Recebi um telegrama dia desses. Parece brincadeira, mas recebi.
Os telegramas estão bem diferentes dos de antigamente. Mais parecem aerogramas, aquelas cartas alaranjadas pré-fabricadas que os Correios vendiam — não sei se ainda vendem.
Eu já sabia o que o telegrama dizia, mas de alguma forma, ainda que incompleta, consegui relembrar um pouco da sensação qeu se tinha ao, de repente, receber um telegrama inesperado. Mais que isso, veio também a impressão de que esse, provavelmente, é o último que receberei na vida. É um telegrama temporão, porque eles não fazem mais sentido no mundo de hoje.
Há alguns anos, quando a Western Union avisou que estava cancelando sua unidade de telegramas nos Estados Unidos, foi colocada a lápide sobre uma instituição do século XX. No entanto essa agonia começou em silêncio, e ninguém parece ter notado. Telegramas já não faziam sentido há muito tempo. E o passar dos dias não melhora, em nada, a sua situação.
É difícil, para quem não recebeu alguns telegramas, entender exatamente o que significava a chegada de um deles. Um telegrama era um carimbo de urgência e de importância em um tempo que não era tão corrido, em que as pessoas ainda admitiam não encontrar outras no momento em que queriam; o telefone celular ainda não existia. Um telegrama era uma esfinge à espera de um Édipo. Podia significar algo que teria a faculdade fatal de mudar sua vida, de transformar radicalmente, e para sempre, o seu mundo. De certa forma, era imparcial como a mão divina, e igualmente inesperado: podia lhe avisar de maneira seca que alguém querido havia morrido, que alguém que mais tarde também seria querido tinha nascido, ou podia simplesmente mandar você passar em algum lugar para pagar uma dívida.
Telegramas tinham uma linguagem própria. CHEGO SEGUNDA TREM DAS ONZE PT, e a gente sabia o que o PT e VG significavam. E isso fazia com que fossem mais concisos que SMS ou Twitter, porque não era uma limitação tecnológica que lhe fazia ser sucinto, mas o preço de cada letra, ou palavra, não lembro bem.
Eu disse que eles podiam significar que algo bom havia acontecido com você, mas não falei toda a verdade. Porque algo na natureza humana, talvez a sensação permanente de queda iminente, fazia com se soubesse instintivamente que um telegrama, quase por princípio, trazia notícia ruim. Boas notícias não vinham por telegrama com a mesma freqüência com que as más chegavam. Más notícias, não, essas sempre fporam rápidas; com o telegrama, elas passaram a voar na velocidade da luz. Por alguma razão esquisita, as pessoas parecem achar que boas notícias podem esperar. Já as más, por menos relevantes que sejam, por menos que você possa fazer em relação ao fato que elas contam, precisam ser ditas com urgência. E para isso inventaram o telegrama.
O mais próximo da sensação causada pela chegada de um deles, hoje, é a sensação de alerta que se tem ao ouvir os acordes da vinheta do plantão do Jornal Nacional. Vinheta que hoje, mesmo vulgarizada em toques de telefones celulares, causa o mesmo desconforto instintivo, a mesma sensação de urgência, de acontecimento importante. Mas há uma diferença, e é por isso que o telegrama não tem nada, hoje, que se possa comparar a ele: o telegrama era algo pessoal, urgente. Dizia respeito a você, diretamente. O plantão do Jornal Nacional diz apenas que uma pessoa que você não conhece se fodeu, ou uma catástrofe aconteceu — e aí muitas pessoas que você não conhece se foderam. É uma má notícia, também, mas menos má porque é impessoal, não lhe afeta diretamente.
Não que isso signifique algo hoje. Tudo isso pertence a uma era atrás. O telegrama foi destruído pelo telefone e pela internet. Em um mundo em que quase todos têm celular, ficou mais fácil comunicar-se com a urgência que o telegrama implicava, e muito mais. E se o telefone não tinha a capacidade de dar um caráter definitivo às coisas, faltando a ele a solidez e inevitabilidade da palavra impressa, o e-mail representou o golpe de misericórdia.
Não foi um processo linear ou imediato, mas foi constante. Há uns 30 anos, se alguém — mesmo no Brasil, que já tinha um dos sistemas de telefonia mais avançados e abrangentes do mundo — queria falar com uma pessoa de alguma cidadezinha no interior da maioria dos Estados, ligava para o posto de serviços da companhia telefônica na cidade ou povoado. De lá mandavam alguém chamar o cidadão em questão: “Zinho, vai ali chamar Neco de Cotinha que tem uma moça de João Pessoa querendo falar com ele.”
Se o telefone celular conseguiu acabar com isso, destruir o telegrama foi, então, como tirar doce da boca de criança. Ele se tornou redundante. É por isso que vou guardar esse que acabei de receber. Daqui a alguns anos quero mostrar a minha filha o que era esse negócio já esquecido, da mesma forma como ainda guardo um aerograma como os que mandava para minha avó. Eles ainda têm a mesma cor, laranja, e com a sua praticidade já prenunciavam a decadência da carta pessoal escrita à mão. Talvez, com um telegrama, eu consiga explicar o que ele significava, e dar a ela uma noção específica de tempo e espaço que a ubiqüidade da informação suplantou para sempre. Mas duvido que ela se importe com isso. O telegrama acabou, não vai fazer falta, e PT saudações para ele.
nomeações em cargos públicos ainda são anunciadas ao nomeado através de telegramas. eu estou doido pra receber um.
Galvão:
Pelo título achei que fosse um adeus ao Partido dos Trabalhadores.
Eu tinha tentado mandar um telegrama, mas me disseram que eles não são mais enviados.
Quando nos mudamos minha mãe me repassou uma caixa repleta de cartões e telegramas que os amigos dela e do meu pai enviaram quando nasci. 🙂
E quando meu pai morou em Porto Alegre pra estudar, e ela ficou em Belém, mandavam todo dia uma carta um pro outro. Quando a carta atrasava ela ficava logo preocupada e mandava um telegrama urgente pra saber se tinha acontecido alguma coisa. (Preocupada nada, ela tava era morrendo de saudade!) 😉
PT, VG, ET