Yeah, yeah, yeah

Ouço Beatles há tanto tempo, li tanto sobre eles que é quase como se fizessem parte da minha vida. Hoje, velhinho, a coisa está mais tranqüila; mas durante anos fui beatlemaníaco de carteirinha, do tipo que comprava revista só porque aparecia uma nota sobre McCartney. Um amigo dizia que eu sabia a cor da cueca que McCartney estava usando ao gravar Let it Be, e ele não estava muito longe da verdade.

Depois de tanto tempo ficam poucas questões a serem resolvidas. Como o meu exemplar de “O Ser e o Nada” está ali na estante, intocado, essas são as únicas questões metafísicas que tomam o meu tempo:

1 – Por que os Beatles fizeram tanto sucesso?
2 – Quem era o líder dos Beatles?
3 – Por que os Beatles terminaram?

Tá, são perguntas que não vão mudar o mundo, mas e daí? Tem gente que prefere saber o que vai acontecer no capítulo de amanhã da novela das 8.

Os anos 80

Durante muito tempo, eu fiquei imaginando que tinha nascido na época errada.

Minha adolescência foi cometida nos anos 80. E nenhuma década foi tão esquisita quanto aquela.

Nada acontecia. Era tudo simples, tudo comum, tudo velho. A revolução sexual sido aproveitada nos anos 70 e começado nos 60. A explosão do rock and roll, o ápice daquela atitude “jamesdeaniana” datava dos anos 50. A geração beat, a sensação de estar reconstruindo o mundo pertencia aos anos 40. Os hobos americanos tinham desaparecido com os anos 30. Os roaring twenties eram história.

Os anos 80 foram ruins, e como foram. Basta imaginar que os ícones da moda daquela época eram aqueles protagonistas de “Miami Vice”, misturas de cafetão com traficante. A moda era ruim (blazers com as mangas dobradas? Saias balonê? Calça verde-limão com camisa rosa-choque?). A música era ruim (a lista é gigantesca, mas basta citar Dr. Silvana, Spandau Ballet, Inimigos do Rei, Toto…); é curioso que gente que havia virado o mundo de cabeça para baixo tenha feito praticamente só discos ruins naquela década, como os Stones, Who, Dylan. O vazio era tão grande que, para tentar preenchê-lo, fizeram revivals dos anos 50 e 60; mesmo filtrados pelos anos e pela estética da época, eram infinitamente melhores.

Eu não gostava de praticamente nada daquela época, e cheguei a pensar que o problema era comigo. Mas hoje, depois que o mundo voltou a entrar em processo de ebulição (fim da experiência socialista, revolução da internet), eu percebo que tinha, sim, razão: os anos 80 foram uma década de merda.

Como ajudar

Fazendo compras no InfoCentro.

A moça de um stand, sem que eu tenha feito sequer menção de parar, pergunta, ansiosa para vender alguma coisa: “Posso ajudar?”

Definitivamente, isso me irrita.

Chego a abrir a boca para responder com uma malcriação:

“Pode. Me pague um boquete.”

Ainda bem que mamãe me deu educação e me ensinou a controlar a língua.

Disney’s Robin Hood

Durante muito tempo eu quis ver o “Robin Hood” da Disney.

Na verdade, eu sou fã de longas animados. Principalmente os da Disney. Quando criança vi alguns no cinema, como “A Bela Adormecida”, “Cinderela” e pelo menos um do Mickey. Antes do vídeo-cassete, a Disney costumava reprisar cada filme seu de 7 em 7 anos.

Mas não tinha visto “Robin Hood”. E morria de vontade de assistir; convenhamos que para um menino de seus 8 anos Robin Hood, aventureiro, rebelde, é muito mais interessante que Aurora dançando com passarinhos.

Só consegui ver agora. E que decepção.

O filme, de 73, é ruim de doer. É nitidamente inferior aos grandes filmes da Disney, quando ainda supervisionados por Walt. Para começar, resolveram dar uma atmosfera country, com aquela música horrível de jeca em vez daquelas canções típicas da Broadway (e que nos bons tempos tinham versões de João de Barro no Brasil). A animação é ruim. Há vários elementos típicos dos desenhos da Hanna-Barbera e de DePattie e Freleng (que funcionam na TV, mas não no cinema). É o primeiro exemplo de animais fazendo o papel de humanos de toda a história da Disney; não entenderam a lição do velho Walt: a de que bichos podem falar, mas devem ser sempre bichos. E é típico dos anos 70 — cá para nós, uma decadazinha em que a mediocridade abundou.

Naquela época a Disney ainda não tinha se recuperado da morte de Walt. Demoraria até o início dos anos 90 para eles voltarem a fazer algo que prestasse.

Clube do Mickey

No final dos anos 70 a TV Tupi exibia o “Clube do Mickey”, às 6 da tarde dos dias de semana. Qualquer americano sabe o que é, mas não sei se ele já tinha sido exibido antes no Brasil. O programa passava desenhos animados entre outros quadros, e era apresentado por uma garotada bem interessante, os típicos all american kids.

Eu, na época, queria ter um daqueles chapéus dos mouseketeers e era apaixonado pela Mindy — que não era a mais bonita, mas era a mais jovem; imaginei que teria mais chances com ela. Eu era bem pragmático.

Em 1980 a Tupi acabou, o “Clube do Mickey” também e só ficaram as lembranças.

Em 1991, descobri que tudo aquilo de que gostava no “Clube do Mickey” — e na “Disneylândia” — datava da década de 50 (onde descobri isso? Num textinho sobre a indicação de Walt Disney ao Hall of Fame do New York Art Director’s Club; anuários de propaganda não servem apenas para publicitários preguiçosos chuparem suas idéias, são cultura também). E de tudo aquilo que li, deduzi que aquele era um programa de 1955.

Foi um choque grande, e uma das primeiras vezes em que senti em sua plenitude nociva os efeitos possíveis da passagem do tempo.

Quer dizer então que eu tinha me apaixonado por uma mulher que, àquela altura, já estava beirando os 40? Que aquelas mulheres provavelmente tinham filhos da minha idade? Fiquei imaginando o que elas seriam, naquele momento em que eu estava sonhava com o que elas tinham sido 20 anos antes. Imaginei como passaram pelos anos 60, o que não tinham tido que enfrentar naquele hiato de mais de 20 anos. Quantas tinham sobrevivido aos excessos dos anos 60, o excesso de drogas, os tantos amores mal-sucedidos, quantas se sujeitaram a tudo para subir em Hollywood, quantas tinham passado por divórcios traumáticos, quantas eram felizes e levavam vidas satisfatórias. Havia uma certa melancolia em tudo isso. Uma sensação de perda da inocência, um revolta contra o tempo que destruía algo que parecia — e de certa forma era, e tinha que ser — eterno.

Naquele momento, percebi que aquelas crianças e adolescentes que eu via não eram nada daquilo. Em 1979 tudo tinha mudado para elas; eu via apenas um reflexo com 25 anos de atraso, e isso era injusto comigo e talvez com elas. Acho que, no fundo, me senti ludibriado, como se tivessem me oferecido algo que não podiam me dar. Anos 50? Eles não tinham esse direito.

Bem, a verdade é que gastei imaginação à toa.

No final da década de 90, com a chegada da internet, descobri que estava enganado. Aquele “Clube do Mickey” que eu tinha assistido não era o original dos anos 50. Era um remake feito a partir de 1977, chamado The New Mickey Mouse Club. A Mindy, em 1979, tinha 11 anos. 3 anos de diferença era algo que ela podia aceitar. E eu nunca fui lá de ter preconceitos.

Às vésperas de completar 30 anos, eu estava feliz porque tinha voltado a ter uma chance com a Mindy.

Elio Gaspari, o Governo Federal e o Linux

Esta é a coluna do Elio Gaspari deste domingo. É brilhante, e comento depois.

Copiei aqui porque seria impossível fazer um link para ela.

Saudades do PT que ousa e faz
Há o PT-Federal, que tritura, tributa e tunga, mas ainda há o velho e bom Partido dos Trabalhadores, capaz de tomar iniciativas administrativas audaciosas e de produzir êxitos sociais.
Desde janeiro, quando tomou posse, o governo de Lula vai devagar, quase parando na controvérsia em torno do uso de programas livres para os computadores da rede da Viúva.
Trata-se de uma discussão chata, freqüentemente incompreensível. No Brasil, nove em dez computadores funcionam com o sistema operacional Windows e quase todos trabalham com o programa Office para textos e cálculos. Os dois são da Microsoft, de Bill Gates.
Contra eles há os chamados programas abertos. Grosseiramente, a operação de um terminal com programas abertos custa cinco vezes menos que outro, nas mãos da Microsoft. Numa grande empresa, um terminal com programas de Bill Gates custa entre R$ 500 e R$ 1 mil por ano.
A encrenca começou em 1991 quando um garoto finlandês, Linus Torvalds, convidou micreiros de todo o mundo para montar um sistema aberto, livre, às vezes grátis, sempre barato. Chamou-se Linux e hoje tem a IBM a ajudá-lo.
A Microsoft personifica a gordura em algumas empresas que querem cortar custos. O Metrô do Rio e a Telemar já trabalham com Linux. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostrou que os número de empresas com programas livres em seus terminais passou de 8% para 12%.
O governo de Lula prometeu que vai tirar da Microsoft o monopólio do acesso aos serviços da Receita Federal. É pouco. O governo petista pode usar o seu poder de compra, de propaganda e de persuasão para estimular os brasileiros a usar programas livres. Não precisa impor nada, pois desde que inventaram o computador, sempre que o governo brasileiro quis impor alguma coisa, acabou-se fabricando desastres. Basta dizer que os usuários de computadores têm alternativas e que, entre elas, a Microsoft é a mais cara, senão a mais gananciosa.
A administração petista de São Paulo produziu o melhor exemplo de uso dos programas livres. É a rede Telecentro. Tem 61 postos de serviço para o povo. Cada um deles tem 20 terminais e se destinam a ensinar as pessoas a entrar no mundo dos computadores. O primeiro Telecentro foi montado em Cidade Tiradentes, sofrido conjunto habitacional da periferia. Temia-se que o prédio, uma construção da Cohab transformada em entreposto de tóxicos e reconstruído pelo Telefonica, estaria destruído em menos de um mês. Completou dois anos e está muito bem, obrigado. À sua volta surgiu uma comovente atividade comunitária. Também vão bem os oito Telecentros de Capão Redondo.
Se os Telecentros trabalhassem com a Microsoft, teriam uma despesa adicional de pelo menos R$ 2 milhões por ano. Estima-se que os programas livres permitiram uma economia de R$ 14 milhões. A administração petista de São Paulo trouxe 150 mil pessoas para perto dos teclados e dos monitores. Os governos petistas gaúchos também ousaram e fizeram do Linux uma alternativa para a rede do governo.
Não se conhece caso de encrenca provocada pelo uso voluntário dos programas livres. Quando o PT-Federal achar a tartaruga que fugiu de cima da mesa durante uma reunião dos sábios do Planalto, poderá pelo menos copiar o que o Partido dos Trabalhadores de São Paulo e do Rio Grande do Sul já fizeram de bom e barato.