O surfista e o fantasma

Durante algum tempo julguei ter uma idéia genial.

O Fantasma era um personagem com o qual se podia fazer grandes coisas. Graças à sua estrutura podia-se matar o personagem de 20 em 20 anos, ele podia dar respostas mais adequadas a cada geração, seu interesse podia ser sempre renovado. Ele podia ter todo tipo de problemas, podia ser alterado sem que se recorresse a fórmulas arriscadas.

(Era uma idéia equivocada, como admiti em um dos primeiros posts deste blog. É um bom post.)

Mesmo tendo sido criado em 1936 por um americano, o Fantasma é um personagem vitoriano. É um produto da visão colonial inglesa. Se hoje é possível olhar para trás e ver que a data corresponde mais ou menos ao início da decadência do colonialismo britânico na África, na época a percepção era diferente. A consolidação do cinema como principal opção de lazer de massas mostrou para o grande público as imagens da grande África Negra. E se podemos dizer, como Peter Gay, que a era vitoriana acabou em 1914, no imaginário popular (principalmente no americano) as coisas se processam de maneira diversa e mais lenta. Naquela época, mais do que nunca, a mitologia do continente misterioso estava mais viva do que nunca.

Mas o fato é que o progresso matou o Fantasma, ao destruir a aura de mistério que cercou a África no século XIX e que se renovou em imagens durante as primeiras décadas do século seguinte.

E então eu lembro do Surfista Prateado.

Desculpe meu esnobismo, mas tenho pena de quem gosta de quadrinhos e não acompanhou a fase áurea do personagem no final dos anos 60, por Stan Lee e John Buscema. O Surfista Prateado é um personagem preso à Terra por se recusar a servir seu mestre, um devorador de planetas, e impedir que ele destruísse o mundo. É a personificação da bondade e do altruísmo, e não é à toa que seu maior inimigo é justamente um demônio, Mefisto.

Eu tinha 10 anos quando li “O Nulificador Total”, uma das melhores histórias do Surfista. E eu, que nunca choro, terminei a história com os olhos marejados.

Mas o principal aspecto do Surfista, aquilo que o coloca em um panteão dos grandes personagens dos quadrinhos, não é essa bondade. É o fato de ele ser um espírito livre, que viajava por todo o universo, de repente preso a um planeta imperfeito e complexo demais em seus sentimentos. O drama do Surfista Prateado é sartreano, mais do que qualquer outro personagem dos quadrinhos. Quando Jim McBride refilmou o “Acossado” de Godard, em Breathless, percebeu esse elemento, e o personagem que tinha sido de Jean Paul Belmondo foi interpretado por um Richard Gere aficcionado por Jerry Lee Lewis e, claro, pelo Surfista Prateado.

O Surfista pertencia a uma era específica, o fim dos anos 60 com suas indagações e questionamentos sociais e existenciais. O Surfista Prateado era um personagem que derivava imediatamente da cultura beat, e que só tinha sentido dentro de um contexto histórico bastante definido. Com o fim do sonho hippie, ele perdeu sua razão de ser, perdeu o respaldo social que necessariamente sustenta um grande personagem. Os anos 70 não foram feitos para ele.

Assim como aconteceu com o Fantasma, a vida também matou o Surfista Prateado.

13 thoughts on “O surfista e o fantasma

  1. pra mim, o que matou de vez o Fantasma foi o filme que fizeram. Eu tinha uma certa “queda” pelo Fantasma, era quase um fetiche..depois do filme, broxei..tá difícil arranjar um fetiche decente nos dias de hoje…

  2. Nunca fui muito dos quadrinhos DC e Marvel até, sei lá… meus 18 anos, quem sabe. Sempre gostei mais de Pato Donald, Tio Patinhas e Almanaque Disney. Acho que fui(sou) meio retardado, ou ao menos, retardatário. Quando todos já ficavam vidrados em carros e suas rodas magníficas, ainda me fascinava com a beleza (e simplicidade) de livros como “O mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder. Falo sem vergonha de ouvir risinhos escondidos (ou gargalhadas francamente escancaradas). Este é só um dos livros que, no momento em que foi lido, iniciou uma mudança de alguns graus em meu caminho, e hoje, olhando para trás, me deixa a milhas distante do caminho anterior. Surfista prateado sempre foi um dos meus super-heróis prediletos. Vou anotar com carinho, digníssimo Rafael, esta sua fortíssima recomendação e, algum dia buscarei uma forma de ter acesso a estas edições da década de 60 ou ao menos uma reedição das mesmas.

  3. Herdei de meu pai o gosto pelo Fantasma. Foi ele quem me apresentou o personagem, e gostamos de ler suas histórias até hoje.

    Já o Surfista foi um dos primeiros heróis da Marvel que conheci, no começo dos anos 80. Gostava tanto dos gibis, que durante um período da minha vida, minha “mesada” consistia em todos os gibis da Marvel publicados pela Abril.

    Muito legal ler seu post, Rafael. Obrigado.

  4. eu odeio concordar com GALVÃO.
    uma coisa me incomodou desde sempre no surfista… o fato de ele ser SURFISTA! entendo que o fato DE ELE ser se deve À ÉPOCA quando ele foi criado: colocaram algo nele para criar IDENTIDADE com os leitores: uma prancha. um cara sem destino com uma prancha, bem SIXTIES, vai dizer? mas pô: nada ver uma prancha no espaço! ficava bem incomodado com isso… quer dizer… NÃO ERA VEROSSÍMEL! hehehe… procurava VEROSSIMILHANÇA em gibis: eu era mesmo um doente!

    ERA?

  5. Rapaz, que texto inteligente. Há muitos que desconfiam que quadrinhos é algo bacana e inteligente, mas nem todo mundo consegue dizer algo interessante sobre o assunto. Bem, você consegue. Parabéns.

  6. Olá, topei sem querer com seu blog e gostei muito do seu texto. Sou formado em letras professor de potugu~es e Inglês e o cara mais fanático pelo surfista que existe. Fiz meu trabalho final da faculdade sobre quadrinhos, pra se ter idéia. Gostaria de saber que história é essa chamada Nulificador Total, em que revista foi publicada, pois com esse título não conheço…

  7. Realmente a era aurea dos quadrinhos ja era, hoje os personagens estão com designe diferente e a mente pertubada. Histórias como o Surfista prateado e Cia da marvel deixaram saudades. Hoje não acompanho mais as HQ. o hulk então…Gosto muito das HQ do Fantasma, Tex e Zagor. Valeu Galvão!!!

  8. eu sou super fã da marvel
    tenho a historia toda da marvel desde 1939 ja até fis umas hq junto com o surfista prateado

  9. eu odeio concordar com GALVÃO.
    uma coisa me incomodou desde sempre no surfista… o fato de ele ser SURFISTA! entendo que o fato DE ELE ser se deve À ÉPOCA quando ele foi criado: colocaram algo nele para criar IDENTIDADE com os leitores: uma prancha. um cara sem destino com uma prancha, bem SIXTIES, vai dizer? mas pô: nada ver uma prancha no espaço! ficava bem incomodado com isso… quer dizer… NÃO ERA VEROSSÍMEL! hehehe… procurava VEROSSIMILHANÇA em gibis: eu era mesmo um doente!

    ERA?

  10. gostei muito por que voces fazen um otimo trabalho valeu continuem valeu

  11. Será que matou mesmo? Será que o Surfista não conservaria sua atualidade nos dias de hoje, especialmente em histórias como a de sua Graphic Novel Parabola?

    Sua situação no mundo, sua relação com os humanos, sua afirmação irredutível de certos valores… não o conservaria irrefreavelmente atual?

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