60 Contos Eróticos

Quando eu tinha uns poucos anos caiu nas minhas mãos um livro grande, com capa vermelho-alaranjada, chamado “60 Contos Eróticos”. Eram as estórias classificadas em dois concursos da revista Status — não essa revista amorfa de hoje, mas a revista de mulher nua dos anos 70/80.

Foi um livro que li bastante. Li, reli, reli mais uma vez, mais duas, tantas. Alguns desses contos nunca saíram de minha memória. “Tia Bela”; o seminarista que passeia pela zona; o sobrinho que vai fazer uma visita à amante do tio morto; a moça que pede “dicumforça, dicumforça”; a mãe do amigo que ajeita o narrador entre as suas pernas enquanto o chama de bobo.

O tempo passou e muitas das memórias desapareceram, soterradas por outras tantas, mais novas, e novas maneiras de ver o mundo. O livro se perdeu na vida, acho que já há uns 30 anos. Já há muito tempo não gosto de contos eróticos, estão sempre aquém do erotismo quando sutis, estão sempre brigando com as palavras quando explícitos.

Mas semana retrasada lembrei desse livro e procurei por ele na internet (o Mercado Livre é sempre um bom lugar para achar essas coisas, as pessoas gostam de vender velharias que tentam fazer passar por antiguidades). Achei, lembrei imediatamente da capa vermelho-alaranjada. Fui na Estante Virtual e vi que o livro estava barato. Comprei. Comprei também um exemplar de “Grease — Nos Tempos da Brilhantina”, mas isso é outra história.

Ontem cheguei em casa e o livro estava lá, me esperando.

O que mais me impressionou foi o reconhecimento imediato de tanta coisa. Dos contos dos quais eu lembrava, claro, mas também dos que já não lembrava. Das ilustrações. Os cartuns — reconheci todos, embora nem lembrasse que o livro tinha cartuns; mesmo assim reconheci-os todos, imediatamente, cartuns franceses inteligentes e engraçados, curiosamente sem nada a ver com a temática sexual do livro. Tudo aquilo evocava tanta coisa, evocava eu mesmo aos 10 anos.

E enquanto relia alguns contos, fiquei pensando em como esse livro definiu minha vida.

O meu conto preferido, por exemplo (“Tia Bela”: um rapaz vai morar com os tios e obviamente se apaixona pela bela tia novinha, bonita e mal amada, com quem vive uma história de amor condenada desde o início), era tão feminino.

Há uma diferença marcante entre contos eróticos escritos por homens e por mulheres — desconto aqui os contos escritos por garotos espinhentos porque esses são pouco mais que delírios lascivos causados por overdose de hormônios. Contos femininos, pelo menos esses da coletânea, parecem ser de costume mais românticos, mais suaves, costumam ter sentimentos além do sexo, uma eterna busca de um senso de pertencimento.

Fiquei pensando no quanto “Tia Bela” me influenciou. A moça que deitada de bruços na cama enquanto folheia um álbum de fotografias. A ilustração, por exemplo, mostrava uma moça nua, de costas — moça magra, de torso bonito mas com pouca bunda. Será que esse modo feminino de ver as coisas não vem daí? Não sei. Só sei que ver isso me dá uma resposta afinal às bobas que passaram décadas negando um fato básico da vida, dizendo que não tenho alma feminina. Eu tenho sim, gostar de um conto desses é indício de alma feminina, sim, e a imagem de tia Bela com a fotografia amassada nas mãos não me deixa mentir.

Mas não só “Tia Bela”. Os contos que citei lá em cima. “A Deusa de Ébano”, uma neguinha de 13 anos que come um menino de 8; era um dos meus preferidos na época, talvez pela idade, talvez pelo seio negro oferecido à boca do menino que era ainda mais novo do que eu, menino de sorte, tanta sorte que eu não tinha; mas esqueci totalmente dele. “Weekend com Liv Ullman” é um título que reconheci imediatamente, era daí que eu sabia quem era Liv Ullman (e, en passant, também a palavra “weekend“); eu não sabia quem era Ingmar Bergman, demoraria anos até saber e mais anos ainda até ver algum filme dele; mas Liv Ullman eu sabia, sabia desde que era menininho e alguém queria fazer safadeza com ela.

Agora estou imaginando o quanto não devo a esse livro que não reli inteiro, mas que vou ter que reler, para saber se isso aqui não veio de um conto, se aquilo não veio de outro, se o meu desinteresse por isso não veio da delicadeza de “Tia Bela”, se aquilo não veio daquele conto, se o seio em minha boca não evoca aquele outro.

A criança é o pai do homem, dizem, e talvez isso afinal seja verdade.

5 thoughts on “60 Contos Eróticos

  1. vc leu e criou em cima do que leu. Isso é a lembrança. Não sei se seria bom “destrinchar”. O bolo, depois de mexido e assado, nunca mais voltará aos seus ingredientes.
    Isso me lembra que a gente não consegue voltar mais aos dez anos.
    Ainda bem, no meu caso!
    Abração

  2. Sempre gostei de contos eróticos. E há muito procuro aqueles antigos fóruns. Nunca achei pq na busca eu colocava que eram da playboy. Revistas como Peteca, ele ela e trocentas outras me chegavam as mãos pela descoberta do comércio de revistas usadas. E hoje tentando de novo olha que leio o nome da revista status. E a primeira coisa que leio é este seu post. E tenho certeza de ter lido o conto da tia Bela e lembrar da matéria com a Liv. Não tenho mais certeza se foi esta reportagem que li onde ela fica contra a luz e de perfil. Mas é a imagem q tenho dela. Não li a coletânea como vc. Lia em suplementos publicados com a revista. E espero ter a sua sorte e conseguir também encontrar digitalizado ou em papel um exemplar. Acredito q se isto acontecer vou ter um encontro com a pessoa que deixei no passado.

  3. Olá, Rafael.
    Cheguei a este post porque estava pesquisando sobre esse livro. Encontrei no site do sebo do Messias e queria saber se valia a pena comprar e, pelo que você escreveu, imagino que vou gostar dos contos. E também estou curiosa para saber se os contos das décadas de 60/70 eram diferentes do que se escreve hoje em dia. Certamente devem ser pelo menos diferentes dos contos bizarros que já li na internet e dos quais o Marcelinho tirava um sarro em vídeos do YouTube (“Marcelinho lendo contos eróticos”).
    Obrigada pelo post!

  4. Boa tarde,
    Procuro há anos um conto, dessa época, provavelmente publicado na revista Status.
    Onde um joven semi-analfabeto estuda com uma professora e essa lhe dá “aulas” e ele em troca lhe envia cartas cada vez mais rebuscado e aprimoradas.
    Conhece?

    • Não, nunca li. A ideia parece ser fantástica. Mas quando esses contos eram publicados eu não tinha idade para lê-los. O livro da Status foi um acidente. 🙂

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