Mídia do cidadão

Desde que o Bia falou que estávamos todos nós fazendo uma espécie de jornalismo, ando pensando nisso. O Bia conseguiu ver o que eu não via.

Sempre vi diferenças entre blogs brasileiros e americanos, que de certa forma representariam as diferenças entre as características dos dois países. Bem ou mal — ultimamente, mal — americanos têm um sentido de comunidade que nós nunca tivemos; para nós, comunidade é lugar onde pobre mora. Somos todos individualistas, como bons produtos da herança ibérica em um país onde se lê pouco e se escreve menos ainda.

Por isso, enquanto os mais bem conceituados dos Estados Unidos têm uma característica notamente jornalística, a maioria esmagadora dos bons blogs brasileiros têm tendência a serem ensaísticos ou ficcionistas. É um pecado do qual poucos se salvam, e certamente não este aqui.

Com o comentário da Cora Rónai sobre o post do Alexandre a respeito do fechamento de um “bordel virtual” no Rio, as coisas ficaram mais claras. Ela tinha razão ao dizer que o Alex foi um bom repórter: e olha que ele fez simplesmente o básico ensinado nas faculdades, ouvir o outro lado — no caso uma das meninas que trabalhavam no bordel virtual. Era algo muito simples de fazer, e que não é prerrogativa de jornalista, mas que por acaso não ocorreu aos jornais. No mesmo dia, o Cauê (sujeito profundamente analógico, mas que está de volta à blogosfera com um entusiasmo do qual eu não suspeitava) diagnosticou: “creio que, no silêncio da rede, [o blog] está criando algo que reverberará fundamente no futuro”.

O Alexandre mostrou algo simples: a produção de informação não precisa mais depender de estruturas institucionalizadas como jornais, rádio, TV, revistas ou mesmo websites. Fazer jornalismo — e bom jornalismo — é algo ao alcance de qualquer pessoa. Pode parecer evangelismo ingênuo, mas a cada dia aumenta minha certeza de que um mundo cada vez mais complexo e mais fragmentado cria necessidades de informação a que os meios de comunicação tradicionais não podem atender.

Desde há muito tempo gente como o Jeff Jarvis (que tem opiniões terríveis acerca da política externa americana, mas que é imbatível na defesa do conceito de liberdade de expressão e da mídia weblog) vem chamado blogs de “mídia do cidadão”; recentemente ele mesmo deu uma prova disso, conseguindo um furo que, assim como o do Alexandre, era extremamente simples de ser conseguido. O Press Think, de Jay Rosen, traz por sua vez um excelente artigo sobre esse potencial dos weblogs.

A definição é perfeita: weblogs são uma forma, a melhor já encontrada, de tirar o monopólio da produção de informação das mãos de veículos institucionalizados. Usando outra analogia marxista, weblogs tiraram das “classes dominantes” os meios de produção. O que impede qualquer pessoa de conseguir e divulgar novas informações relevantes a respeito de qualquer coisa? Antigamente o empecilho era o preço do papel e de impressoras; depois, o preço do equipamento de rádio e teledifusão; agora não há absolutamente nenhuma desculpa. A revolução está aí, na cara de todo mundo.

O que temos nas mãos, para aqueles que se interessarem, é algo fenomenal, único na história da humanidade. E para que isso se concretize basta que bloguistas percebam o que têm nas mãos.

Weblogs podem ser definidos em duas palavras: informação e comunidade. O que impede alguém de criar um blog com notícias que interessem ao seu bairro, à sua cidade, à sua categoria profissional como fez o Mauro Amaral, do Carreirasolo? Em vez de perder tempo com sindicatos cada vez mais obsoletos — pelo menos nas áreas mais afetadas pela tal sociedade da informação –, as pessoas deveriam perceber que Marx tinha razão: um problema só aparece quando já existe a solução. E se o mundo de hoje é um problema para muitos que lidam com comunicação, uma das soluções pode ser a possibilidade de publicação individual.

Mas só a existência dessa ferramenta não quer dizer nada: para que blogs tenham algum significado, para que se tornem realmente revolucionários, é preciso que formem comunidades. Isso vai além da relação que se cria entre um bloguista e seus leitores, porque a posição dos leitores é sempre de reação, uma resposta a algo que o bloguista escreveu. É uma via de mão dupla, certo, mas por mais importante que seja — e qualquer um de nós sabe o quanto é importante, o quanto melhora cada post –, a participação dos leitores ainda é provocada. Uma comunidade pressupõe outra coisa, pressupõe participação ativa.

Até agora, quem melhor percebeu o caminho foi o Mauro: é um dos poucos que está realmente criando uma comunidade, algo que parte da cooperação com vistas a um bem comum, não do mero compadrio ou da demonstração vã de talento ou inteligência (eu já disse presente, fessora!). No caso do Mauro, é uma comunidade profissional. Mas isso vale também para outras áreas. A possibilidade de grandes blogs ou wikis, coletivos por definição, pode ser algo muito mais revolucionário do que lançar um jornalzinho semanário jamais foi, pelo menos do ponto de vista da cidadania.

E anteontem o Alexandre, sugerindo a criação de um Clube do Livro, em que as pessoas teriam condições de produzir informação de qualidade, deu uma grande prova disso.

O potencial dos weblogs deveria ter sido percebido por alguns dos milhares de meninos que saem anualmente das faculdades de comunicação e vão brigar por vagas para escrever obituários em jornais. Mas mesmo que não seja, deveria ser percebido por todos aqueles que em algum momento falam em cidadania. Porque há pólvora aqui, muita pólvora. Basta agora acender o rastilho.

12 thoughts on “Mídia do cidadão

  1. Muito interessante o seu texto. E não posso deixar de notar que nós percebemos, até intuitivamente, esse poder que emana da produção nos blogs, quando abrimos o “Dos quatro cantos”, eu e mais 5 amigos virtuais. Vamos propor temas de interesse à pessas que nos lêem e acreditamos que dentro das nossas possibilidades e intuitos, vamos causar nossa pequena revolução sim. Sabemos que a idéia de original não tem nada, mas acreditamos, de alguma forma, nesse poder do ‘unir-se para discutir’. A propósito, valeu a sua visita lá, logo no dia da estréia. Sou um leitor assíduo do seu Blog, apesar de muitas vezes me sentir muito verde para comentar os seus posts. Abs

  2. Concordo com o “poder” q o blog tem atualmente, mas tenho um comentario: a potencial criacao de uma infinidade absurda de informacoes (via blog ou megablog) tambem estah gerando grandes erros de divulgacao, principalmente porque ainda nao sabemos gerenciar a informacao de forma eficaz. (O Google jah eh uma grande ferramenta, mas falta muita coisa ainda.) Eh aquela coisa do “fulano no blog disse, entao tah certo”. Eh claro q isso vai do julgamento individual, da percepcao critica de cada um, da qualidade da fonte utilizada pela pessoa pra gerar aquela informacao, etc. mas acho q estah ficando cada vez mais clara a necessidade de encontrarmos uma forma de filtrar informacoes de maneira efetiva. Porque senao termina virando festa da uva: ninguem mais sabe qual informacao estah certa.
    Mas o poder jah eh grande, e acho q nao hah como negar.
    Excelente post.

  3. É provável que nós, que fazemos parte do grupo, estejamos super-dimensionando o poder que há.

    A mídia tradicional é insubstituível no quesito profissionalismo. Para a pessoa poder se dedicar a fundo à apuração das fontes, é necessário que seja capaz de viver disto.

    E, de todo modo, com tantas opções disponíveis, a função dos editores é cada vez mais importante. O próprio conceito de comunidade, grupo, requer que haja congregação. Daí para a necessidade de organização, é um passo curto.

  4. Amigos,

    A mídia do cidadão, a Eumídia, ou, como em livro publicado podemos ver, a WeMedia, como tudo na vida tem lá seu lado bom. Descrentralização, democratização, liberação da informação de formatos tradicionais.

    Optei por iniciar o carreirasolo.org numa de ajudar a elevar o nível do mercado freela de profissionais Web. Hoje, os leitores que chegam são músicos, administradores de empresas, jornalistas…como bem disse você Rafael, a grande mudança de paradigma é poder formar comunidades. E saber que ela é maior do que sua necessidade de publicar. O Alex diz que o LLL hoje, quase se escreve sozinho.

    No CS, isso está començando a acontecer de uma forma suavemente diversa. Alguns leitores começam a pedir para participar, publicando textos. Outro dia me pediram para denunciar um cliente mal pagador. A “comunidade” reclamou que não tinha um espaço para continuar os assuntos introduzidos nos posts. Resultado: criei um Forum e lhes dei mais espaço. Agora, as discussões do Site continuam e todos podem publicar textos mais consistentes do que comentários, e eu ainda escapo dos advogados caçadores de bloggers. A seção Galerasolo recebe uns 4 e-mails por semana de gente querendo mostrar seu trabalho. E eu abro espaço, de graça. Todo mundo pode mostrar seu portfólio, desde queseja bom. E tenho recebido e-mails de garotos de 15 anos que já tem um trabalho consistente e sem vícios. 15 anos! Daqui há 5 este cara vai dizer que começou por lá.

    Mas não pára por aí: alguns me perguntam se a “equipe” do Carreirasolo está oferecendo vagas. Ou se posso publicar vagas do mercado para facilitar a vida de quem está procurando um emprego. Ou, o que me assustou das três vezes que aconteceu: alguém pergunta que faculdade indico para cursar. Ou se esta ou aquela instituição é boa…

    Enfim, liberalizante, democratizante, este formato é. Cabe a nós não nos embriagarmos e queremor replicar, ou multiplicar, os erros das mídias tradicionais.

    Podemos criar comunidades ao redor de nossos conteúdos? Devemos. Paguem quando puderem.

  5. pois é. primeiro você tem que ver DE ONDE parte a informação. e o povo está começando a perceber isso. para dar um exemplo: um vereador de liemira fez graves acusações sobre um jornalista. o jornal onde trabalha tal jornalista não fala sobre o caso… o outro jornal da cidade também não se manisfesta por um certo corporativismo. nosso site é que está fazendo a coisa ferver… mas não foi nesse sentido, muito menos no sentido da PREOCUPAÇÃO em ouvir os dois lados – uma espécie de besteira acadêmica institucionalizada -que eu disse que muitos blogs são jornalísticos: é pelo simples FAZER, construir, moldar, opinar, analisar e divulgar fatos. e aqui poderia escrever muito sobre isso… teses estão fervilhando sobre o assunto nas faculdades. o fenômeno é novo. mas que o blog do rafa é jornalístico, sem dúvida!

  6. em tempo… cadê o Alexandre? “Blog é Jornalismo?” é o mesmo tipo de pergunta de “Blog é Literatura?”. como disse pro Alexandre: as peguntas são péssimas, mas as questões, não! só para completar, ufa!, uma mistura de jornalismo e literatura, ainda sobre esse evento que o itaú cultural promoveu pra discutir a NOVA LITERATURA, leiam o CARDOSO (http://www.exquisite.com.br/cardoso) e me digam se aquela carrada de posts que ele fez sobre o evento são ou não literatura e, ao mesmo tempo, jornalismo?

  7. O problema é a tarja formal de “literatura” ou “jornalismo” . O blog é hoje e deve continuar sendo uma área de lazer, um porto de passagem. Aqueles que levam mais a sério, anseiam passar para um novo nível (quem faz literatura a sério no blog sonha editar e que os livros sejam seu novo meio de comunicação). Mas o blog também é o espaço para a informação alternatva, que é tão importante para manter a oxigenação do pensamento no mundo. Blogs como o do Mauro Amaral só já não se tornaram sites por que a ferramenta blog oferece hoje muitos recursos. É provável que um blog fique pequeno para o Mauro.

  8. Rafael,
    Creio que toda essa história de internet, e-business, blogosfera e até webcam, são ainda muito incipientes na raiz da nossa cultura. Alguns anos irão passar até que as pessoas vejam tudo isso como uma parte do cotidiano, mas não a parte mais importante. Isso não significa que uma prostituta que domine a internet, tenha um blog com um link para a sua webcam, não esteja tendo sucesso com o e-business. 🙂
    Ciao.

  9. Sou suspeita pra falar, mas tá muito bom esse Mídia do Cidadão, viu?…Beijinhos ;-))

  10. Olá Rafael,

    Cheguei aqui via o Marcus Pessoa, do Velho do Farol.

    Eu fui um dos que comentei o post do Alexandre.

    Cada vez mais estou desenvolvendo um critério muito pragmático e utilitário para colocar links no meu blog: linko aqueles blogs e sites que gosto de visitar amiúde. Mesmo aqueles que me emputecem às vezes.

    O que não será o seu caso, é claro. 🙂

    abçs

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