Fiquei sabendo por acaso que estão fazendo uma nova versão de “Robin Hood”, agora com Russell Crowe no papel de Robin.
Sou de um tempo anterior a videogames, em que livros, televisão e brincadeiras na rua constituíam a base da nossa educação real. Ler e reler as aventuras de Robin Hood eram parte disso. Mesmo sem ser um exemplo clássico, Robin Hood é, ainda que residualmente, um dos poucos exemplos do espírito medieval que se encontra nos romances de cavalaria. Nós já não líamos Amadis de Gaula, que isso ficava para um certo Alonso Quijano; mas ainda líamos e víamos Robin Hood. Não sei se esse pessoal mais novo ainda gosta da lenda. Acho improvável. Devem preferir algo menos rico como Jaspion ou Transformers, mas mais atual e inserido no novo zeitgeist.
É por isso que sempre que surge uma nova adaptação cinematográfica, aqueles que conhecem a lenda ficam esperando mais uma pequena tragédia — ou pelo menos eu fico. (O fato de o novo filme ser dirigido por Ridley Scott, diretor de longa trajetória medíocre e apenas três excelentes acidentes de percurso, Alien, Blade Runner e “Os Duelistas”, não ajuda a elevar as expectativas.)
Minhas expectativas não foram frustradas pela versão de Kevin Costner no início dos anos 90, que incluiu um Morgan Freeman num papel de sarraceno apenas para colocar um negro na história; nem pelo seriado atualmente exibido pela BBC de Londres (no Brasil pelo Hallmark) que coloca no bando uma mulher — a Idade Média, como se sabe, foi uma época de florescimento do feminismo — hindu, reflexo da Inglaterra multicultural destes tempos, além de um Robin Hood excessivamente imaturo e absolutamente implausível para conquistar a confiança de um bando de marginais. Desconto aqui as situações dramáticas irritantes, mas necessárias à duração da série — embora a transformação do xerife de Nottingham em um vilão louco de filme de super-herói seja um pouco demais para os meus gostos já velhos.
Na verdade ainda não vi nenhuma adaptação de Robin Hood melhor que a de Michael Curtiz, estrelada por Errol Flynn e seguramente um dos 100 melhores filmes da história do cinema (além de um dos primeiros em cores). Assim como não há “Os Três Mosqueteiros” melhor que o dirigido por George Sidney em 1948, com Gene Kelly, Van Heflin e Lana Turner. Acontece que os padrões estéticos atuais fazem um mal danado a histórias clássicas como essas. Dia desses assisti a um tal de “A Vingança do Mosqueteiro”, adaptação bisonha da obra de Alexandre Dumas, que quase deu vontade de vomitar. Não é apenas o desrespeito à história. É a mania de deixar tudo espetacularizado demais, rápido demais.
Um pouco disso, eu sei, é má vontade minha. Robin Hood é uma lenda que variou ao longo de séculos — na verdade, por ser uma lenda, permite a princípio toda e qualquer modificação. Se os produtores hoje resolvem que vão colocar heróis vestindo roupas de couro à la rockstar em vez de o “bom pano verde de Lincoln”, como os originais, é uma concessão boba que se pode aceitar em nome da passagem dos tempos e dos gostos de massas cada vez mais ignorantes. Mas a maioria dessas versões cometem também um erro grave, porque dizem respeito ao espírito da lenda de Robin Hood.
Assim como a lenda do rei Arthur — cá entre nós, pouco mais que um chefe tribal corno que acreditava em um charlatão chamado Merlin—, Robin Hood — cá entre nós, pouco mais que um ladrão — é um dos mitos fundadores da Inglaterra. Issso é algo que aqueles que costumam cantar a superioridade cultural inglesa deviam sempre levar em conta, quando reclamam dos nossos: os mitos fundadores da grande Inglaterr são um corno e um ladrão).
Robin Hood reflete bem o caráter do povo inglês. Se algum Robin jamais existiu, provavelmente não era mais que um ladrão com boas relações com a vizinhança, uma espécie de Escadinha; coube ao povo idealizá-lo e romantizá-lo como uma válvula de escape, um retrato de suas aspirações, e uma ferramenta de definição de sua própria identidade. Daí a subversão e a rebeldia presentes em sua lenda, a resistência à opressão que se tornou sua marca registrada — e que Walter Scott cristalizou bem em “Ivanhoé”. E daí, principalmente, o humor.
O riso sempre foi fundamental na lenda de Robin Hood. Mistificação e engano são provavelmente as suas maiores armas, mais que sua habilidade no arco e flecha ou as façanhas do Frei Tuck ou de João Pequeno. Não é porque roubava que Robin Hood se tornou herói, porque ladrões sempre houve muitos por aquelas bandas. Mas de acordo com a imagem que o povo criou, ele não perdia uma chance sequer de ridicularizar o xerife de Nottingham ou o bispo de Hereford, símbolos das duas grandes instituições de seu tempo, a Igreja e algo que se assemelha ao Estado. Não era à toa que o seu bando foi cantado ao longo dos séculos como “Robin Hood and his merry men”. A irreverência e o deboche que fazem parte do espírito inglês encontraram em Robin Hood o seu refúgio perfeito — enquanto a seriedade e superioridade moral da Távola Redonda atendiam a outra necessidade desse processo de formação cultural. Em vários dos episódios da lenda, Robin Hood leva a pior: alguém lhe prega uma peça, um João Pequeno lhe enche de porrada, e essa falibilidade do personagem lhe enriquece profundamente.
No entanto, parece que só há Robins tristes por aí. Kevin Costner, com sua cara de Gary Cooper de segunda, certamente não tem aquele ar flamboyant de um Errol Flynn. Mas Russell Crowe deve ser ainda pior. Diretor e ator fizeram juntos “Gladiador” — e algo me diz que eu posso esperar um Robin Hood feroz e macho, incontáveis cenas de sangue, algumas batalhas grandiosas e violentas e cenografia megalomaníaca.
É por isso que, até hoje, a versão de Michael Curtiz continua insuperada. Os filmes recentes sobre Robin Hood não trazem nada disso, perdem sua essência ao tentar atualizar algo que não pode ser atualizado; ou, talvez, em uma tentativa de acrescentar alguma novidade a algo que não pode e não deve ser atualizado. É difícil imaginar um Kevin Costner, com sua cara de Gary Cooper, pregando uma peça no xerife de Nottingham. E Russell Crowe está mais para Gladiador do que para um ladrão boa praça como Robin Hood.
É ruim ficar velho e ter lembranças de tempos melhores.
ah nem …
fica com as versões de mel brooks e disney paraíba
Depois (mas bem pertinho) da versão com Errol Flynn, acho que a mais bacana de todas foi a da Disney, em animação.
Aquela raposa sacana era o próprio Robin Hood, cara.
Mas vamos ver (ou melhor não…)
Excelente, Rafael.
Robin Hood me leva à infância, e pra mim ele tem a cara do Errol Flynn e da raposinha da Disney.
Abro licença poética pra versão do Mel Brooks. Me provocou um daqueles adventos de gargalhadas descontroladas. Mas confesso que não desgosto do filme com o Kevin Costner.
Quanto ao Russell Crowe, já está meio gordo pro papel não?
Oi, Rafael.
“Os Três Mosqueteiros” é um dos meus livros favoritos.E “As Aventuras de Rocambole”, você já leu? Já li todas as versões possíveis e imagináveis sobre o Rei Arthur. Adoro Robin Hood.Acho que o Johnny Deep seria um Robin perfeito.
beijos
Faltou citar “O Vento e o Leão”, com Sean Connery. O filme é açucarado demais, mas tem seus méritos.
E, sim, em certa medida ser fã de Robin hood me fez torcer pro Nottinghan Forest.