E assim se passaram 60 anos

Daqui a pouco, em maio, vai-se comemorar o fim da II Guerra Mundial na Europa. Alguns meses depois, agosto, vai ser a vez do fim da guerra no Pacífico.

Mais uma vez vamos ouvir a história sendo contada de acordo com os americanos. Por exemplo, vão falar de como eles venceram a guerra na Europa. Só vão esquecer que, entre junho de 1941 e janeiro de 1945, a União Soviética enfrentou 78% das tropas alemãs. Depois disso, com os EUA e o que restou da Inglaterra avançando (e também o general De Gaulle gritando sozinho “nós vencemos, nós vencemos”), esse percentual diminuiu. Para 58%. Os Estados Unidos perderam 400 mil soldados naquela guerra. A URSS perdeu 13 milhões.

Mas o que importa é que quem conta a história é quem decide o que se passou, e para todos nós, 60 anos depois, a verdade absoluta é que sem os yankees comedores de putas alemãs os nazistas teriam vencido. Claro.

Vão falar também, pela enésima vez desde 1989, quando o assunto voltou à baila, do pacto Ribbentrop-Molotov de 1939. Vão aproveitar para descer a lenha no canalha do Stálin, vão chutar cachorro morto e dar um jeito de encaixar sua habitual imprecação contra o marxismo — esse monstro que todos eles, ignorantes mas militantes fáceis de uma causa que sabem vencedora, não conhecem mas espancam assim mesmo — vão dizer que a URSS se aliou a Hitler em sua sanha de divisão do mundo, etc.

Só vão esquecer, de novo, que em 1934 Stálin avisava que uma nova guerra estava se formando na Europa, e era contra ele. Que a ascensão do nazismo foi tolerada pelo resto da Europa, e indiretamente pelos Estados Unidos, como medida profilática para evitar que o comunismo se espalhasse pelo mundo — como se Stálin tivesse, naquele momento, alguma vontade em relação a isso, como se não tivesse traído os comunistas alemães em 1927. Vão esquecer que o anti-semitismo nazista, pré-Holocausto, foi tolerado como um mal menor dentro de um jogo político muito mais importante. Vão esquecer que o pacto era imperativo para Stálin, que imediatamente começou a transferir as indústrias soviéticas da Ucrânia para além Urais, sabendo que o pacto não iria durar para sempre e que mais cedo ou mais tarde Hitler iria partir para cima dele.

E isso só em maio. Em agosto vão comemorar — melhor dizendo, rememorar — Little Boy e Fat Man.

As explosões de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki foram um dos maiores crimes já cometidos contra a humanidade. Em muitos aspectos — talvez aspectos demais — foi algo tão monstruoso quanto o Holocausto. Não pelo número de mortos (cerca de 110 mil, nas duas cidades, 130 mil feridos e, nos cinco anos seguintes, mais 230 mil mortos em decorrência da radiação), mas pela capacidade de matar tanta gente, em tão pouco tempo, de maneira tão torpe mas tão eficiente. E porque há, sim, um componente de racismo naquela decisão. Não um racismo óbvio como o nazista, mas algo muito mais sutil, talvez até secundário.

Por mais que se negue, é difícil imaginar que os americanos explodiriam dessa forma a Alemanha, embora o bombardeio da Berlim já ajoelhada tenha mostrado uma fúria injustificável — as imagens que sobraram mostram uma cidade completamente destruída, muito mais que o “necessário”.

Há algum tempo, assisti a um filme americano dessa época, típico do esforço de guerra. Os termos utilizados — de amarelo nojento para baixo — indicavam algo mais grave que a simples raiva de um inimigo. Havia racismo naquelas palavras. Não era sequer novo: orientais sempre tiveram vida difícil nos Estados Unidos. Se os americanos não tinham nenhum motivo específico para odiar os alemães, contra os japoneses foi diferente. Foram eles que bombardearam Pearl Harbor inesperadamente, tentando destruir sua marinha e prejudicar sua entrada na guerra, àquela altura já inevitável. O ódio justificado pelo ataque traiçoeiro catalisava o racismo. E já que eles tinham que dar um recado importante à União Soviética, nada melhor que juntar o útil ao agradável. Uma coisa é explodir a mãe Europa; outra, muito diferente, é dar uma lição àqueles amarelos comedores de peixe cru.

Hiroshima e Nagasaki deveriam bastar para colocar Truman e os Estados Unidos no banco dos réus em Nuremberg. Mas há uma lição que todos aprenderam há alguns milênios: não existem criminosos de guerra entre os vencedores. Vencedores não cometem crimes, apenas modificam a jurisprudência.

Bem, talvez nada disso seja importante agora. Tudo isso aconteceu há muito tempo, há três gerações. Nesses 60 anos as coisas mudaram. O Holocausto não foi apenas uma das maiores representações do Mal na história da humanidade; foi a justificativa que faltava para tornar a II Guerra Mundial a única guerra santa dos americanos. E agora, mais uma vez, vamos ouvir a história contada por eles. Eu só não sei qual é exatamente a lição que se pode tirar daí.

22 thoughts on “E assim se passaram 60 anos

  1. Rafael, vc disse:

    “Os Estados Unidos perderam 400 mil soldados naquela guerra. A URSS perdeu 13 milhões. Mas o que importa é que quem conta a história é quem decide o que se passou, e para todos nós, 60 anos depois, a verdade absoluta é que sem os yankees comedores de putas alemãs os nazistas teriam vencido. Claro.”

    Vc falou bem: “pra nós”. Nós estamos na esfera de influência dos americanos, então ouvimos a versão deles da história. Também existem milhões de pessoas que estão na esfera de influência russa e ouvem o outro lado da história, que o camponês russo venceu sozinho a Grande Guerra Patriótica e o Dia D não foi lá nada demais.

    Estudei a Grande Guerra Patriótica a fundo, é um assunto que me apaixona, talvez seja hora de um post sobre isso.

  2. Rafael,

    Descobri o teu site hoje por acaso.
    Muito boa leitura.

    Sobre história, ela sempre é contada pelos vencedores.

    um abraço.

  3. Se o objetivo do pacto nazi-soviético foi mera proteção, por que Stalin violou a soberania das repúblicas bálticas e da Finlândia? Invadir outros países para se proteger foi a mesma justificativa que Hitler utilizou para tomar Áustria, Tchecoslováquia e Polônia.

    E o massacre de Katyn? Não foi um “favorzaço” que os americanos fizeram para os soviéticos fingindo que não foram eles quem massacrou aqueles soldados poloneses, facilitando a vida de Herr Hitler na conquista polonesa? Isso sem falar nas taxas de mortalidade nos campos de prisioneiros de guerra alemães caídos em mãos soviéticas: mais de 90%.

  4. Tudo bem que, afinal, “estamos na esfera de influência dos americanos, então ouvimos a versão deles da história”, mas também me irrita a mania de diminuir o valor os esforços dos outros aliados, em especial dos ingleses que lutaram sozinhos por 3 anos.
    Na recente comemoração pelos 60 anos do dia D, passaram alguns documentários interessantes no Discovery Channel sobre o desembarque na Normandia que, em resumo, insinuam que o massacre das tropas americanas em Omaha foi fruto de uma grande cagada do Tio Sam.
    Explicando para quem não lembra: No dia D, as tropas aliadas se dividiram em diversas praias ao longo da costa – os americanos ficaram com duas, os ingleses com uma e os canadenses, junto com o resto, com outra.
    Indubitavelmente a maior resistência e o maior número de baixas se deu nas praias dos americanos, o que sempre foi motivo do maior orgulho naquele sentido de “os sacrifícios de nossos rapazes”.
    Pois bem, os veteranos britânicos entrevistados nos tais documentários foram unânimes em afirmar que a marinha americana teria falhado em oferecer cobertura ao desembarque das tropas e que teria lançado os tanques anfíbios longe demais da costa. Resultado: os tanques afundaram e os soldados chegaram sozinhos para enfrentar as defesas alemãs.
    Nas praia dos ingleses, as baterias alemãs teriam sido suficientemente enfraquecidas antes do desembarque que contou, ademais, com o apoio dos tanques.

  5. A interpretação americana deturpadora da história é realmente um saco. Acho que deveriamos começar a fazer uma interpretação latino-americana da história norte americana. Assim poderiamos dar o troco aos porcos capitalistas comedores de catchup.

  6. Sinceramente, este é o pior POST que leio neste blog.

    Concordo que a historia contada pelos vencedores. No mundo Ocidental, onde a influencia dos Estados Unidos é enorme, a participacao deste pais na segunda guerra mundial é exarcebada muito alem dos limites da verdade.

    Posto isto, o resto do post é extremamente parcial: O uso de armas nucleares para decidir a vitoria no Pacifico é considerada como um crime de Guerra. Por outro lado, a invasao de toda a Europa Oriental que pasou decadas sobre o dominio da URSS e os milhoes de mortos nos campos de exterminio da URSS na época se Stalin sao deixados de lado, como se isto nao fosse relevante. Francamente!

  7. É estranho… Eu vivo pensando que sou alienada, que não entendo nada de coisa nenhuma. Mas aí fico pensando mais uma coisa: existe A VERDADE nisso tudo? Existe a análise correta, aquela que leva em conta tudo o que aconteceu sem as arbitrariedades de sempre? Pra variar, não sei. Bom, vou parar por aqui, pois isso provavelmente é pensamento de quem não lembra lhufas daquilo que andou estudando no colégio e que prefere pensar no próprio umbigo.

  8. Rafael, parabéns: são poucos os donos de blog que fazem posts sobre a História das Terras Alternativas sem avisar o leitor. Vai ter gente acreditando na tua versão esdrúxula da Segunda Guerra.

  9. Li metade do post. Não é um assunto que eu goste de comentar, digo que tenhop pouco conhecimento para isso, mas…

    O Tarantino está filmando sobre os soldados da II Guerra Mundial.

    Estreia esse mes (não lembro o dia), um documentario falando como a guerra na Alemanha foi “patrocinada” por Hollywood.

    Acho interessante assistir.

  10. Só li este post do seu blog e – por falta de tempo – provavelmente não lerei outros, mas devo dizer que ele é excelente, mostrando a quem coube o verdadeiro peso da guerra.
    Na verdade, estou escrevendo este comentário apenas para dizer que se engana quem pensa que há milhões de “vítimas” do comunismo ou de Stálin. Para estes, recomendo um estudo sério a respeito. Este estudo pode ser iniciado pela leitura de um artigo que saiu na American Historical Review número 93 (ou 92, não tenho certeza), é o primeiro artigo do quarto volume e trata das fontes documentais sobre o sistema penal soviético entre 1921 e 1953. Além disso, devo dizer que o acordo entre Alemanha e União Soviética também serviu para que esta expandisse sua defesa algumas centenas de quilômetros além de suas fronteiras.

  11. Com o fim da União Sovietica e da guerra fria a real dimenção da contribuição americana e sovietica, para a derrota da Alemanhã, foi reconhecida por ambos. É verdade que o grande publico americano, com pouco conhecimento de historia, e historiadores ultra-nacionalistas, como S. Ambrose, fazem pouco da contribuição sovietica, mas a maioria dos historiadores norte americanos e o publico com conhecimento de historia militar admitem claramente o papel preponderante da União Sovietica na derrota da Alemanhã Nazista. Da mesma forma os russos hoje reconhecem que sem a ajuda economica maciça dos EUA eles não teriam vencido.
    O desastre que se abateu sobre a União Sovietica em 1941, em boa medida graças às decisões de Stalin (os expurgos no exército vermelho e a adoção de uma defesa “em linha” com pouca profundidade nas novas fronteiras após o pacto nazi-sovietico de 1939), impossibilitava uma vitoria da União Sovietica. A transferência de industrias para o leste em 1941, apesar de brilhante para as circunstâncias, foi muito menos eficaz ou completa do que a historiografia sovietica nos queria fazer crer.
    Na verdade a situação Sovietica no final de 1941 e no ano de 1942, seria o equivalente a um Brasil sem toda a região ao sul de Brasília, com a perda das áreas industrializadas do Sul, São Paulo, Minas e Rio e das regiões agricolas do Mato Grosso do Sul, tendo que continuar uma guerra com o nordeste e a região amazonica.
    No pós guerra a União Sovietica gostava de tocar na tecla de que 80% do armamento e a quase totalidade(95%)dos tanques e canhões usados pelo exercito vermelho eram russos, mas escondia o fato de que isso só foi possivel porque a ajuda americana possibilitou aos russos se concentrar exclusivamente na produção de armamentos como tanques e canhões. Como explicar o fato de que a União Sovietica, que produzia metade da quantidade de aço do que a Alemanhã, conseguisse fabricar duas vezes mais tanques?
    Um terço de todos veiculos, no exército vermelho,eram americanos e os Fords, Studebakers e Jeeps eram mais confiaveis do que os veiculos russos. Metade dos equipamentos de radio eram americanos. Dos EUA vinham 58% do combustivel de aviação, 53% dos explosivos, 50% do aço,aluminio e borracha(esse último item contribuição brasileira). Além dos 57% dos trilhos ferroviarios, os americanos entregaram 1900 locomotivas aos russos, enquanto esses produziram 92, e 11075 vagões para completar os 1087 de origem russa. E para completar esses numeros impressionantes, metade de toda tonelagem do “Lend-Lease” americano para a União Sovietica era de alimento.

  12. oi gente vim mandar um beijo pra Rafael Galvão pq eu achei ele uma graçinha!!!beijos da Corrinha lindo!!!!!

  13. Uma correção. Entre soldados e civis (o que desde a segunda não faz diferença) morreram 27 milhões de soviéticos (o holocausto não foi só dos judeus).
    Segundo, ninguém comenta para onde foram os cabeças do programa de eugenia desenvolvidos no centro Kaiser Wilhelm de antropologia e higiene social. Pois como poucos sabem, alguns foram “importados” pelos EUA para trabalhar como pesquisadores ou colaboradores de grandes empresas como Rockefeller (que financiou as “pesquisas com seres humanos em centros de estudos nos países ocupados”) ou foram criar o conselho da ONU para o controle de natalidade, como Ernst Rudin, o “orientador” de Menguelle. Ninguém fala que dos 300 cientistas envolvidos com estudos em campos de concentração, apenas 52 foram julgados e 2 condenados.
    Mal sabemos que os grnades mentores intelectuais e executores da solução final foram todos salvos pelos EUA e UK e depois tratados como grandes cientistas a contribuir para o controle da natalidade (leia-se eugenia social).
    obs. Muito bom seu texto.

  14. ola, estava a procura de um trabalho de historia ”60 ANOS DO FIM DA 2ª GUERRA MUNDIAL – PACTO NAZI-SOVIÉTICO”…
    e por acaso achei essa pag.. muito bom o texto, acho q vai me ajudar bastante, se souber de mais alguma coisa q desrespeite esse assunto peço que se possivel me mande por email. Mto boa a contribuiçao..

  15. Ninguém se lembra também do genocídio perpetrado por Stalin contra os ucranianos, na década de 30, antes do início da II Guerra. Stalin matou de fome (planejadamente), mais de 50 milhões de ucranianos. A isso deu-se o nome de “holomodor”.

  16. Olá, adorei a leitura. estou pesquisando um fato não muito analizado e não encontrei nenhuma opinião sobre este.
    Se os aliados (frança e inglaterra) declararam guerra a Alemanha nazista para defender a Polônia por que não fizeram o mesmo contra a União Soviêtica.
    Analizando desta forma, seria mais justificado a ação Alemã em reconquistar territórios que lhes foram tomados após a primeira guerra e incorporados a Polônia e ao qual avia ainda grande parte da população alemã. Stalin atacou para conquistar novos territórios simplesmente.
    Acho que a Polônia foi mais uma desculpa aliada para leigos.
    A propósito a frase:” A istória é escrita pelos vencedores”, foi dita por KEITEL nos jugamentos de Nuremberg.

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