Eu já

Atendendo ao pedido do Alexandre, resolvi entrar nessa onda confessional e aqui vai o meu “Eu Já”.

Eu já comi arroz
Eu já comi feijão
Eu já comi carne
Eu já comi macarrão

Eu já comi alface
Eu já comi berinjela
Eu já comi brócolis
E brigadeiro na panela

Eu já comi doce de caju
Eu já comi goiabada
Eu já comi doce de leite
Eu já comi marmelada

Eu já comi porco
Eu já comi javali
Eu já comi búfalo
Cobra não, nunca comi

Eu já comi caranguejo
Eu já comi siri
Eu já comi ostra
Eu já comi sushi

Eu já comi lagosta
Eu já comi pitu
Eu já comi escargot
Ah, que rima feia eu ia fazer

Eu já comi pão
Como eu gosto de pão
Eu já comi pão
Eu já comi pão

Eu já comi rã
Gosto muito, até
Tanto quanto de coelho
E eu já comi jacaré

Eu já impliquei com garçom
Porque ele não trazia carneiro
E quando trouxe, deixei de lado
Porque sempre fui encrenqueiro

Eu já comi espaguete
À bolonhesa e à marinara
Ao alho e óleo e quatro queijos
Mas gosto mesmo é à carbonara

Eu já comi sashimi
Eu já comi camarão
Mas até hoje desconfio
Que aquele peixe não era salmão

Eu já comi feijão, já disse
Mesmo sem gostar nada
É que eu não gosto de feijão
Mas encaro uma feijoada

Eu já comi pimentão
Eu já comi ervilha
Eu já comi rúcula
Eu já comi lentilha

Eu já comi acarajé
Eu já comi abará
Cocada branca e morena
No Tempero de Dadá

Eu já comi bolinho de estudante
(Que a Dadá, engraçadinha
Resolveu, com muito mau gosto
Chamar de punhetinha)

E como comi sanduíche
De todo tipo: bom e ruim
Mas gosto mesmo é de comida baiana
Só não gosto de xinxim

Já comi comida grega em Paris
Prova de que éramos burros
Adoro pastel velho, de boteco
E sempre gostei de churros

Eu já comi tanta coisa
Inclusive o que não devia
Mas o mais engraçado, mesmo,
É que tudo vai embora no outro dia

Essa é a minha filosofia.

Google Desktop Search

Baixei o Google Desktop Search. Em todos os blogs que leio, elogios eram despejados sobre ele, gente que tinha instalado e adorado.

Antes de instalar, vi que ele indexava e-mails do outlook, cache do Internet Explorer, logs do AIM.

Ou seja: basicamente, material que não existe no meu computador. Certo, indexa também arquivos do Word, e esses eu tenho de monte. Como se eu não soubesse onde guardo cada um deles, nem o que contêm: os tempos dos nomes de arquivos 8.3 (tipo RELVEN12.DOC) já passaram. Há 10 anos.

Mesmo assim mandei instalar. Mas logo de cara ele foi dizendo que precisava habilitar os Add-ons do Internet Explorer. E eu não habilito nada naquilo. Mandei cancelar.

No entanto, a internet aclamou a chegada do programinha como quem vê Moisés descendo do Sinai com as tábuas da Lei.

Alguém um dia talvez consiga me explicar essa mania bisonha que as pessoas têm de seguir modas e de fazer seus os gritos de “bravo!” dos outros, ainda que não os entendam. Se percebi bem o que esse tal GDS significa, é basicamente uma investida do Google contra a Microsoft, uam espécie de recado dizendo “não se meta comigo”. Que infelizmente erra longe o alvo. Mas que não deixa de contar com o rebanho feliz atrás de si.

Pequena proposta canalha de solução para o Sudão

Os relatos sobre o genocídio no Sudão já pipocavam blogs afora, e esta semana foi a vez da Veja consolidar os fatos para os brasileiros. A opinião pública, especialmente a do povo lá de cima, começa a se articular pedindo intervenção americana ou, pelo menos, da ONU, alegando inclusive que é mais justificável que a invasão do Iraque.

Eu tenho uma teoria que não deve ser muito simpática para a maioria das pessoas. E mesmo sendo um tema sobre o qual o Antonio Carlos e o Guto podem falar com mais propriedade, eu faço questão de deixar clara essa posição.

Me parece que o problema da África, mais que a exploração pura e simples pelas potências européias, é de ordem cultural. O processo evolucionário do continente, com suas idas e vindas, foi interrompido pela Europa. E não estou me referindo ao estabelecimento de uma grande infra-estrutura para o tráfico de escravos no Golfo da Guiné, por exemplo, mas ao processo colonial propriamente dito. O domínio europeu não apenas retirou riquezas do continente, principalmente da África sub-saariana, mas colocou em choque duas culturas diferentes e em estágios de evolução tão díspares que o resultado foi simplesmente a aniquilação da cultura africana.

A Europa precisou de 1500 anos para se tornar o que é hoje, construindo-se sobre as ruínas do Império Romano. Não foi exatamente um processo delicado: por causa da última grande guerra deles uns 50 milhões foram empacotaram em 6 anos. Sem contar os outros tantos que foram morrendo ano a ano nos últimos milhares de anos, de guerrinha em guerrinha.

Na África, no entanto, esse processo tem sido obrigado a se dar em poucas décadas, imposto de fora para dentro. Quando, a partir da segunda metade do século XX, os países da África conquistaram sua independência, se viram às voltas com uma estrutura institucional que não era sua, que não foi criada por eles. O resultado foi a sua fragmentação e, em vários casos, a destruição dessas estruturas.

Falando da maneira mais cínica possível, o que acontece hoje na África é apenas o que aconteceu ao longo de tantos séculos na Europa. As pessoas estão se matando para descobrir qual é o seu lugar no mundo.

Os exemplos mais óbvios são as divisões políticas e geográficas que colocam no mesmo saco nacional etnias diferentes, como tutsis e hutus. Descontando-se as proporções, é como colocar ingleses e franceses na mesma cidade.

Talvez por isso, sempre que vejo alguém falando de ajuda humanitária, ou pior, alguém pedindo intervenção, olhando para a África como quem olha para a Europa ou mesmo para a América e para a Ásia, eu torço o nariz. Se eu fosse delegado da ONU votaria, claro, a favor de uma intervenção. Não seria eu a mandar os sudaneses baterem papo com Jesus, Maomé ou Omolu. Mas eu não tenho essa responsabilidade e posso dar uma opinião, talvez tão frágil que nem mesmo eu seguiria.

É uma opinião simples: deixem que eles se matem.

Parece cruel? É, sim. Muito. Posso garantir que se eu morasse no Sudão faria todo o possível para vir ao Brasil e dar uma porrada no idiota que dissesse isso, porque não seria o dele na reta. Mas a impressão que tenho é que intervenções ocidentais farão muito pouco para resolver a situação. Na melhor das hipóteses atrasarão um pouco o processo. Em vez de morrerem 1 milhão em um ano, morrerão 100 mil por ano, durante 10 anos. É o que um motorista de ônibus, delicadamente, chamaria de freio de arrumação. Não é algo bonito de se dizer, mas talvez a África precise disso.

Inclusive porque há ainda — sempre há — uma hipótese pior: essas intervenções podem simplesmente criar mais ódio, mais revolta. E mais mortes no futuro.

Deixem a África em paz. Ela mesma deve resolver seus problemas, descobrir sua própria identidade. O mal causado pelo Ocidente ao continente vai demorar muitos até ser remediado. Mas cada vez mais tenho a impressão de que é necessário que a África descubra, por si só, o seu próprio processo evolucionário. Parece a expressão de um darwinismo cruel e equivocado, eu sei, mas deixem que eles se matem.

Túnel do Tempo

Aí pelos 18 anos fiz uma lista de lugares e épocas em que eu gostaria de ter vivido.

Atenas antes de Cristo.

Roma depois de Cristo.

Itália no cinquecento.

Paris no tempo de Luís XIV.

California, Arizona ou Texas na segunda metade do século XIX.

Viena nos anos 1900.

Paris nos anos 20.

Nova York nos anos 30

Nova York nos anos 40.

Nova York e Rio de Janeiro nos anos 50.

Londres nos anos 60.

Qualquer lugar nos anos 70.

Eu não gostava dos anos 80.

E gostei de estar onde estive nos anos 90.

Adendo ao post sobre marketing político

A Carta Capital é uma das melhores revistas semanais do país. Mas esta semana, em matéria passando o rodo nas eleições, aparece com algumas pérolas que merecem ser comentadas:

Nas últimas eleições, São Paulo escolheu prefeitos do PT em duas oportunidades, mas esse fato não enfraquece a tese do perfil conservador do eleitorado paulistano. Em 1992 não havia segundo turno e Luiza Erundina acabou eleita com menos de um terço dos votos (31%).

A matéria foi escrita por dois jornalistas, Phydia de Athayde (quanto H e quanto Y numa pessoa só) e Sérgio Lírio. Nenhum dos dois parece ter percebido que Erundina foi eleita em 1988.

Mas ainda piora.

Além disso, o governo de Fernando Collor, com quem Lula disputou as presidenciais em 1989, caminhava para o colapso, o que aumentava o cacife da oposição — e do próprio PT.

Errar na checagem dos fatos é um erro grave, ainda mais quando é simples como esse. Mas elaborar uma teoria sobre as circunstâncias que envolveram as eleições que nunca houveram é demais. Ainda mais quando o governo de Erundina, pessimamente avaliado, foi um dos fatores que prejudicaram Lula em São Paulo.

Mas isso é jornalismo. Agora vamos falar de marketing político. Outra matéria na mesma revista, desta vez de José Roberto de Toledo:

(…) a soma das votações de todos os candidatos a prefeito do PT e do PL mal chega à metade dos 39,4 milhões de votos obtidos por Lula no primeiro turno da eleição presidencial de 2002. Em que pese a recém-adquirida “capilaridade” petista identificada pelo ministro Tarso Genro, Lula segue sendo muito maior que o partido.

Avaliar números brutos de uma forma tão simplória é uma ofensa à inteligência de quem quer que tenha conversado uma só vez com qualquer candidato. É como o candidato a deputado federal que teve 50 mil votos e, na eleição seguinte, espera ter os mesmos 50 mil votos para deputado estadual.

Acontece que são eleições diferentes. O próprio Lula, se fosse candidato a deputado federal por São Paulo, teria muito menos votos dos que os que teve para presidente. Qualquer vereador de cidade com 10 mil eleitores sabe disso.

Pelo que pude entender, os autores dessas matérias tinham lá suas teorias e saíram atrás de fatos que pudessem comprová-las, ainda que equivocadas. Deveria ser o contrário. Depois as pessoas não entendem por que jornalistas perderam a primazia de campanhas para os famigerados “marqueteiros”.

Lições

Um amigo entrou numa fria.

Estava saindo com uma menina de seus 20 anos, 10 a menos que ele.

Até o dia em que ela veio com aquele papo estranho. Disse que não estava preparada para um relacionamento a longo prazo. Que era muito nova para namorar a sério.

Então esse amigo disse o que 11 entre 10 homens diriam nessa hora:

“Tudo bem, a gente sai sem ser a sério.”

É claro que a menina se revoltou, como se revoltariam 11 entre 10 garotas na faculdade. “Tá pensando o quê? Eu não sou dessas, não!” Ele não conta o resto, mas gosto de imaginar a moça, insultada, levantando-se calada, chapéu à la Ingrid Bergman, abandonando-o de uma vez e para sempre, saindo do bar com a dignidade das grandes mulheres.

(Pode ter sido diferente e ela estava em motel e teve que esperar bufando ele tomar banho para irem embora e ainda lhe pediu que comprasse um sanduíche, mas a minha imagem, cá para nós, é mais bonita.)

Se serve de consolo ao amigo, cumpre notar que a moça já saiu de casa naquele dia com a firme disposição de terminar tudo. Nada do que ele dissesse poderia resolver. Se ele respondesse que queria “namorar a sério”, levaria a mesma tabocada nas fuças. Ela não era muito nova para namorar a sério. Ela era muito nova ou muito velha para namorar com ele.

Mas há algumas lições a serem retiradas desse episódio.

Caso uma garota diga o mesmo para você, caro senhor, não fale nada. Porque qualquer coisa que você disser vai dar em merda. Olhe no fundo dos olhos dela, como se estivesse buscando as profundezas do seu ser, admirando a pessoa maravilhosa, única, especial que ela é. Se maravilhosos nela forem os peitos e a bunda e o remelexo, tire isso da cabeça imediatamente: tais lembranças costumam acarretar reações fisiológicas inadequadas a esse momento. É preciso afetar sinceridade, a mais perfeita, a mais absoluta sinceridade, sinceridade casta como freira feia.

O tal olhar é fácil de fazer. Olhe fixo nos olhos dela e não pense em nada, por desnecessário: ela vai concluir que você está pensando coisas mil em meio a sua dor, talvez indagando-se o que fez para merecer tamanha infelicidade, talvez buscando no fundo dela suas mais secretas vontades, talvez simplesmente arranjando coragem para dizer o quanto a ama. O nada e o infinito são tão parecidos, e a vaidade costuma torná-los ainda mais semelhantes.

Vai parecer que por trás desse olhar que lhe desnuda a alma há algo profundo, denso, misterioso. Provavelmente depois de alguns momentos, confusa, ela lhe peça para falar alguma coisa, porque o seu silêncio digno e enigmático vai despertar, nela, uma sensação incômoda de que está fazendo uma grande sacanagem com um bom sujeito (se não despertar corra, porque ela é uma psicopata e na TPM fica pior); ela vai precisar de alguma palavra sua para achar que está tudo bem.

Se recuse então, porque se você disser que “tudo bem” ela se sentirá desculpada, e se começar a chorar sua dor ela vai achar que você é apenas um viadinho enjoado que merece mesmo ser jogado fora. Portanto diga que não há nada para falar — mas por favor, não insista muito nessa linha ou você vai se ferrar. Quando ela insistir pela segunda vez, e ela insistirá, saia pela tangente. Fuja do assunto e diga que ela é maravilhosa, que é isso e que é aquilo. Elogie o quanto puder. Se for verdade, ótimo: menos um pecado nas suas costas. Mas se não for, elogie do mesmo jeito. Minta. Minta até o fim, sem nenhum pudor. Não tenha escrúpulos em mentir descaradamente. Talvez Deus não lhe perdoe por mentira tão venal, mas se Deus é pai Ele sabe que pecado maior é sair de casa achando que vai cair na putaria e em vez disso levar um pé na bunda.

A partir daí é preciso um pouco de calma. Vai depender dela e de um mínimo de sensibilidade de sua parte. Talvez ela se veja pensando que “tudo bem, talvez seja melhor dar uma chance a ele”. Talvez ela simplesmente vá embora.

Mas as chances são de que ela volte atrás.

Aí você consegue o que queria. Continua traçando a garota, e falando para os amigos: “Bicho, tô comendo uma ninfeta de 20 anos!”. E agora sem o peso de uma namorada.
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Este serviço é uma cortesia da GhostLovers, Inc.

A última crônica

Que dia.

Volto para casa e fico sabendo pela Felícia que o Sabino também morreu.

Nunca fui fã dele. Nunca li muito dele. Mas quando era criança, aí pelos 10 anos, li uma crônica sua que me deixou com vontade de chorar, e eu choraria se não tivesse alergia a lágrimas.

Só por essa crônica, pelo que ela tem de verdade e de ternura agridoce, Sabino merece estar em qualquer antologia de escritores brasileiros. Ao lado de “Iemanjá do Céu”, de Vinícius, essa é a melhor crônica já escrita em língua portuguesa. Aliás, ela está acima da do poetinha, muito acima. E em um mundo em que a sensibilidade forçada de tantos e tantos escritores ulula livre, é provável que ele venha a fazer falta.

A Última Crônica

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.

A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho — um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.

A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “parabéns pra você, parabéns pra você…” Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura — ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido — vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

Superman

A morte de Christopher Reeve me deixa triste, de uma maneira que a morte de outros atores que admiro não deixaram.

Porque ele foi meu grande ídolo quando eu tinha 10 anos, e mesmo antes; pelo menos para mim, o Superman de Christopher Reeve era perfeito, e aos 8 anos você não sonha com nada menos do que isso. E o Richard Collier de “Em Algum Lugar do Passado” era a prova de que um homem pode amar e ser amado de uma forma absoluta, desumana até, e aos 10 anos você não sonha com nada menos do que isso.

Porque foi uma das poucas pessoas iguais a quem eu quis ser um dia, e eu não quis ser igual a quase ninguém.

E porque a partir de 1995 ele mostrou, mais do que nunca, ser realmente um super-homem.

Ao longo dos últimos 25 anos, admirei incessantemente muito pouca gente. Reeve foi uma dessas pessoas. Agora é como se um pedaço da infância ficasse definitivamente longe, muito longe.