Elvis

The Pelvis sempre me intrigou.

Minha formação musical parte dos Beatles. E só a partir daí derivou para o blues, para o jazz, para o bebop. Por isso cresci comungando daquela opinião — extravasada por Lennon e por quase todos os roqueiros da história — de que Elvis Presley morreu em 59, quando se alistou no Exército. Quando voltou, dedicou-se principalmente ao cinema e, nos intervalos, gravou músicas irrelevantes.

Não deixa de ser verdade. Quando surgiu, Elvis era algo diferente; basta ouvi-lo e vê-lo para ver que aquele menino, ainda louro, era um gênio. O rock and roll não seria o mesmo sem ele; talvez nem fosse alguma coisa. A carga sensual que ele dava às suas interpretações foram decisivos para fazer do rock o que ele foi nos anos 60. Se para um roqueiro dos anos 60 ele teria se vendido ao virar o all american boy, para ele aquilo era apenas o que se esperava dele. Não é justo aplicar a ele os valores da década de 60.

Mas Elvis perdeu o bonde. Não se pode culpá-lo: no fundo, era só um caipira do Tennessee, e sua visão de carreira era a mais convencional possível. Eram outros tempos, e os Beatles ainda não haviam aparecido para mudar as regras do mercado. Há um filme dele, Easy Come, Easy Go, que mostra claramente o quanto ele não compreendia a revolução de costumes que havia ajudado a gerar. A carreira de Elvis durante os anos 60 foi, para dizer o mínimo, irrelevante. Ele tinha virado um astro de cinema — o mais bem-pago de Hollywood, a propósito –, mas sempre foi um péssimo ator.

Acontece que Elvis é, também, um dos principais casos de reinvenção da própria carreira. Em 1968 ele apresentou um especial na NBC que ficou conhecido como The Comeback Special. Qualquer um que assista percebe o quanto Elvis apostava naquele show; ele sabia que sua carreira dependia daquilo.

E foi aí que o velho roqueiro, que Ed Sullivan proibía ser filmado abaixo da cintura, reinventou sua carreira. Ele não era mais um roqueiro; ali ele dava o passo decisivo para se tornar um cantor popular, o Frank Sinatra da geração que crescera ouvindo rock and roll e que agora, mais velha, ficava mais vez mais… Ia dizer brega, mas a palavra certa seria corny.

A partir daí Elvis virou aquela mistura de Liberace com o Elvis dos anos 50. Seu mise en scène se tornou, se não caricato, pelo menos esquematizado. Menos que roqueiro, ele era um showman.

Não sei se isso foi bom ou ruim. São gêneros diferentes, e o roqueiro tinha morrido, mesmo. Mas não se pode negar que ele foi capaz de se reinventar, e a imagem do “Rei” que ficou não é o do roqueiro rebolando epilepticamente no palco, mas o sujeito meio brega que ficava dando golpes estilizados de caratê no palco.

No entanto, quem assiste ao especial da NBC pode perceber, claramente, que o momento em que ele se sente mais à vontade é justamente quando, com sua antiga banda (entre os quais Scotty Moore, um dos grandes guitarristas da primeira fase do rock), ele faz uma jam session de seus antigos sucessos. Por incrível que pareça, ali se vê que há ainda um roqueiro embaixo daquele sujeito que se prepara para melar as calcinhas de quarentonas gordas nos palcos de Las Vegas.

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