Um conselho para o Igor

Comentário de um rapaz, que se diz chamar Igor, neste blog:

EU TENHO O TICO PQNO E NAUM MACHUCO AS GURIAS NA HORA DE COME-LES. O Q EU FAÇO PRA ELAS SE GOZAREM TUDO?
OBRIGADO

Caro amigo Igor,

Em primeiro lugar, parabéns pela tua delicadeza. Pode parecer bobo, mas delicadeza é fundamental nessas horas. As pessoas querem ser cuidadas, sempre; e a única forma de cuidar é delicadamente.

Mas por ter um tico pequeno tu não saberás o que é uma moça reclamando que és um grosso, um monstro, mas reclamando com um sorriso ofegante e satisfeito. Talvez jamais venhas a saber a mulher ostentando marcas roxas em seu seio como quem ostenta medalhas de guerra, talvez ainda mais satisfeita por não poder mostrá-las.

É possível que me concedas um pouco de tua condescendência, talvez me ouças e abras teu coração para minhas palavras, se eu te disser que também não sei. Este fica sendo o nosso pequeno segredo. Então poderei falar contigo como se fosse de igual para igual, sem que aches — enquanto olhas para o teu tico acanhado — que estou sendo sarcástico ou mesmo paternalista, se é que há paternalismo possível em se tratando de ticos, grandes ou pequenos.

Saiba, Igor, que compreendo tua dor. De que vale toda essa delicadeza, toda essa candura, se com um tico pequeno a ausência de dor evoca nas meninas outra ausência, a de algo que as preencha, que as eleve a alturas tão desejadas; se elas anseiam por algo que lhes faça sentir a pujança do macho tomando posse do que é seu. Por mais delicadeza que lhe confessem prezar, elas ainda são mulheres — e talvez já saibas instintivamente que esperam que sejas homem, que tenhas pelo menos um pouco de rudeza, que saibas pegar e apertar e marcar sua pele e sua carne.

Tivesses um ticão, e não um tiquinho, talvez esta conversa fosse diferente. Talvez eu te falasse de um nível aceitável e desejável de dor; talvez eu te contasse que o segredo está aí, nesse equilíbrio entre a doçura e a selvageria. Talvez eu te falasse dos elementos que compõem a posse necessária, do desempenho adequado de papéis instintivos entre um homem e uma mulher.

Mas tens um tiquinho, somente, e apenas a tua doçura para compensar. Doçura que podes cultivar com carinho, como uma vingança contra a natureza. Tua doçura, Igor, pode ser o que há de mais humano em todos nós: a vitória da humanidade sobre a natureza, a persistência de um homem que vence suas próprias limitações e se ergue, impávido, sobre todas as dificuldades com que um Deus sádico resolveu tornar mais árduo seu caminho para o paraíso.

Então, Igor, só lhe resta aceitar tuas limitações e fazer dela tua força. Se não tens o creme de leite, que sejas apenas goiabada.

Se o que tens a teu favor é a doçura, é a delicadeza, é o cuidado em não machucar a mulher que se põe ao seu dispor, desarmada e ansiosa, então sejas absolutamente doce, delicado, cuidadoso. Se o tiquinho parece pouco, se isso não as faz gritar como se estivessem caindo do paraíso, sejas doce, dulcíssimo. Mas lembra-te, caro Igor, que tu não tens apenas um tico, ainda que pequeno. Tens também dez dedos, e dez é um número tão grande, é uma infinidade. Tens uma língua — e se queres que eu te conte um segredo, uma língua pode e deve valer mais do que dez, do que vinte dedos.

E talvez aí, Igor, no dia em que tiveres aprendido que tua língua pode ser tua grande amiga, no dia em que ela fizer as moças ofegarem e gritarem como teu tico nunca fez, então talvez possas deixar de lado um pouco dessa doçura, e esquecer que um dia tudo o que podias dizer com orgulho é que não machucavas as gurias.

O sumiço das bichas

De uns tempos para cá Hollywood vem se especializando no homossexual da nova era, e a sociedade vem se dando tapinhas nas costas com seus bons sorrisos hipócritas por ver seus preconceitos diminuírem. A visão de si mesmos no espelho, de uma sociedade cada vez mais liberal e tolerante, é corroborada pela aceitação do que chamam de “amor entre dois homens” e que Oscar Wilde, mais sinceramente, chamava de “o amor que não ousa dizer seu nome”.

Talvez ela até esteja certa, e aceite mesmo que dois homens façam sexo entre si. Mas se forem duas bichas, ah, mona, aí a coisa muda de figura.

Viados e sapatões fazem parte de uma comunidade literalmente singular. Se você é pobre, pode ter a certeza de contar com o apoio de ricos que vão aliviar sua culpa defendendo melhor distribuição de renda, desde que não toquem no deles. Se você é mulher, vai aparecer um bocado de homens defendendo os seus direitos (e, talvez, tentar te comer depois, que isso é bom para todo mundo e faz bem para a pele). Se você é negro, uma porção de brancos vai cerrar fileiras ao seu lado contra o racismo.

Mas se você é gay, você vai estar sozinho.

Movimentos de defesa dos direitos dos homossexuais, como o Dialogay de Sergipe, não costumam contar com o apoio claro de outros setores do que chamam de sociedade civil organizada. Se fazem uma passeata, não se vê heterossexuais nelas — isso quando fazem, porque uma passeata de bichas e sapatões deve ser prato cheio para vaias e ovos podres. Para a maioria dos heterossexuais, bichas e sapatões podem até não ser mais aberrações, como já foram, mas ainda são incômodos. Algumas vezes justamente.

E nesse processo, parece ter se tornado fácil aceitar os dois extremos mais visíveis. Por um lado o homossexual que não trai os códigos comportamentais de seu sexo, como o viado com pose de homem e a sapatão de batom; por outro a caricatura, inofensiva de tão estridente, como a drag queen. Então a sociedade elogia os viados machos de Brokeback Mountain e se diverte na parada gay de São Paulo.

Este último caso é um dos mais interessantes. Porque ali não há mal nenhum. Porque desde que o carnaval é carnaval as pessoas vão aos montes para bailes gays, e se travestem em desfiles como os das Muquiranas em Salvador. Porque as bichas encapsuladas em paetês são engraçadas. Porque a partir do momento em que a coisa se assume como festa e paródia não há mais ameaça. As paradas gays são apenas um carnaval fora de época.

Enquanto isso o mito propagado por Brokeback Mountain, e outros tantos filmes que tratam ou tocam na temática gay, acaba sendo o de que viadagem é aceitável, desde que os homens falem grosso e as mulheres se mantenham femininas. A sapatão barra pesada, de calças baixas e pose de Humphrey Bogart sem saco, está automaticamente banida da imagem sanitizada do novos gays hollywoodianos.

No fim das contas, esse estereótipo do viado comportado de Hollywood é confortavelmente anódino. A única coisa que os diferencia de heterossexuais comuns é o fato de, à noite, dividirem sua cama e seus fluidos corporais com outros homens. Não há sequer uma sombra da bicha louca que usa jeans apertados e fala sibilando afetação. Fazendo uma comparação com o movimento negro, é como se seus defensores brancos definissem como padrão aceitável apenas os mulatos clarinhos.

Apesar das aparências, Brokeback Mountain não mostra gays; não tem sequer a gayety que lhes deu o nome. Mostra apenas uma variedade de amor e sexo perfeitamente aceitável por uma sociedade que se sente desconfortável ao lidar com algo que foge aos seus padrões.

Até há pouco tempo — antes que o politicamente correto levasse os bobos a acreditar que chamar alguém de “diversamente orientado sexualmente” o tornava menos viado e que homófobos iriam deixar de espancá-lo –, o termo preferido pelos gays americanos para se auto-definir era queer, “esquisito”. Partia do reconhecimento de que ser gay não era apenas manter relações homossexuais, mas também ostentar um comportamento diferente. Uma bicha não está dentro dos padrões de uma sociedade baseada na família nuclear. E ao evitar tocar no direito dos homossexuais de assumir um comportamento diferente, filmes como Brokeback Mountain podem acabar reforçando o preconceito, definindo o padrão pelo qual homossexuais devem ser julgados.

É muito fácil aceitar homossexuais machos como Heath Ledger e Jake Gyllenhaal (aparentemente mais machos até que eu, este velho porco chauvinista odiado por pseudo-feministas de caixas de comentários, porque eu não falo grosso daquele jeito), ou lésbicas extremamente femininas e bonitas como as que de vez em quando colam um velcro discreto nas novelas das oito. Levantar a voz para dizer que não não vê estranheza nesses casais é muito fácil, porque isso não representa nenhuma superação dos próprios preconceitos. Difícil, mesmo, é se sentir à vontade — ou pelo menos tolerar, de verdade — com a bichona que mora no apartamento do lado e tem um comportamento que, definitivamente, lhe incomoda — aquelas festas noite adentro ao som de Maria Bethânia e risadas quase histéricas. A bicha cheia de trejeitos, escandalosa, às vezes apenas uma caricatura de mulher, essa não aparece nos filmes, a não ser como motivo de riso. Porque, se aparecesse, não despertaria os mesmos bons sentimentos em uma sociedade que, por mais que se orgulhe de defender obviedades como a união civil homossexual, ainda cuida para que seus filhos mantenham distância do tio viado.

Mas, voltando a Hollywood, o que parece estar acontecendo é curioso. Se esse modelo se afirmar, o que parece ser um avanço social vai se tornar um retrocesso enorme. Porque a partir dele, as bichas acabarão perdendo o direito de ser bichas.

Originalmente publicado em 4 de abril de 2006

A primeira vez que vi Vanusa Spindler

O Ina me pede para falar das cinco capas inesquecíveis da Playboy.

Eu não sou exatamente um leitor da Playboy. E se fosse, preferiria a americana, com uma posição política clara e um certo engajamento social, dentro do contexto americano, que falta à versão nacional, periódico vagabundo que finge ser revista para gente fina quando não passa muito de material para punheteiros.

Cinco capas inesquecíveis, portanto, talvez seja algo que não dê para lembrar. Mas há uma, uma só, que não me sai da cabeça, nunca saiu, uma tão preciosa que mesmo hoje ainda lembro da primeira vez em que a vi. O tempo não parou — são quase 20 anos –, e a lembrança não passou, sequer ficou mais pálida. Epifanias não são algo muito comum na vida da gente.

Ainda lembro da primeira vez que vi Vanusa Spindler. 1989, primeiro semestre — olhar a capa agora me aviva a memória, era junho, aquele mês de luz suave e ar fresco. Eu vinha andando pelo Campo Grande, quase em frente ao teatro Castro Alves, vindo da Vitória e indo em direção ao Forte de São Pedro. Então tive uma visão, numa banca de jornal.

Ela estava lá, de semi-perfil, mas olhando para mim — ou assim queriam que eu acreditasse, e eu acreditei; acreditei em tantas coisas naquela manhã. Vestia um macacão vermelho de corrida de carros — eu lembrava dela com macacão vermelho, e é assim que ela vai permanecer –, aberto o suficiente para deixar seus seios à mostra.

Ver os seios de Vanusa Spindler pela primeira vez é como ver o mar pela primeira vez, é como ver o Rio de Janeiro pela primeira vez, é como ter bebido leite azedo a vida inteira e só então descobrir o mel. É como dar o primeiro beijo, é quase como saber, pela primeira vez, o que é estar dentro de uma mulher.

Com Vanusa Spindler uma geração inteira descobria que a perfeição existe e é possível.

Me apaixonei, perdidamente, irrecuperavelmente. Vanusa — antes um nome tão feio, mas de repente um som angelical que fazia promessas que deveriam ser sempre cumpridas, como aquele sorriso que ela dava para mim. Eu comprei aquela revista. E se a capa era apaixonante, as fotos no miolo eram daquelas que definem uma vida.

Não eram só os seios da Vanusa Spindler. Havia mais, muito mais. A boca, os pêlos — ah, os pêlos –, tudo naquelas fotos evocava dias e noites trancados, isolados do mundo, ela vestida com a sua maior camisa, que nela chegava aos joelhos, e acordando com a cabeça coberta por causa do frio do ar-condicionado; ou sentada na beira do sofá, quase caindo — há tantas imagens que podem ser lembradas agora, depois que 20 anos se passaram. A Vanusa lhe fazia imaginar coisas que você procuraria pelo resto da vida.

Mas isso foi há quase 20 anos. São essas duas décadas que me fazem ter uma certeza: eu não gostaria de ver a Vanusa Spindler novamente. 20 anos, quase, costumam ser cruéis para seios — mas são violentamente sádicos com seios que só existem assim, como quimera, como um ideal platônico inalcançável; é a inveja que o tempo sente de sua beleza arredondada e firme. E quando ele implica com algo como os seios da Vanusa Spindler, supernovas que por definição brilham incomparavelmente por um átimo e se apagam para nunca mais, então o seu trabalho mesquinho é ainda mais perverso. Supernovas cegam, e é essa cegueira que me faz ter certeza de que não, eu não quero ver o que o tempo trouxe para essa mulher, tenha sido ele bom ou malvado.

Tudo isso para não esquecer da primeira vez que vi Vanusa Spindler.

Republicado em 03 de setembro de 2010

Manual do Corno Moderno

Hoje este blog vai prestar um serviço inestimável de utilidade pública.

Vai abordar um tema que preocupa a grande maioria dos homens e mulheres; talvez aquele que mais os aterroriza em um mundo cada vez mais confuso, em que as certezas se diluem a cada dia, em que, como diziam Marx e Marshall Berman, tudo que é sólido desmancha no ar.

Hoje nós vamos falar do homem traído.

Este blog vai oferecer, aqui, informações cruciais para que vossa senhoria saiba identificar, com presteza e segurança, os sintomas que indicam que vossa mulher tem hoje pensamentos outros que não a dedicação integral a vossa felicidade completa.

Esses conhecimentos me foram passados por uma grande amiga, em uma mesa em que se discutia os meandros e desvios das relações a dois. Não são segredos que mulheres passem para homens normalmente, mas que amigos passam para amigos. Fica aqui então o meu agradecimento duplo: pela amizade e pela informação.

No entanto, que não se veja neste pequeno opúsculo apenas um alerta aos homens. Porque ele não é. É também um guia destinado às mulheres, concebido com o intuito de alertá-las para que não se acomodem em manobras diversionistas antigas, que começam a se tornar conhecidas e previsíveis. Este blog sabe o quanto mulheres podem sofrer nas mãos de homens insensíveis, homens que às vezes sequer sabem o que estão fazendo. É contra esses que este blog se solidariza com as mulheres em sua revolta: é esse o pior tipo. Acreditamos firmemente que, se vossa senhoria vai fazer alguma merda, que a faça por desejo e por vontade, e não por incompetência.

Portanto, este pequeno guia deve servir também como um estímulo para que as tantas mulheres que encontraram em outra cama uma réstia de felicidade descubram novas estratégias. Que se pense na minha amiga como uma Miss M do adultério; e neste blogueiro que vos transmite esse conhecimento como um mero escriba desejoso de ajudar esses tantos e tantos amantes vespertinos, venturosos em sua alegria mas eternamente condenados pela culpa e pelo medo.

1 – Ela quer ficar sozinha

Foram anos de casamento em que vossa senhoria e vossa consorte padeceram um do outro. Não falo aqui daqueles dias em que se está apaixonado, porque nesses tudo é agradável. Falo dos outros, daqueles momentos em que preferiríeis ver o cão na sua frente a tolerar a mulher com quem se casou. Essa é a parte realmente ruim do casamento: os dias em que vocês não estão apaixonados. Os dias em que se sequer se amam, em que mágoas acumuladas durante os anos de consórcio conjugal borbulham esperando uma chance de transbordar.

Durante todos esses dias a sua mulher ficou no seu pé, às vezes lhe tirando a paciência com suas miudezas, com coisas desimportantes que acabavam lhe irritando. Tudo aquilo em que pensáveis era sempre mais importante do que as miçangas que ocupavam a mente de sua esposa.

É essa mulher que de repente não precisa mais de vossa senhoria, que quer ficar sozinha. Mau sinal.

Por que vossa senhora gostaria de ficar sozinha, assim, sem razão? Pensai com vossos botões, senhor; e enumerai as razões que sei que vais enumerar, e às quais me antecipo aqui: vossa senhora não sabe fazer nada sozinha; precisa de vós para tudo; faz parte da natureza feminina essa tendência à chateação, à solidão a dois.

Isso mostra apenas quão pouco vossa senhoria conhece a mulher com quem dividis a cama, e que agora emprestais a outro cidadão.

No entanto, mais importante do que isso é a outra novidade em vossa vida: no pouco tempo que passais juntos, ela vos cobre de carinhos e atenções, e é a mulher atenciosa dos tempos em que a vida em comum à frente parecia uma autobahn alemã, e não a picada de piçarra esburacada entre Capim Grosso e Santa Brígida que acabou se revelando.

Se fosses mais atento, vossa senhoria perceberia que essa necessidade súbita de solidão e os momentos de carinho intenso são duas faces do mesmo sintoma.

Esse sintoma se manifesta da seguinte forma: digamos que ela tem umas quatro horas livres por dia, quatro horas que poderia passar ao lado de vossa senhoria. Durante meia hora ela o cobre de atenção, de mimos, para que possa passar mais tempo pensando no homem que realmente faz o seu coração bater mais rápido.

Nos tempos modernos, e é isso que nos interessa aqui, essas horas em que ela se vê impossibilitada de cair nos braços do homem que a faz suar não é mais gasto apenas em devaneios e lembranças: depois que inventaram a internet, o contato pode ser mais constante, contínuo. Então as juras de amor que deveriam ser para o senhor, e que foram um dia; as idéias para novos prazeres, que o senhor já não é capaz de oferecer; tudo isso agora tem novo destinatário. Esquecei toda a conversa sobre informação, novos horizontes, educação: a Internet foi feita unicamente para aplacar um pouco a saudade que queima o peito dos amantes clandestinos.

Não quero ser cruel, caro senhor, mas imaginai as coisas que são ditas pelas teclas do computador em vossa sala, ou quarto. Imaginai as juras de amor; mais que isso, imaginai as pequenas e grandes coisas que ela sonha fazer com outro homem que não vossa senhoria. Imaginai suas coxas se contorcendo enquanto ela sorri para o computador: e imaginai também que nada disso, meu senhor, é por vossa causa.

Os dois sintomas sempre vêm juntos, mas o senhor é incapaz de perceber. O que vos incomoda é o fato de que ela aparentemente não precisa mais de vossa senhoria; entretanto, ao outro sintoma vos acostumais rápido, chegais a julgar como algo natural, porque é assim que as coisas devem ser. Pobre de vós e de vossa fronha.

2 – Ela se torna mais tolerante com vossa senhoria

Foram anos em que ela reclamou do jornal largado ao lado do sofá, da toalha molhada sobre a cama, da saída com os amigos no sábado à tarde, do futebol no final do domingo.

A tudo isso, a todos os resmungos, a todas as queixas, vossa senhoria já tínheis se acostumado com um suspiro. Suspiros parecem ser uma constante na vida de homens casados. Para vossa senhoria, isso era apenas parte daquele complexo sistema de compensações que torna viável qualquer casamento.

Mas de uns tempos para cá as coisas parecem ter melhorado. Ela finalmente entendeu que vossa senhoria é um homem ocupado, um provedor que precisa cumprir horários. Compreendeu que vida tão estressante requer uma válvula de escape, uma imersão no mundo masculino da qual ela deveria se sentir grata por ser excluída. Compreendeu que o mundo masculino é cheio de exigências, e que deveria haver uma divisão natural do trabalho em que cuidar da toalha molhada e jogar o jornal no lixo deveria ser tarefa exclusiva da mulher que vossa senhoria tem em casa.

Ela compreendeu. Quem não compreende é vossa senhoria.

Não entendeis que o sistema de compensações continua o mesmo; só mudaram os objetos. Agora, sua tolerância é maior porque o que ela precisa compensar é também maior: são as aspas que crescem lassas em sua testa.

Acredite ou não, ela ainda ama o senhor. E daí que ande fazendo o indizível com outro homem? Só isso não faz com o amor acabe — quando menos porque depois de tantos anos essa vida medíocre que ela vem levando tem que parecer ter valido a pena. Queirais ou não, ainda sois o homem com quem ela dividiu a existência durante tantos anos. Por mais extáticos que sejam os momentos que vossa mulher passa sob outro homem, sois vós ainda seu grande referencial de vida. É por tudo isso que ela tenta vos compensar, e só o senhor não percebe.

E esse é talvez o melhor de todos os sintomas. Esquecei a galhada frondosa que ora lhe orna a fronte: vossa vida agora está melhor do que antes. Tendes de volta a mulher doce, compreensiva, adorável, por quem vos apaixonastes. Portanto pensai, caro senhor: melhor dividir os bônus do casamento do que arcar sozinho com os ônus.

3 – Sexo no piloto automático

É provável, é mais que provável que vossa senhoria se ache uma máquina de fazer sexo. Vossos cinco minutos são o máximo a que uma mulher com juízo pode querer na sua vida. Nisso não estais só, feliz ou infelizmente. Mas não é de outros homens que trato aqui, é da queda de vossa senhoria.

Mas para que não fique aqui a impressão de que apenas os pouco inclinados para os embates gozosos são embaídos, é forçoso levantar uma consideração simples, antes de avançarmos por esta seara: faça vossa senhoria o que fizer, o amante de vossa mulher faz melhor. Por favor, não vire o rosto: o sujeito que, talvez até neste exato momento, está comendo a sua mulher é melhor de cama que vossa senhoria. Pelo simples fato de não ser vossa senhoria.

Sejamos honestos: depois de, digamos, sete anos de casamento, vossa vida sexual não tem mais graça. Vossa senhoria já conhece a mulher com quem há tantos anos resolveu dividir o lar. Se vos restar ainda certo interesse, vossa senhoria já conhece os atalhos para algo que quase se assemelha a um orgasmo, daqueles fraquinhos, daqueles que melhor seriam chamados por “missão porcamente cumprida”.

Mas se não lhe resta nem essa faísca de interesse, se o que sobrou de um grande amor cheio de adjetivos foi o tédio puro e simples, então nem isso: uma trepadinha burocrática de cinco em cinco dias, quando muito — menos ainda se o trabalho passa por uma daquelas temporadas em que exige tudo de vossa senhoria. Não tendes mais ganas de deixar vosso rosto encharcado dela, aproveitais o ciclo lunar para um merecido (em vosso entender, ao menos) descanso. Amanhã precisais trabalhar.

É compreensível que depois de alguns lustros tenhais esquecido dos tempos em que trabalháveis 16 horas por dia e mesmo assim não perdíeis o almoço executivo do motel, conciliando tempo e amor quando possível; e chegáveis no trabalho com o cabelo molhado e dizíeis ter ido cochilar em casa. Vossa senhoria talvez tenhais até esquecido dos tempos em que dormia cinco horas por dia porque uma mulher apaixonada sentia urgência de vosso corpo, de vosso cheiro. Tínheis tempo para tudo: porque tudo era novo, e há no homem algo que o impele a explorar, e a gostar de suas descobertas enquanto elas são novas.

Mas esse tempo passou e vossa senhoria, sinto ter que dizer, não é mais o mesmo.

Podeis me chamar de machista, se quiserdes, e talvez eu seja mesmo: mas se vossa senhoria comesse decentemente a sua mulher, nada disso aconteceria. Simples assim. Não há senhora que freqüente as tardes de motéis de preço módico — amores clandestinos são também amores dispendiosos — que não reclame de pelo menos um desses dois aspectos em relação ao bom cumprimento dos vossos deveres conjugais: freqüência ou qualidade. E quantas camas de motel já ouviram desabafos desse tipo, relutantes a princípio, e finalmente francos, abertos?

Não vos indignai comigo, não ainda. Em vossa defesa, posso dizer que me parece tarefa árdua demais que, após uns 15 anos, olhar a celulite de vossa esposa e acordar diante do seu mau humor consiga ainda evocar desejos intensos, que consiga mais que um suspiro conformado com a sina que vos parece irremediável. Além disso, do mesmo mal que acomete vossa senhoria padece vossa consorte. Ela também já não vê tanta graça no senhor.

O fato é que, independente das qualidades intrínsecas de vossa senhoria, o amante de sua mulher a come melhor que o senhor. Conformai-vos. Mas se serve de consolo para um homem que, como vós, se vê roubado no que tem de mais importante, sabei agora que sois também o instrumento de vingança, e que a revindita corre célere.

Depois de uma tarde com o seu novo homem, amor tanto mais grandioso quanto efêmero; depois de gritar e gemer e perder o fôlego e redescobrir o paraíso; depois de o ter dentro de si e por instantes não querer jamais que ele saia dela; depois de o sentir cansado sobre o seu corpo, e sentir ser ela a causa desse cansaço sorridente; depois de tudo isso, meu dileto senhor, é convosco que eventualmente ela precisa deitar.

E por isso, meu senhor, não poderia haver maior vingança. Ainda que não vos tenha causado dor ela vos tirou algo importante; é nesse momento que ela terá que pagar o pecado do adultério. Vossa senhoria poderíeis até rir, se a ignorância não lhe cobrisse os olhos.

Por ser usada por vossa senhoria ela se sentirá suja, indigna; não saberá a quem está traindo. Ela chega em casa ainda fresca do amor, ainda com o gosto do seu homem em sua boca; e então é obrigada a conspurcar a beleza que viveu, com o vosso corpo suado. Sem saber, cometereis uma violação, terás machucado aquela que vos tirou o que, julgais, é vosso. E inocente, sem culpa, tereis se vingado do que ela vos fez; nesse momento a confusão de sentimentos, em que amor, desejo e lealdade se confundem, faz a sua primeira vítima. Conspurcar, indignar, violar: são esses os verbos que constituem vossa vingança. É a isso que sois reduzido, mas em vossa degradação vossa senhoria também a degrada.

E aí tendes o vosso casamento: um sistema de compensações em que as mágoas não precisam ser conhecidas para causarem dor em alguém.

***

Aqui termina este pequeno guia. Que tenha servido de alerta para homens e mulheres. Há pelo menos mais três itens que deveriam ser incluídos, como o fato de ela de repente querer ficar mais bonita; mas chega, por enquanto. Tampouco caberia aqui o ponto de vista do amante, caído de amores ou, como sói acontecer mais comumente, leviano. Fica apenas um último pedido: por favor, não se importem com o uso da segunda do plural, nem com os erros de ortografia resultantes da falta de familiaridade. Ele era necessário: não é porque a mulher de um homem diz ai em outros ouvidos que podemos ter essa intimidade paternal com ele, como se tem com o porteiro que recebe uma gorjeta no Natal. Eles podem sem traídos e vilipendiados, mas ainda assim não merecem ser chamados de cornos.

Republicado em 08 de agosto de 2010

O menor pênis do mundo

Ah, não.

Esse eu tenho que publicar agora, porque é domingo de manhã e eu estou acordado, porque está chovendo, porque estou sem um puto no bolso, porque ainda não sei quem vai pagar meu almoço e porque preciso rir de alguma forma.

O nome do sujeito é Gorge e ele não gostou da coletânea das ocorrências de pinto pequeno no Google:

Vc deve ser um preto sujo ….seu merda… deve ter o menor penis do mundo e alem disso deve ser virgen…mlk vc n tem criatividade pra criar sites de outros generos seu PEDERASTA..Emofilico .. Cabaço mesmo ne…

Eu poderia ser um preto sujo sem problemas, embora, como se sabe em Aju City, eu prefira pretas limpinhas. Sou virgem, sim, porque mamãe disse que essas coisas só depois de casar. Não tenho criatividade para criar outros sites, por isso me atraquei aqui com este blog. Não sou hemofílico nem pederasta, mas nada disso seria problema para mim.

Agora, de uma coisa eu tenho certeza. Pela revolta indignada do Gorge, por toda essa raiva que o fez digitar essas coisas sem perceber que estava confessando detalhes de sua anatomia mesquinha e o que o trouxe a este blog, ainda que eu quisesse e ainda que não tivesse problemas com isso (e eu teria, meu filho, tu não sabes o quanto) eu não poderia ter o menor pênis do mundo porque esse já tem dono.

Uma pequena piadinha pseudo-feminista

Houve, há alguns anos, um importante Congresso Feminista. Com maiúsculas e tudo.

Foi realizado em Genebra, o lugar onde as grandes discussões pela paz mundial são realizadas. As participantes saíram de lá com uma firme resolução: elas voltariam para seus países e comunicariam a seus companheiros que, a partir daquele dia, eles iriam fazer os seus cafés da manhã. Seria o primeiro passo de uma revolução importante nas relações entre os sexos. E elas combinaram que, no ano seguinte, voltariam para contar suas experiências e, enquanto se chamavam mutuamente de adjetivos laudatórios, definir novas estratégias de ação.

No ano seguinte estavam todas lá.

— Bem, como acertamos no ano passado, hoje vamos começar com a nossa amiga Mary Jane, de Winsconsin, Estados Unidos. Por favor, companheira Mary, a palavra é sua.

— Companheiras, no ano passado, quando cheguei em casa, eu dizer ao Jack: “Jack, a partir de hoje você vai fazer os seus scrambled eggs”.

— E o que aconteceu?

— Bem, no primeira dia eu não verr nada. No segundo, eu também não verr nada. No terceira, eu cheguei em casa e lá estava o Jack, fazendo os seus ovos com bacon…

Aplausos ensurdecedores. “Linda, linda, linda!”

— Agora, vamos chamar para dar seu testemunho de luta feminista a companheira Frida, de Berlim, na Alemanha.

— Meus amigas. Na ano passada, quando eu sair da congrresso, eu chegar em Berlim e dizer parra Hans: “Hans, a partir de agorra focê fazer o sua chucrute”.

— E aí?

— Bem, na primeiro dia eu non fer nada. Na segundo dia, eu também non fer nada. Na terceiro dia, eu chegar em casa e o Hans estar lá, fazendo o sua salsichón.

E a mulherada veio abaixo: “Linda! Poderosa!”

— Agora, minhas amigas, vamos convidar a Severina, direto de Crateús, Ceará!

— Ói, ano passado, quando eu cheguei lá em Crateús, eu disse pro Zé: “Zé, a partir de hoje é você quem vai fazer o seu baião de dois”.

— E então?

— Bem, no primeiro dia eu não vi nada. No segundo, eu também não vi nada. No terceiro os óio começaram a desinchar um pouquinho e eu já conseguia ver umas sombra, lá longe…