ao prestígio intenacional de FHC, a corrupção generalizada dos últimos 4 anos e a total impunidade de Lula e seus assessores, fez a imagem do país regredir algumas décadas.
Basta ler a imprensa internacional das últimas semanas e compreender o que internacionalmente significa a consagração eleitoral de Lula e do mensalão: A imagem de uma «República das Bananas» está de volta com todos os custos que isso acarreta.
Infelizmente, é essa a grande herança da política externa de Lula!
Como naquela música: “Não fala com pobre, não dá mão a preto, nem carrega embrulho”.
Tem uma palavrinha que anda boiando no meu cérebro ultimamente: desfaçatez.
Rafael, convido-o e a todos os amigos daqui para assistirem ao curta “Calçada da Fome”, do grupo Cactos Intactos.
Em meu blogue ou no YouTube.
Abraços, bom domingo, e não tragam pipoca.
Rafael!
Como percebe-se pelos seus posts, vc é petista, ou lulista, ou simpatizante. (?)
Já li muita coisa no seu blog e acho que vc é um jornalista muito bom.a
Como vivemos num país democrático, qualquer um pode escrever o que quiser, sem medo da censura.
Censura, aliáas, que o Lula quer fazer voltar. tentou, por 4 vezes, sem êxito, criar um órgão de controle da imprensa. E já disse, pra quem quis ouvir, que já pensou em fechar o Congresso…E acho que pretende mesmo fazer isso, matando nossa democracia que ainda engatinha.
Tenho arrepios ao pensar na possibilidade cada vez mais próxima que ele seja reeleito.
Pq daí, nem vc nem os demais jornalistas (coloco aqui que seu trabalho neste blog é, acima de tudo, um trabalho jornalístico) sérios poderão expressar livremente sua opinião.
Quer dizer, talvez vc possa, afinal suas últimas matérias só falam mal do PSDB, assim, nào desagradam aos ouvidos petistas e lulistas.
Que tal uma matéria explicando as coisas que o PT nem o Lula explicaram? Ou vc tbém fecha os olhos?
A parte ruim do PSDB vc já expôs, que tal agora mostrar os desmandos de nosso atual governo e atual presidente?
E por acaso vc tem algo que desabone o Alckmin?
Sinto-me uma palhaça por ter votado no Lula na eleição anterior.
Não vou anular meu voto, embora não diga que o Alckmin seja a salvação da lavoura.
Mas não é um cego como o Lula.
E, acima d etudo, quero garantir que posso votar e, se me arrepender, possa continuar votando.
Congresso fechado é o início da volta da Ditadura.
Att.
Cris
O Alexandre aí acima repete uma avaliação superficial e equivocada da política externa. Política exterior não se mede por resultados imediatos, nem é feita apenas para atender aos interesses comerciais de um país. Daí que não se pode medir o sucesso dela pelas exportações, como gostaria o governo, nem pelo fracasso das negociações comerciais, como tenta fazer a oposição.
O governo apostou na OMC porque tinha que. É o único lugar em que poderá remover barreiras importantes para nossos principais produtos de exportação, e evitar retrocessos que comprometeriam nossa indústria. Se a negociação desandou, não é culpa da política externa brasileira, muito pelo contrário: o Brasil é, hoje,reconhecidamente um dos principais interlocutores na discussão da OMC (o que não é pouca coisa), apesar de ter apenas 1% do comércio mundial. Nada se discute nem se decide por lá sem consulta ao Brasil. isso é fracasso?
No Mercosul, a mesma coisa. Se está desandando apesar de todos os esforços do governo, imagine como não estaria se fosse outra a política, como a defendida pela oposição, de confronto com a Argentina e desprezo por uruguai e Paraguai. O problema é que o paraguai é um Estado falido institucionalmente, e a Argentina é governada por um autocrata populista.
O governo poderia ter feito mais pelos vizinhos, e melhorado o clima com o uruguai, por exemplo. Não o fez porque o Brasil ainda vê a ação em países vizinhos como perda para os interesses nacionais. Não vê que, apesar de termos pobreza no Piauí, precisamos lutar para acabar com a pobreza boliviana, porque a Polícia Federal pode atuar no Piauí, mas não na Bolívia, por exemplo.
Hoje não á presidente eleito, á direita ou à esquerda, que não venha pedir a benção de Lula. Isso é fracasso?
Há erros sérios na política externa, como o a má administração da candidatura ao Conselho de Segurança da ONU. Mas as críticas feitas ao Itamaraty e ao Lula nesse aspecto são toscas, meramente eleitorais, pouco informadas. É uma pena.
Continue provocando essas polêmicas, professor Galvão; seu blogue está excelente de se ler!
Uma regressão simples mostra que 72% da variação anual das exportações brasileiras nos últimos anos foi puxada pela variação das exportações mundiais. É claro que esse argumento não encontra qualquer ressonância na sociedade em geral e menos ainda nos setores ditos “de esquerda” (que não são reconhecidos pela sua intimidade com os números, so to speak…). Mas é um argumento que mostra a falácia de se observar dados econômicos internos sem observar a conjuntura externa: quando olhamos apenas a propaganda oficial, podemos cair na tentação de atribuir o crescimento das nossas exportações aos acordos que o Brasil tem firmado com potências econômicas como Cuba, Marrocos e Panamá… E daí vem a importância de negociarmos com países ricos: quanto maior a renda per capita dos nossos parceiros comerciais, mais crescerão nossas exportações.
O governo Lulla, em suas negociações comerciais, adota a postura de país-pedinte: pedimos tudo e não oferecemos nada em troca. Por dever de ofício, participei da formulação das propostas que o Brasil apresentava na Rodada Doha da OMC (antes da paralisação das negociações, em julho). Pedimos abertura total dos países ricos, incluindo a eliminação total dos subsídios agrícolas. E oferecemos NADA em troca: apenas nos comprometemos a não elevar nossas tarifas atuais no futuro, o que é ridículo. Em 2001 vc poderia dizer que “bem, mas isso apenas é uma posição negociadora inicial, para obtermos mais vantagens lá na frente”; mas em 2006 esse discurso já tinha perdido completamente o sentido e, no fim das contas, o Brasil teve grande responsabilidade na paralisação das negociações (para gáudio de Samuel Pinheiro Guimarães e Marco Aurélio Garcia).
P.S.: Assumo aqui que a maioria das pessoas cursa Introdução à Economia na faculdade ou conhece um mínimo de teoria do comércio. Assim, não vou me dar ao trabalho de responder a possíveis contra-argumentos do tipo “Ah, mas o comércio é ruim pq as importações prejudicam a nossa indústria nascente” ou “O que importa é o superávit comercial”. Se pensamentos desse tipo ocorreram a vc, a cura está aqui: http://www.amazon.com/International-Economics-Theory-Policy-7th/dp/0321293835/sr=1-1/qid=1161883015/ref=pd_bbs_1/102-0538722-9040932?ie=UTF8&s=books.
A propos, a política externa foi lembrada ontem pelo Esselentíçimu, em seu discurso da vitória: “nossa idéia é que a integração americana se estenda da Patagônia à Terra do Fogo.” (sic!)
Que os céus ouçam suas palavras!