1989

Vinha procurando esses dados há mais de seis anos: os candidatos a presidente do Brasil no primeiro turno das eleições de 1989.

As pessoas, hoje, não parecem fazer idéia do que aquelas eleições representaram. Eram o fim definitivo da ditadura, as primeiras eleições diretas para presidente em 29 anos, e a primeira vez em que pessoas com 16 anos votaram.

Aquelas eleições foram um dos maiores espetáculos de democracia que este país já viu, traduzido na imensidão de joões ninguém que disputaram a eleição. Para mim, pessoalmente, foram o ponto máximo de minha participação política como cidadão. E como a minha vocação para político só não é menor que a vocação para desfilar na Visconde de Pirajá vestido de baiana, deve continuar assim.

Eu me lembrava da maioria dos candidatos; as exceções eram Zamir, Lívia Maria, Eudes Mattar, Antônio Pedreira e Manoel Horta, que não sei de onde saíram e muito menos aonde foram. Aquela eleição foi o ápice de Marronzinho (por acaso sergipano), que aparecia amordaçado no vídeo. Foi quando Enéas apareceu e se tornou lenda, o suficiente para um terceiro lugar em 1994 e, em 2002, para carregar nas costas a Havanir (também sergipana; se junta a Marronzinho e a Lourival Fontes como as grandes contribuições políticas de Sergipe ao Brasil).

Lembro de no Congresso da UBES em Santo André, ainda em setembro, me indignar com os bobões da Convergência Socialista, que queriam o apoio da entidade a Lula já no primeiro turno. Definitivamente, os trotskistas não sabiam fazer política (o PT acabou dando um pé na bunda deles, que formaram o PSTU). Lembro de uma certa simpatia pelo Celso Brant, de uma grande antipatia por Roberto Freire, o divisionista, e de ficar assustado com o crescimento de Afif — por uns quinze dias. Lembro do jingle de Affonso Camargo (“Dois patinhos na lagoa”) e de achar graça na tentativa de substituírem Aureliano Chaves por Sílvio Santos, que chegou a fazer uns dois programas.

Aquela eleição marcou o início da decadência de Brizola e o enterro de Ulysses. Deu 15 minutos de fama a Ronaldo Caiado (não por acaso goiano). Terminei aquela eleição pesando pouco mais de 60 quilos, passei o Natal de cama com febre de não sei quantos graus, mas valeu a pena, sim: no dia 8 de novembro, nós paramos o comício de Lula para que nos vissem chegar, certamente uma das maiores passeatas de estudantes que esta cidade já viu. Eu asseguro: o impeachment de Collor não foi nada perto daquilo. E fomos nós que fizemos aquilo.

Talvez não tenha dado muito certo naquela hora. Nós queríamos um novo Brasil e tudo o que conseguimos foi um Brasil Novo. Mas que valeu a pena, valeu. E isso só quem viveu sabe o que foi.

CANDIDATOS A PRESIDENTE EM 1989
Fernando Collor – PRN/PST/PSL
Lula – PT/PSB/PCdoB
Leonel Brizola – PDT
Mário Covas – PSDB
Paulo Maluf – PDS
Guilherme Afif – PL/PDC
Ulysses Guimarães – PMDB
Roberto Freire – PCB
Aureliano Chaves – PFL
Ronaldo Caiado – PSD/PDN
Affonso Camargo – PTB
Enéas Carneiro – PRONA
Marronzinho – PSP
Paulo Gontijo – PP
Zamir – PCN
Lívia Maria – PN
Eudes Mattar – PLP
Fernando Gabeira – PV
Celso Brandt – PMN
Antônio Pedreira – PPB
Manoel Horta – PDC do B

(Os números da eleição podem ser encontrados aqui.)

Mainardi ou os tempos que passam

Há alguns dias encontrei um amigo numa livraria. Ele estava comprando alguns livros, entre os quais o último do Diogo Mainardi. E falou: “O Mainardi é necessário”.

Entendi o que ele quis dizer. Que é necessário alguém que sacuda as coisas. Mas entender não quer dizer concordar.

Esse amigo é uma das pessoas que mais respeito. Também uma das que mais me ensinaram — quer dizer, ensinaram não, que aquele filho da mãe não me ensinou nada, sempre condescendente demais comigo; eu é que aprendi olhando o seu exemplo. Por isso a surpresa.

Porque das duas, uma: ou o Mainardi não é necessário coisa nenhuma, ou este país está mal das pernas.

Houve um tempo em que os grandes polemistas deste país eram Carlos Lacerda, Helio Fernandes e Paulo Francis. Todos eles eram pessoas extremamente preparadas. O cabedal intelectual de todos eles era imenso, especialmente o de Lacerda, talvez um dos homens mais inteligentes que este país já viu. Pessoalmente, estou mais familiarizado com o Paulo Francis, que comecei a ler aí pelos últimos anos da década de 80. O Hélio Fernandes, o último deles, está encastelado em um jornal sem nenhuma importância, e o que escreve não tem mais ressonância.

A esses eu poderia dar o nome de polemistas, sem pejo. Uns mais, outros menos, todos eles tiveram alguma importância na história brasileira dos últimos 50 anos. Nenhum deles tanto quanto Lacerda, claro, o homem que fez Getúlio se suicidar e que 10 anos depois foi fundamental para o sucesso da redentora, sobrinha desnaturada que o engoliu sem piedade.

Esses homens, concordando-se ou não com eles, foram necessários.

No caso do Mainardi, como já escrevi, tenho a nítida sensação de que o sujeito acorda todo santo dia e se pergunta com o que vai implicar hoje. Só isso. Falta consistência. Falta solidez. E sem isso não se tem polêmica, se tem provocação. Apenas a troca de insultos ou de acusações muitas vezes simplórias. A diferença entre o Mainardi e um polemista de verdade é a diferença entre sátira e paródia.

Além disso, a idéia de polêmica requer um diálogo. E eu não vejo nenhum ali, com exceção da resposta infeliz do Jorge Furtado e dos leitores que esbravejam insultados. Vejo o Mainardi gritando uma coisa aqui, outra ali — sua única constante é a perseguição ao governo Lula, que chega ao nível do rasteiro. Oposição ao governo é louvável em um jornalista, mas duvidosa quando é só contra um governo; não lembro de ver algo parecido nos anos FHC.

O Mainardi, da forma histriônica dele, faz carreira sobre os brios bobos de quem se ofende quando alguém não compartilha seus mesmos credos e não tem vergonha de debochar disso. Paciência.

Talvez o Mainardi faça pensar, mesmo, e talvez ele seja necessário. Eu não acho, porque não consigo achá-lo sério o suficiente para prestar muita atenção no que diz. Mas se ele for realmente necessário, é porque todos nós emburrecemos muito nesses últimos anos.

As alegrias que o Google me dá (XXI)

desenho os incriveis
Rapaz, você não sabe a que conclusão cheguei dia desses: a Mulher-Elástica tem hímen complacente.

bicho de pé combate praga
Combate, sim. Combate essa praga desumanizadora que é a correria do dia-a-dia, combate aquela noção calvinista ridícula de que o trabalho é coisa mais importante, combate tanta coisa. O bicho de pé é uma conquista da Grande Civilização Brasileira, aquela que antecedeu Domenico de Masi em séculos de vagabundagem e malandragem. O bicho de pé é um símbolo de nossa brasilidade, e como tal deve ser reverenciado no seu altar: uma rede com um copo de suco de caju e uma morena bonita e farta lhe fazendo um cafuné.

bater punheta cresce o penis?
Diz aí: se aumentasse você hoje seria um sujeito feliz e enooooorme, não é?

lemas de escolas infantis
Colégio São Francisco de Assis. Feito para o animal do seu filho.
Centro Educacional Herodes. Cortando o mal pela raiz.
Michael Jackson Schools. Giving your little boys a big hand.

quem foi gordard
Boa pergunta. Quem foi Godard, hein? O sujeito que fez “Acossado” ter se perdido dessa maneira, que coisa triste. Por isso eu gosto de Truffaut. Ele não se perdeu. E alguém conhece filme mais agridoce que L’Argent de Poche?

agencias modelos mirinho no estado do piaui
Quer dizer que o Mirinho foi parar no Piauí e inventou de montar uma agência de modelos? Faz sentido. O Primo Altamirando poderia mesmo fazer isso. É a cara dele. (Agora, se você escreveu mirinho em vez de mirim, você bem merece o Mirinho aí.)

quero uma casa no campo?
Se você não sabe, quem sou eu para resolver esse seu problema existencial?

como se chama a doenca que causa dor no penis
Burrice, meu amigo, burrice.

tonho apenas
Que bonito. Não é Antônio. Não é Tony. Não é Antônio d’Alencastro. É Tonho, apenas. Tão bonito, tão simples, tão Tonho.

aguia a foder o dragão
Você anda ouvindo heavy metal e jogando RPG por tempo demais, amigo d’além mar.

operação de hemorroidas
É uma operação como qualquer outra. O doutor mete a faca e tira metade do seu fiofó. Ruim é ter que ficar de bruços e de pernas abertas durante não sei quantos dias. E ouvir as piadinhas de quem vai lhe visitar. Não me convide para uma visita caso você se opere.

aborto danos para o bebe mae
Para o bebê? Para o bebê?

mau cheiro pênis
Lave. Água e sabão costumam operar milagres.

nao acredito em amor
Tão novo — não importa a sua idade, você é sempre novo demais para tamanha desilusão — e tão triste.

por que que o meu penis e pequeno
Olha, amigo, seu momento de dor — “Por quê, Deus, por quê?” — é compreensível. Mas não rasgue sua túnica ainda. Não cubra a cabeça com cinzas. Você sempre pode namorar a Marta Suplicy, que disse que o importante não é o tamanho da varinha etc.

afinal papai noel anda de trenó ou de helicóptero?
Se você já sabe escrever essas palavras e ainda tem essa dúvida, bem… Tudo o que eu posso fazer é lhe desejar boa sorte na vida. Você vai precisar.

pessoas mortas rio tsunami após foto
Não sei como não pensei nisso. Mas os necrófilos devem ficar olhando para as fotos, babando e tremendo, enquanto gritam: “Oba, suruba!”

estou procurando a origem dos que tem o sobrenome barros
Não sei se você vai gostar da resposta, mas eles, tadinhos, vêm todos da lama.

culpar os outros por nossas falhas
Por favor, amigo. Há algo mais que uma pessoa decente possa fazer? A idéia de assumir a culpa por suas próprias falhas é nojenta. O que faz o mundo andar é a busca por um bode expiatório.

o que é homosexual
É um gay descrito por um analfabeto.

al bundy meu idolo
É? O meu também. O Google te disse, né?

contos de andersen que se referem ao samba
O Patinho Feio descobriu que era cisne num desfile de fantasias do Sírio-Libanês. Polegarzinha foi adereço em um dos carros alegóricos da Mangueira. O Imperador desfilou sua roupa nova na Portela e acabou saindo em Caras. A Vendedora de Fósforos fez história na bateria da Beija-Flor, batucando na sua caixinha. E a Pequena Sereia foi madrinha da bateria da Mocidade por muito tempo.

design arte da globo.com estou trabalhando faço
Blog errado. Tente o da Tata.

fotos de pessoas horrorosas
Me respeite, cabra. Eu posso não ser lá essas coisas todas, mas aposto que tem gente mais feia que eu. Você, por exemplo.

que veiculo foi usado para se descer na lua
Um fusquinha. Fuscas podem tudo.

simpatia para acabar com as estrias
Conheço uma que é batata. Chama-se “cirurgião plástico”.

motel diaria 50 reais
Conheço um de 6 reais — 7 reais com vídeo. No centro de Fortaleza. Chama-se Styllus Motel. Pode não ser chique, mas vai quebrar seu galho. Lembre-se: 6 reais, 7 com vídeo.

querido papai noel carta engraçada
O Natal passou. Faz mais de um mês. A gente dando graças a Deus por isso e você, não satisfeito, ainda está procurando cartinhas engraçadas? Ah, tenha santa paciência.

oque os esquimós comem?
Focas e baleias. E as mulheres eles dão para as visitas, porque alguém tem que comer as fedorentas.

videos reais de gentes que morreram em vida
Podia ser pior. Podiam morrer depois de mortos.

obra completa de decameron
Luigi de Decameron, também conhecido como Barão de Chiavo, foi um importante escritor italiano do século XVI. Sua obra reflete a tensão estética entre a religião e os prazeres da carne, tornando-o único dentro do cinquecento que, como se sabe, foi um momento de absoluta retomada do controle da sociedade pela Igreja. Entre seus livros mais famosos estão “Na Sacristia com Santa Teresa D’Ávila”, “O Significado Fálico e Homoerótico das Flechas em São Sebastião” e “Eram os Mártires Idiotas?”.

exercicio de logica de raciocinio
Penso, logo existo. Batata não pensa, logo não existe.

como aparecer google
Faça uma “Alegrias”. E se prepare para receber um monte de tarados atrás de sexo com anãs tailandesas.

principais erros do ator amador
O primeiro deles é querer ser ator. Podia ser engenheiro, advogado, podia ser médico, mas inventou de ser ator. O segundo é fazer aquelas peças infantis desgraçadas e contribuir para o quociente médio de chatice da humanidade.

fotos de vagina complacente
Estou tentando imaginar o que é uma vagina complacente. É aquela que olha para o pinto, não vai com a cara dele, mas conclui: “Não tem tu, vai tu mesmo, que essa porra tá em falta”.

por quem os sinos dobram?
Bicho, parece que foi o marido da dona Carmelita. O sujeito estava tão bem, aí de repente puff! Mas o negócio é seguinte: enquanto não for por ti está tudo bem.

como aumentar o tamanho do penis gratis
Método bife: coloque o miudinho numa tábua de carne. Com um martelo, bata até o toquinho ficar grande. Esse método, no entanto, tem um grave efeito colateral: fica grande, mas também fica mole.

sacanagem ela pegou meu penis e
“Sacanagem, ela pegou meu pênis e mostrou rindo para as amigas.”

como e o penis de um deficiente visual
Normal. Por exemplo, você é deficiente mental e também tem um, não tem?

fotos de macho comendo macho
Estão arquivadas na mesma sessão de fotos de discos voadores, duendes e Papai Noel.

banheiro barcas
Eu nunca fui. Dava para esperar. Mas já vi duas coisas lá: uma bichinha que saiu de lá a tapas, dando gritinhos de “Socorro!” depois de uma abordagem mal-sucedida, e uns malandros de São Gonçalo fumando maconha na hora do rush.

não arrotar é prejudicial
À sua falta de educação.

peixes com dezenove anos de idade e uma cara que parece humana
(via NCC)
Podia ser pior, meu amigo. Por isso, pegue esse peixe e saia por aí exibindo o coitado, como no circo de P. T. Barnum. Você vai ganhar uma grana e nunca mais vai precisar se atracar com uma moça de 19 anos com uma cara que parece de peixe.

poesia de chupa penis
Hmmm Hmmmf Hmmm
Mmmmf hmm graufff
Ommm hhmmmmm gll
Hmmmmm onnn auff.

como usar um chapéu panamá
Olha, ajuda muito se você tiver cabeça.

disco voador aracaju ja vi
Viu mesmo? Quando? De lá para cá você já deixou as drogas?

podolatra
Alexandre.

feitiche pés
Alexandre.

tradição oral européia e contos de fadas
Pelo menos a Cinderela eu sei que vem da China, com sua obsessão por pés pequenos ainda que às custas de mutilações. Os chineses são Alexandres com cabelos escorridos e olhos puxados.

mulher musculosa que bate em homens
Alexandre, corre aqui! Está todo mundo procurando por você!

enver hoxha albânia
Ué, ainda existem saudosistas dos tempos em que a Albânia era o farol do socialismo? Alguém realmente se lembra de Enver Hoxha? Deus, eu posso morrer agora, porque nada mais me resta para ver, com exceção da Sandra Bullock nua.

todas as fotos dos maiores membros dos homens mais famosos do mundo nus
Mãe do céu, seu monitor é grande mesmo.

como aumentar o volume do penis na calça
Tente um pepino.

fotos de pessoas que tenha lepra
Ah, rapaz, eu tinha uma coleção imensa. Mas você demorou e agora ela está incompleta. Caíram mãos, orelhas, dedos…

cabeludos com msn e menores 15 anos
Deve ter um 12 anos, ela. E já tem tantos fetiches que eu não quero nem ver o que vai acontecer quando chegar aos 30.

bater uma punheta a uma mulher
Ó gajo, está a haver um pequeno erro de nomenclatura aqui. Essa miúda gira que você pegou não é bem uma mulher. Ela se chama Raimundo e diz para a família em Governador Valadares que é bellboy em um hotel quatro estrelas de Cascais.

santo rafael
Vou mostrar isso para a minha mãe. Ela anda meio descrente, tadinha, depois que uns desocupados resolveram contar a ela as bobagenzinhas que fazíamos na adolescência. Isso vai restaurar a fé dela em mim. Eu tenho certeza.

Aquele povo de Goiânia

Depois dizem que é implicância minha com a capital de Goiás.

Comentário recebido (e bloqueado, porque este é um blog de família) a um post que sequer sabia que Goiânia existe:

Homem muito bonito de GOIÂNIA-GOIÁS, está procurando por mulher ou casal liberal. Quero receber proposta(s) para gostoso ménage masculino. Se você marido sente prazer ou tem vontade de ver sua esposa fazendo sexo com outro homem, me procure. Tenho fotos!! Sou alto, pele clara, olhos verdes, corpo sarado e coxas bem grossas!!! Tenho excelente DOTE!! Sigilo e discrição sempre!! Excelente nivel!! DISPENSO os homossexuais. Se vocês se interessarem, mande um e-mail para: xxxxx@xxxx.com.br

Não são só as meninas de Goiânia, Bia. Os meninos também.

Comentário aos comentários

Os comentários ao último post são interessantes.

Eu só gostaria de fazer algumas poucas ressalvas. O que mais me chamou a atenção foi como o viés ideológico se manifesta não apenas no que se diz e no que não se diz, mas no que a gente acha que faltou alguém ter dito. É quase como se eu tivesse violado a santidade da guerra. Como se a URSS não pudesse ter sido a principal responsável pela vitória aliada porque era liderada por comunistas comedores de criancinhas e porque cometeu seus pequenos crimes antes e durante a guerra.

Por exemplo, João Philippe: aqui não se disse que a União Soviética era liderada por São Stálin. Você caiu no mesmo erro que o Paulo nos comentários do Alexandre, que viu uma declaração de amor ao Exército Vermelho nos números citados. Para entender melhor a situação política que gerou tudo aquilo, procure saber um pouco mais sobre o “leste europeu” resultante do processo que incluiu o fim da I Guerra Mundial e a guerra civil russa. Passe para o Tratado de Munique, quando foi a vez dos países ocidentais dividirem a Europa entre si, e finalmente para o tratado Ribbentrop-Molotov. Essa era a Europa que gerou a Segunda Guerra, em que todos os países fizeram o que acharam preciso para evitar uma guerra que só a Alemanha queria, ao mesmo tempo em que tentavam conseguir o máximo de vantagens possível. A invasão das repúblicas bálticas e da Finlândia, ao mesmo tempo em que podem ser compreendidas dentro do mecanismo que levou à guerra e, sim, medida de proteção (da mesma forma como você constrói um muro em sua casa), tem origens mais remotas. Talvez nenhuma delas seja justificável, mas não era disso que o post falava. E Katyn foi mesmo um crime: mas a União Soviética também estava entre os vencedores, não estava? Agora você entendeu o que eu queria dizer?

A isso se chama política. Eu não preciso citar Von Clausewitz.

Percival, a primeira coisa a fazer é verificar a definição de crime de guerra. É realmente um conceito subjetivo, apesar de usado em Nuremberg, mas se o Holocausto é um crime de guerra (até a ditadura de Pinochet é considerada por alguns crime contra a humanidade), por que Hiroshima e Nagasaki não são? Os critérios conferem: democídio, destruição de cidades inteiras, uso de armas venenosas. Quanto à “necessidade militar”, Eisenhower era contra, porque acreditava que os japoneses (que naquele momento se debatiam entre negociar a rendição e a linha dura que queria a guerra até o último homem; dizer que os japoneses jamais se renderiam é uma inverdade, como seria mentira dizer o contrário) já estavam derrotados. MacArthur não foi consultado, mas depois diria que tudo aquilo era desnecessário. Quanto aos gulags, a gente estava falando da guerra. Não misture as coisas. Do contrário eu vou reclamar que faltou falar no conflito de Ruanda. Ou da invasão de Granada pelos americanos. Ou do que Saddam fez com os curdos. Ou de quem matou Joana D’Arc, ué.

Se bem que, opinião por opinião, acho que a mais válida é a de Leó Szilárd, um dos desenvolvedores da bomba:

If the Germans had dropped atomic bombs on cities instead of us, we would have defined the dropping of atomic bombs on cities as a war crime, and we would have sentenced the Germans who were guilty of this crime to death at Nuremberg and hanged them.

Cisco, quanto à “versão esdrúxula das terras alternativas”, eu só posso recomendar uma coisa: leia mais. Sobre o teatro europeu pode ser o livro recomendado pelo Alexandre. “Ascensão e Queda do III Reich”, do William Shirer, é leitura obrigatória. É melhor do que fazer witty comments sem substância alguma.

Sinceramente, eu preferia que implicassem com a acusação de racismo na decisão de usar a bomba. Era a única “idéia” do post, e questionável. No entanto, o pessoal preferiu brigar com fatos. Eu, hein.

E assim se passaram 60 anos

Daqui a pouco, em maio, vai-se comemorar o fim da II Guerra Mundial na Europa. Alguns meses depois, agosto, vai ser a vez do fim da guerra no Pacífico.

Mais uma vez vamos ouvir a história sendo contada de acordo com os americanos. Por exemplo, vão falar de como eles venceram a guerra na Europa. Só vão esquecer que, entre junho de 1941 e janeiro de 1945, a União Soviética enfrentou 78% das tropas alemãs. Depois disso, com os EUA e o que restou da Inglaterra avançando (e também o general De Gaulle gritando sozinho “nós vencemos, nós vencemos”), esse percentual diminuiu. Para 58%. Os Estados Unidos perderam 400 mil soldados naquela guerra. A URSS perdeu 13 milhões.

Mas o que importa é que quem conta a história é quem decide o que se passou, e para todos nós, 60 anos depois, a verdade absoluta é que sem os yankees comedores de putas alemãs os nazistas teriam vencido. Claro.

Vão falar também, pela enésima vez desde 1989, quando o assunto voltou à baila, do pacto Ribbentrop-Molotov de 1939. Vão aproveitar para descer a lenha no canalha do Stálin, vão chutar cachorro morto e dar um jeito de encaixar sua habitual imprecação contra o marxismo — esse monstro que todos eles, ignorantes mas militantes fáceis de uma causa que sabem vencedora, não conhecem mas espancam assim mesmo — vão dizer que a URSS se aliou a Hitler em sua sanha de divisão do mundo, etc.

Só vão esquecer, de novo, que em 1934 Stálin avisava que uma nova guerra estava se formando na Europa, e era contra ele. Que a ascensão do nazismo foi tolerada pelo resto da Europa, e indiretamente pelos Estados Unidos, como medida profilática para evitar que o comunismo se espalhasse pelo mundo — como se Stálin tivesse, naquele momento, alguma vontade em relação a isso, como se não tivesse traído os comunistas alemães em 1927. Vão esquecer que o anti-semitismo nazista, pré-Holocausto, foi tolerado como um mal menor dentro de um jogo político muito mais importante. Vão esquecer que o pacto era imperativo para Stálin, que imediatamente começou a transferir as indústrias soviéticas da Ucrânia para além Urais, sabendo que o pacto não iria durar para sempre e que mais cedo ou mais tarde Hitler iria partir para cima dele.

E isso só em maio. Em agosto vão comemorar — melhor dizendo, rememorar — Little Boy e Fat Man.

As explosões de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki foram um dos maiores crimes já cometidos contra a humanidade. Em muitos aspectos — talvez aspectos demais — foi algo tão monstruoso quanto o Holocausto. Não pelo número de mortos (cerca de 110 mil, nas duas cidades, 130 mil feridos e, nos cinco anos seguintes, mais 230 mil mortos em decorrência da radiação), mas pela capacidade de matar tanta gente, em tão pouco tempo, de maneira tão torpe mas tão eficiente. E porque há, sim, um componente de racismo naquela decisão. Não um racismo óbvio como o nazista, mas algo muito mais sutil, talvez até secundário.

Por mais que se negue, é difícil imaginar que os americanos explodiriam dessa forma a Alemanha, embora o bombardeio da Berlim já ajoelhada tenha mostrado uma fúria injustificável — as imagens que sobraram mostram uma cidade completamente destruída, muito mais que o “necessário”.

Há algum tempo, assisti a um filme americano dessa época, típico do esforço de guerra. Os termos utilizados — de amarelo nojento para baixo — indicavam algo mais grave que a simples raiva de um inimigo. Havia racismo naquelas palavras. Não era sequer novo: orientais sempre tiveram vida difícil nos Estados Unidos. Se os americanos não tinham nenhum motivo específico para odiar os alemães, contra os japoneses foi diferente. Foram eles que bombardearam Pearl Harbor inesperadamente, tentando destruir sua marinha e prejudicar sua entrada na guerra, àquela altura já inevitável. O ódio justificado pelo ataque traiçoeiro catalisava o racismo. E já que eles tinham que dar um recado importante à União Soviética, nada melhor que juntar o útil ao agradável. Uma coisa é explodir a mãe Europa; outra, muito diferente, é dar uma lição àqueles amarelos comedores de peixe cru.

Hiroshima e Nagasaki deveriam bastar para colocar Truman e os Estados Unidos no banco dos réus em Nuremberg. Mas há uma lição que todos aprenderam há alguns milênios: não existem criminosos de guerra entre os vencedores. Vencedores não cometem crimes, apenas modificam a jurisprudência.

Bem, talvez nada disso seja importante agora. Tudo isso aconteceu há muito tempo, há três gerações. Nesses 60 anos as coisas mudaram. O Holocausto não foi apenas uma das maiores representações do Mal na história da humanidade; foi a justificativa que faltava para tornar a II Guerra Mundial a única guerra santa dos americanos. E agora, mais uma vez, vamos ouvir a história contada por eles. Eu só não sei qual é exatamente a lição que se pode tirar daí.

Quarta-feira de cinzas

Os posts do Leo sobre o carnaval são uma delícia. É bonito ver alguém que ama tanto o carnaval — e são úteis, extremamente úteis suas lições de como ser bom de multidão. O sujeito entende mesmo disso.

Eu teria inveja, se não tivesse alergia a suor (literalmente), se não tremesse ante a simples hipótese de alguém pisando nos meus delicados pezinhos 43/44, se o carnaval não fosse a única época em que não gosto de Salvador e se não preferisse estar, como agora, ouvindo Brian Wilson e Paul McCartney cantando juntos A Friend Like You.

Mas se eu gostasse de carnaval, ah, meu amigo, eu queria ser como o Leo.

Receita de mulher

Um amigo diz que mulher tem que beber.

Outro diz que mulher tem que deixar um rastro de perfume quando passa. Mulher que não cheira, não presta.

O avô do Bia diz que mulher tem que saber contar piada.

E o Vinícius diz que mulher tem que ter saboneteiras.

Eu tenho outra teoria. A mulher tem que entender de algumas coisas: um pouco de cinema, um pouco de literatura, um pouco de música, um pouco de política, um pouco de arte. Não precisa ser muito, porque muito não se deve exigir: só o bastante para ter uma opinião, o suficiente para não passar vergonha, para não ficar calada numa mesa de bar, entediada e entediando.

Mas tem que haver um contraponto, e é aí que está o segredo.

A mulher tem que gostar de filmes bobos.

Porque é isso que faz a mulher, é esse toque feminino, da donzela à espera do cavaleiro que a salvará — mas não em um cavalo branco, porque aí é “Uma Linda Mulher” e clichê demais; e tampouco pode ser mais que um toque. Aquele mínimo de solidez tem que ser contrabalançado em uma leveza meio etérea, algo que se sabe que está ali, mas que não se pode pegar — e se se pudesse, se esvaneceria no ar.

O contrário é mulher que gosta de Godard, e ninguém que goste de Godard pode estar em seu juízo perfeito.

A mulher tem que gostar, por exemplo, de Notting Hill. Tem que saber quem é Kurosawa — não precisa gostar, só precisa saber quem é –, tem que conhecer um tiquinho de cinema francês e ter visto pelo menos um Buñuel; mas tem que dar um sorriso bonito e franco quando vê o Hugh Grant pedindo para a Julia Roberts ficar.

Não precisa chorar, nem deve, porque mulher que chora nessas horas também chora em outras menos apropriadas; mas precisa sentir a beleza boba e fútil da coisa, e não ter vergonha disso, nem querer parecer o que não é — o que só não é pior do que realmente ser. Precisa apenas saber que algumas coisas não devem ser explicadas, jamais, porque então correm o risco de desaparecer. A mulher tem que ser alguém que, mesmo sem conhecer as notas musicais, fecha os olhos e sorri tranqüila para si mesma quando ouve um trechinho de Albinoni.

Porque se fosse para fazer outra analogia, eu poderia dizer que mulher não pode ser Wagner, nunca; e se for Vivaldi se torna vulgar e dispensável. Talvez seja isso. A mulher, a mulher mesmo, tem que ser um andante de Albinoni que gosta de Notting Hill.