Sir George Martin é objeto de um documentário, exibido ano passado pela BBC, que sai agora em DVD.
Martin foi o produtor de quase todos os discos dos Beatles (não produziu o Let It Be, perpetrado por Phil Spector, e parte do “Álbum Branco”). É uma lenda do rock, um entre os muito poucos produtores que conquistaram esse status.
Não conheço o teor do documentário e não sei se ele insiste em um mito muito difundido: o de que George Martin foi o grande responsável pelo avanço dos Beatles no estúdio, que sem ele a banda não teria avançado musicalmente da maneira como avançou.
É o tipo de bobagem que as pessoas escrevem e repetem sem pensar muito no assunto; pelo menos essa é a única explicação que encontro para que algo desse tipo ainda mereça espaço. Porque a prova dos nove desse mito frágil pode ser feita de uma maneira muito simples. Basta fazer uma pergunta: o que foi mesmo que Martin fez sem os Beatles?
Ninguém tem essa resposta. Não porque Martin não tenha produzido muita coisa — sua carreira pós-Beatles foi bastante movimentada, principalmente em seu estúdio em Montserrat, aquela ilhota destruída por um vulcão há uns 15 anos. Mas porque o que ele produziu é simplesmente desimportante. Do outro lado do aquário dos Beatles, George Martin participou de uma das maiores revoluções musicais da história. Sem a banda, foi só mais um entre tantos excelentes produtores, cuja função é fazer o melhor disco possível a partir da obra de um artista.
Isso não é um demérito. Martin foi um produtor brilhante, de bom gosto e sensibilidade impressionantes e uma enorme capacidade de ouvir. Mas é só isso. Objetivamente Phil Spector, o inventor do famigerado Wall of Sound, exerceu uma influência maior que a de Martin. Não se trata de diminuir o seu papel, mas de reconhecer exatamente qual foi ele.
De certa forma, aconteceu com Martin o que aconteceu com Ringo e, em menor medida, Goerge Harrison: caudatário da obra impressionante de dois gênios em um tempo especial, Martin acabou adquirindo uma aura muito superior à sua verdadeira capacidade. Talvez por isso, alguns anos atrás, McCartney — o único amigo de Martin entre os Beatles; Lennon chegou a ter uma briga pelos jornais com ele, em 1972 — tenha se mostrado ressentido ao ver que pareciam dar mais crédito a Martin pelo álbum Sgt. Pepper’s do que ele achava que o produtor merecia.
Mas tudo isso são apenas palavras. Há um jeito muito fácil de entender o papel real de George Martin no estúdio, e me impressiona que as pessoas não façam isso com mais frequência. Porque é tão fácil: pegue uma canção de Lennon/McCartney que ele tenha produzido tanto com os Beatles como com outra banda. Por exemplo, I Call Your Name. Lennon originalmente deu a canção a Billy J. Kramer, mas logo depois também a gravou. As duas versões foram produzidas por Martin.
Esta é a versão de Kramer:
E esta é a versão dos Beatles:
A versão de Kramer envelheceu mais que a dos Beatles — e é uma canção que não está entre os grandes clássicos da banda —, é muito mais pop e traz aqueles “vícios” típicos de sua época. A versão dos Beatles traz inclusive alguns compassos de ska, novidade então e que dá uma pista da inventidade musical e sonora da banda. O que faz a diferença, nessa e em tantas outras canções, é justamente a criatividade e o talento da banda. Não é o produtor. É simples assim.
tem alguem com quem Lennon não brigou na década de 70?
realmente I Call Your Name com os Beatles ficou muito superior.
Sgt. Pepper tem uns arranjos altamente questionáveis, tipo She’s Leaving Home, que é capaz de ter grande influencia de George Martin sim. só pra polemizar, eu só não considero o Sgt. Pepper’s o pior disco dos Beatles porque tem o Beatles For Sale. não sei de onde tiraram dele ser a grande obra da banda.
jv,
Lennon não brigou com Ringo. Aliás, ninguém briga com Ringo.
O arranjo de She’s Leaving Home, se não me engano, é de Mike Leander, e Martin ficou magoado por McCartney ter chamado outro arranjador. De qualquer forma, eu gosto da canção — que trata de um tema árido com uma delicadeza contrastante.
She’s Leaving Home é um exemplo do que faz o Sgt. Pepper’s um disco tão importante: a capacidade do s Beatles de apreender o mundo que os cercava e sintetizar tudo, musical e liricamente, com elegância, brilho e um toque pessoal.
O engraçado é que eu também demorei a engolir o Sgt. Pepper’s. Mas é um grande disco, especialmente se considerado dentro do seu contexto.
Rafael:
Quando você fala de Beatles, você professa dogmas; não há como questionar É foda!
É que eu só falo o óbvio. 😉
eu queria ter era essa tua coragem de dar a cara a tapa, ao falar de um tema tão espinhoso quanto beatles. mas bem, pra quem já falou dos michês de goiânia, dos homens de pirú pequeno e dos lutadores de mma…
Tu tá tirando onda com a minha cara, né, Victor? 🙂
Para mim, Lennon foi só um sujeito de sorte.
Gênio ali era McCartney, o resto era médio.