Pequena introdução à discografia de Paul McCartney

E então, sem ter o que fazer, resolvi fazer uma pequena lista dos discos de Paul McCartney.

Coisa chata, mesmo, só para fãs do sujeito.

Na lista não entram discos ao vivo, mesmo que todos eles tenham canções inéditas, nem os discos de música eletrônica ou, ainda, as peças de música erudita — acredite em mim, coisas como Liverpool Oratorio deixam os piores discos desta lista parecendo obras-primas. Além disso, a base são os LPs originais, o que quer dizer que deixa de lado vários compactos, muitos deles brilhantes, que foram mais tarde incluídos como faixas bônus nos CDs. Para mim, incluir esses compactos no disco original é como colocar Penny Lane e Strawberry Fields Forever numa reedição do Sgt. Pepper’s. É a mesma razão pela qual incluo uma coletânea que juntou uma série de compactos de McCartney que não existiam nos LPs.

McCartney
Talvez o maior pecado que já cometi em relação a Paul McCartney tenha sido achar ruim este disco, por alguns anos. Sempre que eu pensava nele vinha a lembrança da última canção, Kreen Akrore, um desvario instrumental auto-complacente. Eu estava errado: o álbum é muito bom. Em parte ele sofre porque é inevitável a comparação com o disco de estréia de seu parceiro e nêmesis, o irretocável John Lennon/Plastic Ono Band; em parte porque é um disco que evita propositadamente o nível de profissionalismo dos discos dos Beatles. Nada disso, no entanto, tira de McCartney o mérito por algumas melodias brilhantes, e canções divinas como Maybe I’m Amazed e Every Night.

Ram
Para muita gente é o melhor disco de McCartney dessa primeira fase, pós-Beatles e pré-Wings. Os Lennon acharam que o disco era todo uma estocada neles (segundo McCartney era só a primeira faixa, Too Many People — Too many people preaching practices / Don’t let them tell you what you wanna be), e em resposta escreveram How Do You Sleep?, um ataque fortíssimo (e eficiente, é preciso dizer) abaixo da linha da cintura (The only thing you’ve done was “Yesterday” / But since you’ve gone you’re just “Another Day”); Lennon chegou a considerar aparecer na capa do álbum Imagine segurando um porco, como resposta a McCartney com um carneiro na capa deste disco. A curiosidade: o disco é creditado a Paul e Linda McCartney. McCartney só fez isso para não dar dinheiro aos outros ex-beatles. Na época, a renda dos discos solo ia para um fundo comum e era dividido igualmente entre os quatro. McCartney achou isso injusto (ele vendia muito, os outros muito menos, Ringo não vendia nada) e deu crédito à mulher para ficar, desde o início, com 50% da renda.

Wild Life
O primeiro disco dos Wings é esculhambado universalmente; o maior elogio que podem fazer a ele é “medíocre”. Com certa razão: há algumas canções que são duras de agüentar, como Bip Bop e I Am Your Singer. Mas pelo menos metade do disco é muito boa, da resposta delicada a Lennon em Some People Never Know (Some people can sleep at night / Believing that love is a lie) à belíssima balada Tomorrow, passando por um cover brilhante de Love is Strange — que não lembra em quase nada a versão original de Mickey e Sylvia — e o blues que dá título ao disco, no mínimo curioso.

Red Rose Speedway
Eu não entendo como tanta gente gosta desse disco. É horroroso, salvo duas ou três canções e o medley no final. O problema é que nele está My Love, uma das mais belas baladas que McCartney escreveu em toda a sua vida. Talvez o fato de ter demorado muitos anos para gostar dessa canção tenha ajudado a me fazer desprezar, de forma absoluta, esse disco. E por alguma razão, sempre vi essa coisa chata como um lamento de McCartney direcionado ao seu ex-parceiro. Eu ainda não gosto do disco. Provavelmente nunca vou gostar.

Band on the Run
Um disco brilhante. Absolutamente brilhante. Gravado na Nigéria, com McCartney substituindo o baterista que saiu da banda na véspera do embarque. Mas além de brilhante é um exemplo de como a crítica em relação a McCartney sempre foi complicada e muitas vezes injusta. O disco é mesmo tudo isso que falam dele, mas ao longo de sua carreira McCartney lançou alguns discos no mínimo tão bons quanto este.

Venus and Mars
Ouvi esse pela primeira vez em uma loja da Praça da Sé, em Salvador. Ouvi como se ouvia discos em lojas naqueles tempos de vinil e agulha: em pé diante de um toca-discos, fone no ouvido, um pedacinho de cada faixa. E achei um disco fraco, pop demais, o que me fez demorar anos para comprá-lo. Eu estava enganado. É um grande álbum, coeso, com algumas grandes canções. É provavelmente o disco que melhor exprime o som do Wings naqueles anos 70, e explica por que fizeram tanto sucesso.

Wings at the Speed of Sound
Triste. Triste. Absolutamente medíocre, inferior mesmo a Red Rose Speedway. McCartney, aqui, resolveu que tinha uma banda de verdade, e não apenas de apoio. E assim, sendo o disco mais democrático dos Wings, o resultado é um apanhado de canções medíocres, em que absolutamente ninguém está inspirado. No entanto, tem um dos melhores riffs de baixo da carreira de McCartney, o de Silly Love Songs (que afinal de contas é, sim, uma grande canção. Foi Bono Vox quem confirmou).

London Town
Um bom disco, relaxado, com algumas boas canções e um clima geral de paz, tranqüilidade. É um daqueles álbuns pelos quais ninguém dá nada, mas que tem grandes momentos, e que vale a pena ser escutado com atenção.

Wings Greatest
Coletânea que reúne os maiores hits e os melhores compactos dos Wings, é um disco excelente. São grandes canções, surpreendentemente apresentando uma certa unidade. Algumas das faixas, como Another Day e Junior’s Farm, são absolutamente brilhantes. O disco mostra que, afinal de contas, os Wings foram uma banda muito boa.

Back to the Egg
É o disco mais subestimado de McCartney. Influenciado pelo movimento punk, tem alguns grandes rockers, um clima denso e boas baladas, ainda que relaxadas. É o último disco dos Wings, e um epitáfio adequado à banda.

McCartney II
É um álbum esquisito, para dizer o mínimo. Com o fim dos Wings — dizem que o resto da banda ficou muito chateado quando McCartney foi preso no Japão por porte de maconha, mas eu sinceramente acho é que ficaram de saco cheio de ter que aturar um escroto como ele –, Paul repetiu o que fez quando os Beatles estavam acabando: se trancou no seu estúdio caseiro e gravou um disco sozinho, daqueles em que toca todos os instrumentos — uma maneira de dizer “olha, eu sou Paul McCartney e não preciso de ninguém”. Talvez não precise, mas o resultado é um disco extremamente mal produzido, que abusa de sintetizadores e que, além de tudo, tem uma série de músicas muito fracas, apesar de um ou outro bom momento.

Tug of War
Está, certamente, entre os melhores discos solo de um ex-beatle. Surpreendente a cada faixa, o que se tem aqui é um artista no seu auge, cônscio do seu trabalho, e autor de canções brilhantes em um disco produzido por George Martin.

Pipes of Peace
Parece ter sido feito com sobras do Tug of War. Fraco, mas como qualquer disco de McCartney, sempre tem algumas boas canções, apesar da presença de Michael Jackson em duas faixas (uma boa, Say Say Say, e uma ruim, The Man). De qualquer forma eu gosto muito desse disco, mas sou suspeito para falar: foi o primeiro que comprei em toda a minha vida. Não posso ter uma relação normal com ele.

Give My Regards to Broad Street
Não é bem um disco “regular”, e sim a trilha sonora do filme horroso que McCartney fez, horroroso como Magical Mystery Tour. Tem o último grande sucesso de vendas de McCartney, No More Lonely Nights, e algumas regravações dos Beatles. E aqui vale uma curiosidade: McCartney passou a vida reclamando do arranjo de Phil Spector para The Long and Winding Road. Mas quando finalmente regravou a canção aqui McCartney fez, também, um daqueles arranjos gordos, excessivos.

Press to Play
O disco é universalmente achincalhado por todos (embora não tenha sido assim no lançamento; lembro bem de uma crítica reverente de Roberto Muggiatti e de uma apreciação favorável da Rolling Stone). Eu gosto. Comparado ao que se fazia nos tenebrosos anos 80, esse é um bom disco, que se sustenta com dignidade diante de outras obras. Tem boas faixas, e isso deveria bastar.

Choba B CCCP
É o primeiro disco de covers de McCartney, lançado em 1987 apenas na União Soviética e liberado para o Ocidente alguns anos depois. É irregular. Algumas versões são excelentes, como Crackin’ Up de Bo Diddley, outras são mais ou menos, algumas são fracas. Mas é definitivamente um disco de rock and roll.

Flowers in the Dirt
Resultado da parceria entre McCartney e Elvis Costello, o disco foi aclamado como “o retorno de Paul McCartney”. É um bom disco, com boas canções, mas também não é tanto assim. Um disco decente, com algumas grandes canções, que não faz feio e tem uma unidade agradável.

Off the Ground
Quase 4 anos sem lançar nenhum álbum (com exceção do triplo ao vivo Tripping the Live Fantastic, resultado da sua volta às turnês e o medíocre Liverpool Oratorio), e quando o sujeito aparece é com um dos seus piores discos. O pior é que agora, quando o disco é ruim, o número de boas canções é menor do que antes.

Flaming Pie
Mais quatro anos (sem falar no Paul is Live, disco ao vivo que parece uma reedição de Tripping the Live Fantastic, e umas incursões pela música eletrônica), mas desta vez a espera valeu a pena. Flaming Pie é um dos melhores discos de McCartney. Talvez por ter sido feito logo após o projeto Beatles Anthology, o que se tem aqui é um álbum com boas canções de Paul McCartney, algumas belíssimas como Calico Skies. Eu, pessoalmente, fico imaginando o que seria de Souvenir, uma das melhores canções do ábum, se fosse gravada pelos Beatles.

Run Devil Run
É segundo disco de covers de McCartney. E desta vez ele acertou: pode-se dizer que é o melhor álbum de covers que um ex-beatle já fez (o que inclui o Rock and Roll de Lennon e o Sentimental Journey de Ringo Starr). Um disco forte, pesado, em que os arranjos são brilhantemente atualizados sem perder a sua força original. Conta com um time muito melhor que o do primeiro: David Gilmour na guitarra, Ian Paice na bateria e Mick Green na guitarra.

No conjunto, os discos de covers de McCartney são melhores que o similar de Lennon, Rock and Roll. O mais engraçado é que a lenda diz que Lennon era o roqueiro e McCartney, além de baladeiro, era o experimentador; nesses discos se vê justamente o contrário, um Lennon que tem a coragem de brincar com os arranjos (de maneiras algumas vezes infelizes — afinal de contas, o produtor de boa parte de Rock and Roll foi Phil Spector e sua mania de deixar tudo over; basta ver o que o desgraçado fez com os Ramones), com uma forte tendência à pieguice, enquanto McCartney se atém aos arranjos originais de modo geral, e quanto os atualiza é para dar uma pegada mais pesada.

Driving Rain
Os anos 2000 não começaram muito bem para McCartney. Esse disco é desigual, embora tenha algumas boas canções. É notável principalmente pela abordagem que McCartney dá ao baixo, lembrando por que ele é o baixista mais influente de todos os tempos. Mas tem também a sua pior canção em todos os tempos, Freedom (We will fight for the right to live in freedom, resposta ao ataque de Osama bin Laden ao World Trade Center).

Chaos and Creation in the Backyard
Aqui.

Memory Almost Full
Aqui.

15 thoughts on “Pequena introdução à discografia de Paul McCartney

  1. Galvão:

    Como sei que você é especilista em Beatles, vou abusar!

    A musica Yellow Submarine é infantiloide de propósito (coisa de gênio), ou é apenas um escorregadela na obra perfeita dos Beatles?

    Eu pergunto isso porque sei que o filme (um desenho animado que poderia ser pra criança) foi feito após a musíca sair no LP Revolver.

    Pode me responder?

  2. lembro que Ram foi um disco que o meu pai procurou, durante muito tempo, para recomprar. escutava com ele e julgava uma relíquia. eu tinha uns 9 anos. até deu vontade de ouvir de novo, pra ver como me cai 🙂 vou catar pelas internets aí.

  3. Ficaram muito boas as descrições dos álbuns de Paul. Dão tanta alegria quanto as “Alegrias que o Google me dá”.

  4. Cara, achei um bom especialista em Beatles! Redirecionado pelo Milton Ribeiro, cheguei aqui e achei uma pancada de textos queterei que arrumar tempo pra ler, hehe.

    Adoro Paul McCartney, mesmo tendo nascido quando os Beatles tinham ficado mais de uma década no passado. Por essa razão, muita coisa desse tempo neu não vivi, então leio avidamente tudo o que vejo sobre o Fab Four.

    Alguns desses discos não tenho, infelizmente. Ainda quero ouvir alguns, apesar de não criar grande expectativa. “Band on the run” é fantástico, e “McCartney” seria de igual nível, com uma produção um pouquinho melhor e sem a última música. “Memory almost full” é muito bom: abre com um pop simples e algo empolgante, e vai muito bem no medley do final, donde acho em “That was me” o melhor de Paul. E o “Run devil run” manda bem demais nos covers, ainda que possa soar como um “the old guy still rocks”, como vi alguém dizendo certa vez.

    Parabéns pelo post.

  5. tirando o ”ram” e o ”band on the run” que são maravilhosos e dispensam comentarios, gostei muito do ”back to the egg” e o ”driving rain”, achei bem alternativo, sem ofensas ao autor rafael galvão, mas acho q não devemos nos prender muito a comentarios sobre albuns, afinal, depende do gosto do ouvinte, mas mesmo assim os comentarios do autor foram de grande valia.

  6. Interessante, como o gosto de ouvir e interpretar a músicavaria tanto de pessoa para pessoa.
    Um dos meus albuns preferidos é justamente um dos mais criticado: OFF THE GROUND.

    Gosto também de Pipes of Peace, Flaming Pie e Driving Rain

  7. Rafael, parabéns pelos comentários… Li o que vc escreveu sobre Pipes Of Peace e dei muita risada… Eu também tenho uma queda pelo disco Flowers In The Dirt…. Acho esse disco excepcional, além de me levar de volta a um dos pontos altos da minha vida: ver Sir Paul McCartney abrindo o seu show com “Figure Of Eight” (uma de suas canções que mais gosto!!!) num Maracanã lotado com 184 mil beatlemaníacos não tem preço!!!!! Eu sempre digo que minha canção favorita é “Imagine” de John Lennon e que o John é um dos meus heróis… Mas Paul McCartney também é um herói para mim… Muito boa sorte e um abraço

  8. Ahhhh… Ia esquecendo de dizer, veja como são as coisas…. Para mim, Flowers In The Dirt é o melhor disco de McCartney desde Band On The Run e não ficando nada a dever a este… My Brave Face (Beatles, Beatles, Beatles…), Put It There (Eterna e Maravilhosa!!!), Figure Of Eight (dispensa comentários…), This One (incrível!!!), Distractions (fantástica!!!). O disco até parece coletânea de tanta música boa… rsrsrsrsrs… Um grande abraço!

  9. Rafael,

    Muito obrigado pelo post. Guardo ele no Reader há muito tempo, por indicação de nem lembro mais quem, e hoje, por conta de ter acabado de assistir o fantástico DVD Good Evening New York City, vou usá-lo como referência para conhecer a obra do Paul, coisa que eu já devia ter feito há muito tempo.

    Grande abraço.

  10. PARABÉNS! GOSTARIA DE SABER EM QUAL DISCO DOS BEATLES OU DO PAUL MCCARTNEY TÊM A
    MÚSICA: “IT’S JUST ANOTHER DAY”, POIS QUERIA COMPRAR ESTE CD.

    GRATO

    WILSON

  11. Wilson, essa música é b-side do álbum Ram. Pra conseguir ela você tem que comprar o Ram com 4 faixas remasterizadas

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