Os macaquinhos de Curitiba

Só fui para Curitiba duas vezes em toda a minha vida.

Da primeira vez, há uns 15 anos, participei de um congresso de estudantes.

Fiquei com a impressão indelével de que aquela cidade tinha um povo pernóstico e elitista. Me parecia bonitinha, bem arrumada, talvez arrumadinha em excesso, com uma temperatura agradável no verão (começo de fevereiro, isso). Mas o povo era, como dizíamos, meio seboso. Olhava para a gente com cara de quem comeu e não gostou.

Talvez tenha sido só impressão. Talvez se devesse às roupas de militantes estudantis — o que significa calça jeans, sapatos escangalhados e camisetas com golas inevitavelmente esgarçadas e algum dizer significativo, tipo “Liberdade para Kuala Lumpur” — e pelas caras de fome que todos nós ostentávamos com o orgulho ascético dos que lutam pela liberdade.

Mas com todo o seu esnobismo, Curitiba tinha lá seus eventos realmente interessantes.

O que mais me impressionou naquela viagem foram uns macaquinhos vistos no Passeio Público. Na verdade, um macaquinho e uns macacos adultos. Por alguma razão, o macaquinho tinha caído nas preferências orais de uns macacos mais velhos, que o perseguiam por toda a jaula.

Eu já conhecia a fama de onanistas dos macacos. Mas não sabia desses rompantes de homossexualismo, nem da sua preferência por menininhos. E enquanto os outros congressistas discutiam a salvação do país e os novos rumos do movimento popular na ressaca da eleição de Collor, eu ficava encostado na grade, embasbacado, acompanhando o balé dos macaquinhos gays.

De vez em quando o macaquinho, que gostava muito de ser tão requisitado, cansava daquela brincadeira e fugia dos seus amantes. E as bocas dos macacos, vazias e sequiosas, o seguiam pela jaula, saudosos da virilidade símia juvenil.

Em algum lugar, ali perto, as pessoas discutiam coisas sérias.

Da segunda vez, 8 anos depois, fui gravar um comercial. E então fui extremamente bem tratado, porque as pessoas costumam tratar bem aquelas de quem vão tirar algum dinheiro. Mas não pude ver os macaquinhos gulosos, e a viagem teve um pouco menos de graça para mim.

Curitiba tinha perdido aquilo que a fazia humana.

Clichy

De vez em quando fico pensando que, algum dia, quando estiver cansado de rodar bolsinha, eu gostaria de abrir um sebo. Deve ser um modo agradável de ganhar a vida; pelo menos seria para mim. A calma, a tranqüilidade, o trabalho agradável de avaliar livros não como literatura, mas como objetos me deixaria feliz, acho. Sebos me interessam bem mais que livrarias.

Ainda mais porque tenho a impressão de que a maioria dos livreiros não conhece bem o material que têm nas mãos. Costumam confundir livros velhos com livros antigos, e há uma grande diferença nisso. Parecem cobrar mais por livros com capas mais bonitas. E no entanto, perdem oportunidades únicas.

O grande problema é que é nessas oportunidades que está o meu grande defeito, manifestado de forma diversa dos deles, aquele que faz desdenhar dessa perspectiva de futuro como absolutamente impraticável.

Há alguns meses eu estava em um sebo de Niterói. Depois que conheço o acervo de um sebo, costumo olhar principalmente a parte da frente, onde sempre se pode encontrar livros decentes por preços como um, dois reais. Era ali que eu estava, tentando ver se entre aquele monte desorganizado de pocket books havia algum policial que valesse a pena comprar.

Foi quando vi um livro chamado Quiet Days in Clichy. Peguei e procurei o nome de seu autor: Henry Miller.

Não sou fã de Miller. Tenho uns dois ou três livros dele, se tanto. Longe de ser meu escritor favorito. Mas aquele livro parecia interessante, mesmo que eu não o conhecesse.

Abri o livro e havia algumas pranchas com belas fotografias. Era uma edição bem cuidada, papel excelente, apesar de o livro estar um pouco baqueado. Fiquei curioso e procurei as informações editoriais.

O livro tinha sido publicado em 1957, acho, pela Olympia Press, de Paris. E dizia ser “a first and original edition“.

O fato de ser publicado por uma editora francesa me interessou. Era do tempo em que Miller estava banido dos Estados Unidos. Não confiei muito na informação sobre a edição, mas pelo preço — 3 reais — eu podia muito bem me arriscar. Comprei o livro e, quando cheguei em casa, corri para o computador em busca de informações sobre ele.

Aquela era mesmo uma primeira edição legítima, e seu preço está cotado em torno de 1,500 dólares. Meu exemplar deve valer bem menos, porque não está nas mais perfeitas condições. Mas ainda vale, e bem, uns 800 dólares. Pelo menos é um pouco mais que o dólar que me custou.

Enquanto isso, o mesmo sebo — onde depois comprei por bem mais que isso um livro ruim dos Beatles, por ter sido o primeiro livro sobre eles que comprei na vida e tinha perdido — cobra preços altíssimos por exemplares que mal valem o papel em que foram impressos. Isso acontece — geralmente em menor grau de gravidade — com praticamente todos os sebos que conheci.

Meu exemplar de Quiet Days in Clichy está no Rio, enroladinho em plástico. Vale um bom dinheiro, mas é justamente aí que reside a minha grande incompetência, aquela que me tira do horizonte a possibilidade de deixar o trottoir de uma vez e finalmente me estabelecer em um lugar qualquer, levando a vida pacata dos pequenos comerciantes: eu não pretendo vendê-lo, porque o orgulho de ter um livro que custa 1,500 dólares vale muito mais que isso. E isso não se pode explicar, muito menos evitar.

Como dois animais

Chamada de capa da Marie Claire, aquela revista que diz que chique é ser inteligente mas, no fundo, só fala do que interessa a qualquer pessoa com QI de 2,17 – ou seja, sacanagem: 56% por cento das mulheres fazem saliência em lugares públicos.

Deve ser engraçado.

— Olha ali, eles tão cruzando!

— Joga água fria que separa!

— E se engatar?

— A gente espera.

— Ih, sei não. É melhor deixar eles acabarem.

— Mamãe, o que é aquilo?

— O papai tá colocando uma sementinha na mamãe, Pedrinho.

— Eu quero um filhote! Eu quero um filhote!

A síndrome do "eu já sabia"

Dois filmes, sobre os quais o Alexandre e o Bia já escreveram: “Colateral” e “A Vila”.

A idéia era ir para o cinema para desligar um pouco. Na base da sorte: ia ver o que estivesse passando.

Quando cheguei ao cinema, as opções não eram muitas. “Olga” não me faria relaxar. Descartei logo de início “Alien vs. Predador”, porque eu queria diversão inconseqüente, não uma lobotomia. E assim sobrou “Colateral”.

Nunca tive Michael Mann em grande conta. Para mim é um artesão competente, só isso. Mas “Colateral” é um bom filme, com um bom toque pessoal. E consegue fugir de grande parte dos clichês do gênero, embora não totalmente. E a forma como termina me lembra algum filme dos anos 70, o que pode ser um bom sinal.

No outro dia foi a vez de “A Vila”. Fui ao cinema esperando uma tragédia, a partir das críticas horríveis que o filme recebeu e da minha própria experiência com Shyamalan, que vem decaindo a cada filme.

E no entanto, apesar de algumas falhas gritantes, é um filme bem razoável. Eu pelo menos adivinhei o que eram os monstros e sabia que havia algum problema com o tempo.

Mas como definiu perfeitamente o Alexandre, o Shyamalan é um grande contador de histórias ruins. Diretor excelente e roteirista frágil.

Talvez o grande problema de seus filmes seja a abordagem meio infantil, e a necessidade de ter uma reviravolta no final. Se “A Vila” fosse tratada de outra forma, dando por exemplo mais ênfase ao conceito temporal que envolve o filme, se preocupando menos em surpreender o espectador, poderia ser uma obra muito melhor.

Mas Shyamalan tem se mostrado incapaz de mais profundidade do que o universo das histórias em quadrinhos costuma permitir. Mesmo contando com atuações brilhantes de grandes atores como William Hurt, seus filmes acabam se tornando meros proscênios para a revelçao final.

Pior: ele não percebeu que começou sua carreira com um dos melhores filmes desse gênero já feitos. “Sexto Sentido” tinha um roteiro brilhante. Qualquer outro filme que ele faça, com a costumeira surpresinha no final, vai ser inevitalmente comparado a ele. E vai perder.

David O. Selznick passou a vida lutando contra o fantasma de si mesmo, tentando fazer um filme melhor que “E O Vento Levou”. Não conseguiu, claro. E isso quase o destruiu. É uma pena que Shyamalan não tenha aprendido ainda com a lição dos outros.

Ingênua ma non troppo

Mocinha Ingênua, por favor se identifique. Aproveite e mande uma foto. Dependendo do que ela mostrar, e se você não for de Aracaju ou do Rio, talvez seja necessário mandar também uma passagem de avião e um voucher para um hotel decente. Se você for de uma dessas duas cidades é mais fácil: é preciso apenas ter um carro, tempo de sobra, disposição para esperar horas e horas e uma profunda ignorância acerca do meu passado.

Por isso não provoque

Manchete de ontem no principal jornal de Aracaju.

Mostra o quão aguerrido é esse povo de Lagarto, cidade do interior sergipano conhecida por sua produção de tabaco (sem trocadilhos, por favor).

Isso inclui as cafetinas, que em defesa do seu ganha pão e do leitinho das crianças irão às ruas clamar, em alto e bom som, pelo direito de alugar o que é delas.

Moças guerreiras, aquelas. E essa é provavelmente uma das manchetes mais engraçadas que eu já vi — se bem que, semana passada, mas sem tanto destaque, o mesmo jornal publicou que “Maconha de Sergipe vem de Pernambuco e cocaína vendida aqui é de péssima qualidade”.

Eu adoro este mundo em que vivo. Cada dia mais.

A véia debaixo da cama

Rafael diz:
Ah, por que o post é cruel?

Zelma diz:
Porque me parece que fala das carências, dos que na verdade só querem o tal final de semana, e das mulheres que parecem seletivas mas na verdade com um bom texto podem ser usadas como qualquer uma.

Rafael diz:
Nossa, a véia é perspicaz.

Zelma diz:
Vc. acha que seus neurônios são só de seu pai?

Rafael diz:
Minha modéstia tampouco. 🙂

Zelma diz:
AH AH AH AH AH AH AH AH

GhostLovers, Inc.

Como sempre, preciso de dinheiro.

E nessas horas é que a crise pare a oportunidade.

Sempre me incomodou o fato de não saber como ganhar dinheiro com a internet. Mas a Crica finalmente me mostrou o caminho.

Eu vou virar ghost writer daquele pessoal que se expõe nas vitrines do Par Perfeito e similares.

Será um serviço feito sob medida para aquelas pessoas secas e desesperadas, ou simples maridos entediados que usam o site para pular a cerca. Gente que precisa urgentemente de uma — ou outra — mulher, mas que não sabe escrever direito, e assim perde boas oportunidades de encontrar o amor de sua vida ou, o que é mais provável, a trepadinha do fim de semana.

Porque até no mundo virtual a coisa anda complicada. A mulherada anda seletiva, exige que o sujeito escreva corretamente e com o mínimo possível de lugares comuns. É injusto, porque se fossem bonitos, ricos e inteligentes esses “bons partidos” estariam na rua, aproveitando a vida; mas mesmo assim elas insistem. Mulheres nunca foram justas, e essa é grande parte de sua beleza.

Começo a me convencer de que há um grande futuro nessa iniciativa. Afinal de contas, em um mundo em que as pessoas têm cada vez mais medo de se apaixonar por alguém real, em que preferem se apaixonar pelas imagens de si mesmo que vislumbram nas palavras dos outros piscando em seus monitores, há espaço para uma nova carreira. Isso diz respeito a segurança, ao medo de serem magoadas; e é aí que nós entramos.

A GhostLovers, Inc. pretende se tornar um jeito simples de fazer com que esses aspirantes a amantes virtuais evitem cair em lugares comuns escritos em mau português, ou descambem para pérolas do bom humor descolado como “Você já viu perereca tomar leite de canudinho? Quer ver?”.

Porque com essas cantadas ninguém vai longe.

Vai ser simples. A pessoa passa o briefing e a gente escreve seus e-mails. A idéia é garantir que a mulher vá para sua cama, e só depois descubra que ele é analfabeto e chato, e que tem frieira no dedinho do pé.

Poderemos falar de amor com ternura e paixão. Não estaremos envolvidos no processo que gera o interesse de uma pessoa por outra, nenhuma combinação química além daquela vontade premente de ganhar dinheiro se processará em nossos cérebros. Teremos a frieza necessária para jogar pacientemente todos aqueles joguinhos de sedução, os pequenos avanços e refugos, os pequenos negaceios que fazem a delícia dos amantes.

Ou seja: seremos apaixonados com juízo.

Estaremos para o amor como os jogos de ação estão para as guerras reais: você pode ter a mesma sensação, sem nenhum dos riscos. Na prática, seremos garantia de sucesso para sua empreitada, esteja você apaixonado ou simplesmente querendo carne nova.

Também poderemos evitar alguns traumas pós-coito. Melhor ainda, poderemos otimizar (já estou treinando o jargão) a única parte mais difícil que a conquista: a separação.

Por exemplo, o sujeito já comeu a coitada e agora quer ir embora. Mas terminar um namoro é sempre chato, e a maioria das pessoas fica tentando achar o melhor jeito de romper sem magoar a outra. Como normalmente esse pudor se deve não aos sentimentos da outra pessoa, mas à sua vaidade, porque não quer se sentir mal, não quer que sua imagem seja arranhada, nós faremos esse trabalho sujo para ele. Cuidaremos de tudo e garantiremos que a pobre de cristo nunca mais lhe encha o saco. Ela vai entender o nosso recado, pode apostar.

Também poderemos realizar pequenas vinganças. Por exemplo, ela terminou com você de uma forma que o humilhou para sempre, que lhe deixou minúsculo, e você não sabe o que responder. Deixe que a gente resolve. Nós a humilharemos para você. Podemos ser maus, cruéis, perversos, porque nada disso é difícil quando você não tem nenhuma razão para segurar sua raiva.

Ela vai se arrepender de ter ousado tripudiar de você. Você broxou? Foi porque ela é uma baranga derrubada com crateras de celulite, bunda mole e pele flácida. Ela disse que você é um fracassado? Na verdade ela é que não vale a pena de você gastar o seu dinheiro, ela é só uma mulher barata. Um tira-gosto.

A GhostLovers diz respeito a competência, não a escrúpulos.

Mas preferimos, claro, ser amorosos e bons. Porque acreditamos no amor, como putas que ao amanhecer voltam para casa e para seus filhos e maridos.

Acho que faremos sucesso.