Mais leis absurdas

Falando nisso, lembrei agora de um projeto ainda mais bizarro.

Um deputado por um desses cus-de-mundo resolveu, em 99, se não me engano, regulamentar a profissão de escritor.

Típico da tradiçao bacharelista brasileira, é uma das coisas mais bisonhas que já vi. O que caracteriza um escritor? Eu escrevo este blog — isso faz de mim um escritor? Raduan Nassar não publica nada desde os anos 70; ele não é escritor.

A idiotice é um valor que grassa livremente na Câmara dos Deputados.

Ainda o Aldo

Sei que parece implicância ou perseguição ao Aldo Rebelo. Mas não é.

Para todos os efeitos, o Aldo foi sempre um grande deputado. Suas posições sempre foram coerentes (e mesmo agora, com a mudança de posicionamento dos partidos de esquerda para posições perfeitamente endossadas pela revista Exame e pelo FMI, ele mantém sua coerência partidária).

Mas poucas coisas me irritam mais que aquele projeto de lei do Aldo banindo o uso de expressões estrangeiras (estrangeiras uma ova, é só inglês, mesmo) do cotidiano brasileiro. Tudo bem que o tempo passou, ela se perdeu como aquelas besteiras que falamos em dias pouco inspirados, mas continuo irritado.

É o tipo de lei absurda. Parece falta do que fazer.

Em tempos de Internet, é praticamente impossível controlar o jeito como as pessoas se comunicam. Não tem lei que obrigue um povo a deixar de adotar um termo de que ele gosta. And I demand the right to speak as I fancy.

Além disso, a própria língua portuguesa é o resultado de séculos de miscigenação, de concubinato com outras línguas. Do latim vulgar à profunda influência árabe, da mistura com o tupi e o ioruba à aquisição de vocábulos franceses, a língua é sempre um organismo vivo e em constante mutação. Tentar controlar isso através de lei é, simplesmente, burrice.

Eu até concordo com ele quanto ao exagero. Alguns são irritantes, principalmente a mania que aquele povo da Barra da Tijuca tem de achar que mora na caipirolândia perdão, Miami; ou aqueles paulistas que falam “printar”. Mas é natural: um povo sempre tenta absorver os costumes dde um que julga mais avançado tecnologicamente. Isso aconteceu com o inglês: os anglo-saxões, dominados pelos normandos, acabaram adotando muitas palavras deles. O resultado é que ainda hoje o inglês tem mais de 50% de seus vocábulos de origem latina.

E no fim das contas, tudo se ajeita. Em inglês, mouse é rato e aquele “dispositivo apontador” de computadores. No Brasil, mouse é o nome próprio daquele dispositivo, só isso. Não acho que a língua tenha ficado empobrecida por isso. Pelo contrário. Agora temos duas palavras para designar duas coisas diferentes. Pobres dos americanos e ingleses, que só têm uma para as mesmas duas coisas.

Por essas razões, a lei do Aldo Rebelo poderia ser apenas uma brincadeirinha engraçada. Acontece que isso é feito com o meu, o seu, o nosso dinheiro. O legislativo é lugar para coisas sérias, não para tentativas bizarras de deter a globalização no plano cultural depois que a guerra foi perdida no campo econômico.

O Aldo Rebelo do Faubourg Saint Germain

A França acaba de fazer um novo ataque em sua luta quixotesca (ou dantesca?) contra o vernáculo da velha Albion.

O Ministério da Cultura acaba de banir o termo e-mail (e seu primo inglês, email, presume-se). Quer subsitituí-lo (e diz que está conseguindo) por courriel, uma junção de courrier electronique (bidu: correiô eletronicô em francês).

Que grande perda de tempo.

A notícia completa está aqui.

Como se livrar do spam

Parece que ultimamente começou uma guerra santa contra o spam. John C. Dvorak, por exemplo, assinou recentemente uma coluna na PC Magazine americana dando sugestões taxativas e radicais sobre como resolver esse problema. Tem-se a impressão de que o problema atinge a todo mundo.

Mas daqui eu levanto a voz para dizer: “Quase todo mundo”.

Eu não tenho problemas com spam. Não que nunca tenha tido: já perdi algumas contas para ele, porque nos primeiros tempos eu era, digamos, meio ingênuo com essas coisas de e-mail.

Mas acabei desenvolvendo um sistema útil e bastante simples. Bastam um pouco de tempo e de trabalho.

Criar uma conta de e-mail é a coisa mais fácil do mundo. Aliás, é tão fácil que os spammers se utilizam disso para infernizar a vida do usuário. Mas eles podem funcionar a favor das pessoas, também. Eu faço assim:

1 – Alguns sites exigem que você se registre para poder utilizá-los. Não oferecem nada que interesse em troca, e para eles uso uma das contas que perdi, uma daquelas que parecem mais uma muçulmana na Guerra da Bósnia (todo mundo enfia o que quer nela). Eu nunca checo esse e-mail; portanto, eles podem mandar os spams que quiserem. É problema deles (e do provedor, que não oferece maneiras decentes de controlar o spam em nível de servidor). Uma alternativa a esse procedimento é usar também uma conta no Hotmail: basta configurar o danado no nível de segurança máxima, em que você só recebe e-mails de endereços cadastrados. Você nem imaginará que existe spam.

2 – Para receber newsletters (e eu recebo muitas, diariamente), uso outra conta. É esse também o e-mail que dou para gente que não conheço direito, ou que pode me incluir em um aqueles intermináveis CC:, procurados por spammers para garimpar endereços válidos. É uma conta que eventualmente pode ser trocada, caso algo saia de controle e eu seja incluído numa dessas listas assassinas. Um detalhe: se você for assinar qualquer coisa na Internet, desmarque as opções em que gentilmente se oferecem para lhe enviar informações da empresa, ofertas ou “parceiros”. Se você deixar, em alguns meses sua conta será praticamente inutilizada.

3 – Finalmente vem o meu e-mail pessoal. Esse nunca muda. Não é muita gente que tem esse endereço: basicamente amigos, família e gente que trabalha, de uma forma ou outra, comigo. Quem tem esse endereço sabe que ele jamais deverá ser incluído em qualquer CC:.

Claro que esse sistema não é à prova de spam; até mesmo parte do princípio de que uma das contas será violentamente atacada. Mas é uma forma simples que torna a minha vida bem mais simples. É o que interessa.

Casablanca

Eu gosto de cinema. Gosto muito.

Mas acho que gosto mais ainda de “Casablanca”.

“Casablanca” nunca liderou aquela lista inglesa de 10 melhores filmes da história (en passant, essa lista foi encabeçada por “Encouraçado Potemkim” até 1961, e depois disso por “Cidadão Kane”). Ele é, acima de tudo, um exemplo da maestria no artesanato própria de Hollywood nos anos 30 e 40.

A produção foi complicada. Ronald Reagan tentou conseguir o papel de Rick Blaine. O filme foi sendo escrito à medida que ia sendo gravado. Os diálogos foram refeitos inúmeras vezes.

O resultado, por mais caótica que tenha sido sua produção, é um dos filmes mais idolatrados da história. Provavelmente porque, acima de tudo, “Casablanca” é um filme de roteiristas. Tudo bem que o diretor Michael Curtiz é ótimo, que os atores (Bogart, Ingrid Bergman, Claude Rains, Peter Lorre e até mesmo Paul Henreid) são ótimos — mas o que conta mesmo neste filme são os diálogos e o enredo. Com exceção de Shakespeare e da Bíblia, nada é tão citado no cinema quanto Casablanca. We’ll always have Paris, Round up the usual suspects, Here’s looking at you, kid, Play it, Sam, e tantas outras, são frases que fazem parte do imaginário cinematográfico. As cenas finais ficariam implausíveis em qualquer outro filme, mas em “Casablanca” são críveis e as únicas possíveis. De que interessam os problemas de três pessoas em um mundo louco sob sua maior crise mundial? Aquele diálogo é clássico, e é brilhante.

Mesmo atores que fazem papéis pequenos, como Peter Lorre e seu Ugarte, têm participações definitivas no filme. A cena em que Lorre pergunta a Bogart se ele o despreza (“Se eu pensasse em você, provavelmente desprezaria” é a resposta) é uma das melhores da história do cinema. E provavelmente a minha preferida.

O que faz de “Casablanca” um clássico é o brilho como a trama é conduzida. Todas as cartas estão na mesa, todos sabem qual o próximo movimento, mas ninguém pode fazer nada para impedir o curso da história, num determinismo quase marxista. Não há mistério nas situações. Há suspense apenas nos rumos que os corações dos principais personagens seguirão.

São todos personagens em conflito. Rick é um homem amargurado pela perda de seu grande amor, e que voltou as costas aos seus ideais. Ilsa é uma mulher dividida entre o seu dever — e a admiração platônica por um grande homem — e a grande paixão de sua vida. Renault é um hedonista corrupto que tenta tirar o maior proveito possível de uma guerra que lhe importa pouco, embora se possa suspeitar que embaixo de todo aquele cinismo haja ainda o velho orgulho francês.

São esses personagens que encontram sua redenção em Casablanca. Antes que o filme acabe, Rick tem de volta seus ideais e a lembrança de uma atitude altruísta e nobre. Ilsa descobre o seu lugar no mundo, e sabe que sempre terá Paris para se lembrar, quando olhar para o lado e vir aquele chato do Laszlo roncando. Laszlo, provavelmente, será mais tarde um burocrata tcheco e um dos responsáveis pela repressão à Primavera de Praga. Renault, na que eu considero a decisão mais difícil de todo o filme, abdica de sua vida boa em Casablanca para honrar seu coração gaulês e entrar na Resistência. E Ugarte… Bem, Ugarte continua morto.

“Casablanca” é um filme de amor, claro, e é assim que ele é visto em primeiro lugar. Mas, para mim, é principalmente um filme sobre redenção, sobre um acerto de contas com o passado e a definição de novas perspectivas para o futuro.

É isso que faz de Casablanca um grande filme, algo mágico. Ao contrário de clássicos como “Outubro”, de Eisenstein, em que é muito fácil explicar as razões pelas quais os admiramos, “Casablanca” requer um pouco mais que isso. Mas quem disse que é fácil explicar por que você se apaixonou por determinada pessoa?

E o ídolo tinha pés de barro…

Confesso: sempre fui fã de Steve Jobs.

O sujeito é um gênio. Não só por ter inventado o Macintosh, mas principalmente por tê-lo reinventado.

Veja o primeiro iMac. É um computador vagabundo, mas tem o toque de Midas do sujeito: ele percebeu que computadores pessoais estavam se tornando commodity e resolveu adicionar valor a eles, tornando-os peça de design.

(A propósito, eu nunca achei o primeiro iMac tão bonito assim. Transparente demais.)

O resto é só conseqüência. A segunda geração de iMacs são os computadores mais bonitos que já vi na vida – e duvido que haja algum mais bonito, mais elegante num futuro próximo ou distante.

Nada disso, entretanto, impediu que a Apple fosse perdendo market share. A razão é simples: um PC faz tudo o que um Apple faz, por metade do preço.

Mas parece o meu ídolo anda fazendo umas bobagens. Está transformando o Macintosh num gueto. Foi graças aos programas da Adobe – Photoshop, Illustrator, PageMaker e InDesign, Premiere – que a Apple conseguiu vender computadores quando o Windows dominava 90% do mercado: sobrevivendo em nichos como o educacional (nos Estados Unidos), o desktop publishing e a edição de vídeo.

Só que ele deu pra fazer seus próprios programas. Dizem que o browser da Apple, o Safari, é brilhante; e o Final Cut, para edição de vídeo, também. Acontece que com este último ele acabou comprando briga com a Adobe, que perdeu o mercado do Macintosh (tudo bem, é apenas 2% do mercado total, mas 25% do mercado da Adobe).

Na minha terra (que é a mesma do Ancelmo Góis), quando a gente está perdendo espaço a última coisa a fazer é se isolar.

10 anos de Wired

Hoje ela não é nada mais que uma revista chata sobre uma indústria previsível e repetitiva. Mas há pouco mais de 30 anos, a Rolling Stone representou um marco na imprensa. Foi a revista que percebeu que uma revolução estava acontecendo, e embarcou imediatamente nela.

É esse o segredo. A Rolling Stone não era uma revista sobre música. Era sobre comportamento. Revistas de música já existiam aos montes, mas a RS era a primeira que via tudo sob o ponto de vista daquela geração que estava transformando os costumes do mundo inteiro. E como influenciou gente. A entrevista de John Lennon dada à revista, no início dos anos 70, é a mais importante de toda a história dos Beatles, como qualquer fã sabe. A Rolling Stone teve sua época

(Parêntesis: nos anos 80 ela já era uma revista estupidamente mainstream. Mas mesmo então deu ao mundo uma das campanhas publicitárias mais brilhantes da década, em que apontava sua transformação e pedia mais carinho (tá, carinho não, o velho e bom dinheiro dos anunciantes, por mais establishment que fossem.)

Demoraria até o início da década de 90 para que outra revista tivesse o mesmo impacto sobre a sociedade. É difícil. Primeiro, é preciso que uma revolução de costumes esteja ocorrendo. Segundo, alguém tem que perceber isso, rapidamente. E, terceiro, o resultado disso deve ser uma revista que atraia a atenção do mundo.

Isso só ocorreria novamente com a Wired. Lançada em 93, a Wired percebeu, antes de todo mundo, que todas aquelas transformações relacionadas ao computador eram, acima de tudo, uma nova revolução de costumes, e que havia um público que queria não apenas ver os seus objetos de adoração nas páginas de uma revista, mas, acima de tudo, queria ver a si mesmos.

Quase imediatamente a Wired virou a bíblia daquele pessoal que estava antenado com o que acontecia, gente que olhava para o Silicon Valley para saber em que direção o vento estava soprando. Não apenas geeks, mas gente que sentia, intuitivamente, em que direção o vento estava soprando.

Mas o que me impressiona é que ela está fazendo 10 anos, e ainda não apareceu nada mais “up to date” do que ela. Nenhuma revolução à vista?

Netscape, R.I.P

A AOL acabou de anunciar que está enterrando o Netscape.

Esse browser foi meu companheiro desde que comecei a acessar a Internet. Não consigo imaginar uma página da Web que não seja emoldurada por esse programa.

Obviamente, com o tempo virou um programa tão ruim que durante pouco menos de dois anos — entre 2000 e 2001 — fui forçado a usar o Internet Explorer, por absoluta falta de opção. É irracional: simplesmente tenho uma antipatia terrível por aquele browser. Por sorte a Netscape lançou a versão 7 do seu browser, que voltou a ser bem superior ao Internet Explorer (até por ser basicamente o Mozilla com o logo da Netscape). Mas agora o sonho acabou.

Droga. Vou ter que passar pro Mozilla. Eu não uso por outra razão irracional: eu detesto aquele ícone; o do Netscape é esteticamente bem melhor. Mas, infelizmente, cedo ou tarde serei obrigado a admitir que frescura tem limite. Mozilla, aqui vou eu.