Manifesto contra a escola pública

Sempre que falo isso sou praticamente apedrejado, mas o fato é que sou contra a escola pública.

Não falo da idéia de educação pública, em que o Estado utiliza os recursos provenientes de impostos para providenciar, de alguma maneira, educação aos seus constituintes. Falo do sistema utilizado. Acho que ele simplesmente não funciona.

Há muito tempo acho que um método melhor que construir escolas, pagar professores e contratar funcionários seria um sistema de vouchers. O governo dava um para cada pessoa em idade escolar e ele que se virasse para escolher a sua escola. Se quisesse uma muito cara, que complementasse o voucher.

E como já vi em alguns Estados onde a competição no setor educacional é muito grande, não demoraria a surgirem melhores escolas com preços mais baixos. Competição é isso.

A idéia parece, a muita gente, uma heresia ultra-liberal. Por confundirem a obrigação do Estado de dar educação com a obrigação de construir e manter escolas, não olham realmente para o sistema educacional, e definem soluções partindo de premissas viciadas e falsas.

É bonito falar na dedicação e no sacrifício dos professores públicos, mas a verdade é que a maioria é preguiçosa, incompetente, mal preparada e mal paga ao extremo. Por outro lado, também é fácil colocar toda a culpa nas costas do Estado e dizer que “professor não tem dinheiro para comprar livro”; mas ele tem para tomar sua cervejinha no final de semana — e quando eu não tinha dinheiro para comprar livro eu ia à biblioteca ou pedia emprestado.

Quem conhece o ensino público sabe o caos que é aquilo. É pior no Nordeste, mas a situação se repete em maior ou menor grau em todo o país. Dia desses, vendo uma reportagem sobre professores de Sergipe em greve, assisti a uma velha que mal conseguia articular palavras deitando um palavreado incompreensível. Aquela mulher está em sala de aula. E certamente está prejudicando as chances de (se ela dá 8 aulas por dia, 5 dias por semana, de uma matéria como matemática) 320 alunos, todo ano.

Que me desculpem a crueldade, mas do ponto de vista social é melhor sacrificar essa senhora do que comprometer o futuro de tantas crianças e adolescentes.

Mas ela não pode ser demitida porque é funcionária pública e tem estabilidade. Isso leva a situações como um diretor de escola pública não poder sequer transferir um professor odiado e desprezado pelos seus alunos — sei de pelo menos um caso de professor clinicamente esquizofrênico que continua em sala de aula. O Estado tem que aturar milhares de pessoas sem a mínima capacidade de lecionar, porque a alternativa à estabilidade do servidor público é ainda mais aterrorizante.

(E sim, há muitos casos de grandes professores na rede pública. Muitos, mesmo. Gente interessada, dedicada, que ama o que faz. Mas percentualmente são minoria.)

O que se tem é um círculo vicioso em que professores mal preparados formam outros professores mal preparados, que recorrem à carreira no ensino público como um meio desesperado de ganhar a vida. Esqueça aquela conversa sobre a nobreza do magistério, aquele papo de sacerdócio, porque ser professor numa escola pública no Brasil, hoje, em termos de status social é apenas um pouco melhor que ser empregada doméstica. Não conheço nenhum adolescente que queira ser professor quando crescer.

Quaisquer soluções apresentadas que respeitem esse quadro, que não impliquem uma ruptura, não resultam em nada. Porque o governo não pode demitir seus professores incompetentes, porque não tem de onde tirar dinheiro, porque não sabe sequer por onde começar.

Quando você pergunta a qualquer professor da rede pública sobre a situação, ele é o primeiro a falar que é gravíssima, e normalmente aponta seus colegas como grandes responsáveis. Mas, se consegue apresentar uma solução, é parcial e paliativa, porque não mexe na estrutura das coisas.

Daí a minha sugestão de acabar com essa palhaçada de eternas discussões que não chegam a lugar nenhum e passar à sociedade a responsabilidade por sua educação.

As escolas existentes poderiam ser transformadas em cooperativas dos professores. E, se conheço alguma coisa do gênero humano, sou capaz de apostar que a leniência que muitos professores demonstram hoje acabaria imediatamente; uma coisa é ser complacente quando isso não afeta, imediatamente, o seu salário. Outra é quando o seu está na reta.

A idéia de que “o ensino público já foi excelente e pode voltar a ser” é falsa, porque se refere a uma época em que ele era elitista e dirigido basicamente a uns poucos ricos — muito mais que as universidades federais de hoje. Além de uma série de eventos como o USAID, a decadência do ensino público é conseqüência direta de sua massificação em um país pobre que nunca teve o bem estar do povo como seu principal objetivo.

Não se trata de simplesmente privatizar a educação pagando a escolas particulares para desempenhar o papel das escolas estatais — até porque, como tudo que gera intimidade demais entre público e privado, ia acabar em roubalheira –, mas de deixar nas mãos do cidadão a responsabilidade pela escolha da escola de seu filho. O voucher evitaria que o dinheiro fosse transformado em comida ou cachaça, mas ao mesmo tempo deixaria a autoridade nas mãos do principal interessado.

Na verdade, isso já é feito. Em Aracaju, por exemplo, as escolas públicas que oferecem o antigo curso primário estão às moscas. Sobram vagas, as salas estão vazias. Porque os pais preferem matricular seus filhos em escolinhas de bairro, normalmente com o mesmo baixo nível, porque é financeiramente mais compensador e porque acreditam que assim estão dando uma educação melhor aos seus filhos. Mas continuam pagando os impostos que financiam as escolas que eles mesmos rejeitam, e assim pagam duas vezes por algo que não vão utilizar.

Que se acabe logo com a hipocrisia e com as defesas veladas de interesses corporativos e se trate logo de tomar uma providência realmente efetiva.

***

E já que é para ser impopular, e já que o post está gigantesco, eu também acho que a universidade pública deveria cobrar de quem tem dinheiro. Matrículas deveriam ser acompanhadas da declaração de renda do responsável. Quem pode pagar, paga, e ajuda a financiar a universidade dos menos aquinhoados. A cobrança dos endinheirados ajudaria a expandir as vagas para os duros — com direito a cotas e tudo o mais que for necessário para diminuir o desnível social absurdo deste país.

E quem não tem dinheiro, em vez de ser tratado como coitadinho, pagaria o seu curso com um período de serviços públicos. É muito melhor que o crédito universitário destinado a enriquecer donos de faculdades particulares. Melhor para os pobres, também, porque pelo menos por um período os recém-formados teriam emprego garantido, ainda que pagando pouco. Eles teriam mais tempo até se tornarem um problema social.

Quando vejo universitários gritando pela universidade pública e gratuita, tenho certeza de que a maior parte está lutando pelo direito das classes média e alta de estudarem de graça, subsidiados pelos pais dos pobres que, no máximo, conseguirão entrar em uma faculdade particular.

A matemática é simples, e pode ser vista comparando-se os filhos de um empresário e de um gari. O empresário sonega impostos e seu filho estuda nas melhores escolas. O gari, que não sonega nada porque não pode, deixa o seu filho na escola pública do bairro. Na hora do vestibular, o filho do empresário vai fazer medicina na USP ou UFRJ, que são financiadas pelos impostos do gari; por sua vez o gari vê o seu filho resignando-se a sonhar com cursos como física (onde alguns entram e nenhum sai) ou com um curso qualquer nas Estácio da vida. Na melhor das hipóteses.

Fiz direito numa universidade federal e nenhum dos meus colegas vinha de escola pública. Todos, no entanto, defendiam a universidade pública e gratuita para todos. E alguns chegavam a dizer que para conquistar esse privilégio tinham gasto muito dinheiro em escolas particulares.

7 thoughts on “Manifesto contra a escola pública

  1. O problema da escola pública não é tanto a qualificação dos professores, mas o fato de muitos darem sessenta(!) aulas por semana e de terem mais de quarenta alunos.

    Um professor ruim numa classe pequena tem melhores resultados que um bom professor numa classe grande. Experimente dar aula para saber isso.

  2. André Kenji,

    Sem titubear e com conhecimento de causa (17 anos na educação pública paulista) eu digo que um dos maiores problemas por que passa a escola pública é sim deficiência na formação de professores. Tenho na minha escola professores descompromissados, negligentes e com nenhuma, mas nenhuma mesmo, competência técnica.. Mesmo que trabalhassem com um grupo restrito de alunos, 5 por exemplo, nem assim conseguiríamos evitar o extremo dano que causam às mentes dos alunos.. È muito triste , mas, real… Não melhorariam não, mesmo que tivessem um número menor de aulas semanais e nem tampouco se ganhassem mais. Muitos deles, quer saber?, ganham muito pelo desastre que causam.. Eu, diretora da escola pulo miudinho para minimizar tais efeitos.. Saberia me dizer o que poderia fazer para lidar com uma situação dessas??

  3. Texto corajoso, Rafael. E que tem a felicidade de, diagnosticando duramente o problema, não propor, como fazem os liberais, simplesmente a extinção da escola pública.

    Seria interessante testar esse sistema a partir de experiências locais, para depois ampliar para todo o país. De qualquer forma, o governante que queira fazer isso tem que ser muito peitudo.

    Tenho dúvidas a respeito da cobrança nas universidades, pois acho que haveria um ganho financeiro muito pequeno (comparado ao custo imenso do ensino superior) para valer a pena comprar essa briga. A essa conclusão chegou, também, o governo Fernando Henrique, acusado, pelos gritões de porta de sala, de “privatista”.

  4. Que bom deparar com suas idéias aqui na net… É exatamente isso, sem falar na violência que esse estado de coisas provoca no funcionamento da escola.
    Sou professora aposentada e escrevi um livro denunciando as torturas a que os alunos são submetidos nessa escola carcomida que nós temoss. O livro chama-se “Escola, instituição da tortura” e gostaria de enviar-lhe um exemplar para que veja o quanto bate com a sua visão correta da escola.
    Se interessar, envie seu endereço para envio do livro.
    Abraço,
    Glória

  5. oi sou marceneiro e tenho dois filhos menores na escola publica e concordo plenamente com você,ate pretendo iniciar uma campanha de protesto em frente a escola com outros paes evidenciando o nosso repudio a esta instituição com palvras de ordem tais como, esta escola e do governo nela seu filho sera retardado em seu intelecto,esta escola e do governo não tanha esperanças.

  6. Acho um pouco radical o que você fala, não sei qual a sua experiência na docência, mas concordo parcialmente com suas idéias, todos sabem, ou pelo menos deveríamos saber que a escola pública está sofrendo uma decadência crescente, mas se existisse uma “FÓRMULA” mágica concerteza não seria acabar com as escolas públicas. Precisamos em nosso país, não de alguém que só critique, mas precisamos de alguém que fale menos e faça mais, não adianta criticar.

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