Lições

Um amigo entrou numa fria.

Estava saindo com uma menina de seus 20 anos, 10 a menos que ele.

Até o dia em que ela veio com aquele papo estranho. Disse que não estava preparada para um relacionamento a longo prazo. Que era muito nova para namorar a sério.

Então esse amigo disse o que 11 entre 10 homens diriam nessa hora:

“Tudo bem, a gente sai sem ser a sério.”

É claro que a menina se revoltou, como se revoltariam 11 entre 10 garotas na faculdade. “Tá pensando o quê? Eu não sou dessas, não!” Ele não conta o resto, mas gosto de imaginar a moça, insultada, levantando-se calada, chapéu à la Ingrid Bergman, abandonando-o de uma vez e para sempre, saindo do bar com a dignidade das grandes mulheres.

(Pode ter sido diferente e ela estava em motel e teve que esperar bufando ele tomar banho para irem embora e ainda lhe pediu que comprasse um sanduíche, mas a minha imagem, cá para nós, é mais bonita.)

Se serve de consolo ao amigo, cumpre notar que a moça já saiu de casa naquele dia com a firme disposição de terminar tudo. Nada do que ele dissesse poderia resolver. Se ele respondesse que queria “namorar a sério”, levaria a mesma tabocada nas fuças. Ela não era muito nova para namorar a sério. Ela era muito nova ou muito velha para namorar com ele.

Mas há algumas lições a serem retiradas desse episódio.

Caso uma garota diga o mesmo para você, caro senhor, não fale nada. Porque qualquer coisa que você disser vai dar em merda. Olhe no fundo dos olhos dela, como se estivesse buscando as profundezas do seu ser, admirando a pessoa maravilhosa, única, especial que ela é. Se maravilhosos nela forem os peitos e a bunda e o remelexo, tire isso da cabeça imediatamente: tais lembranças costumam acarretar reações fisiológicas inadequadas a esse momento. É preciso afetar sinceridade, a mais perfeita, a mais absoluta sinceridade, sinceridade casta como freira feia.

O tal olhar é fácil de fazer. Olhe fixo nos olhos dela e não pense em nada, por desnecessário: ela vai concluir que você está pensando coisas mil em meio a sua dor, talvez indagando-se o que fez para merecer tamanha infelicidade, talvez buscando no fundo dela suas mais secretas vontades, talvez simplesmente arranjando coragem para dizer o quanto a ama. O nada e o infinito são tão parecidos, e a vaidade costuma torná-los ainda mais semelhantes.

Vai parecer que por trás desse olhar que lhe desnuda a alma há algo profundo, denso, misterioso. Provavelmente depois de alguns momentos, confusa, ela lhe peça para falar alguma coisa, porque o seu silêncio digno e enigmático vai despertar, nela, uma sensação incômoda de que está fazendo uma grande sacanagem com um bom sujeito (se não despertar corra, porque ela é uma psicopata e na TPM fica pior); ela vai precisar de alguma palavra sua para achar que está tudo bem.

Se recuse então, porque se você disser que “tudo bem” ela se sentirá desculpada, e se começar a chorar sua dor ela vai achar que você é apenas um viadinho enjoado que merece mesmo ser jogado fora. Portanto diga que não há nada para falar — mas por favor, não insista muito nessa linha ou você vai se ferrar. Quando ela insistir pela segunda vez, e ela insistirá, saia pela tangente. Fuja do assunto e diga que ela é maravilhosa, que é isso e que é aquilo. Elogie. Elogie o quanto puder. Se for verdade, ótimo. Menos um pecado nas suas costas. Mas se não for, elogie do mesmo jeito. Minta. Minta até o fim, sem nenhum pudor. Não tenha escrúpulos em mentir descaradamente. Talvez Deus não lhe perdoe por uma mentira tão venal, mas se Deus é pai ele sabe que pecado maior é sair de casa achando que vai cair na putaria e em vez disso levar um pé na bunda.

A partir daí é preciso um pouco de calma. Vai depender dela e de um mínimo de sensibilidade de sua parte. Talvez ela se veja pensando que “tudo bem, talvez seja melhor dar uma chance a ele”. Talvez ela simplesmente vá embora.

Mas as chances são de que ela volte atrás.

E aí você consegue o que queria. Continua traçando a garota, e falando para os amigos: “Bicho, tô comendo uma ninfeta de 20 anos!”. Agora sem o peso de uma namorada.
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Este serviço é uma cortesia da GhostLovers, Inc.

Originalmente publicado em 10 de outubro de 2004

10 thoughts on “Lições

  1. O nada e o infinito são tão parecidos, e a vaidade costuma torná-los ainda mais semelhantes.

    Carregarei essa frase pro resto da minha vida.

    Aliás, carregarei esse post por um bom tempo, ainda me lembrarei dele em momentos oportunos 😉

    100+ 8)

  2. Blog legal, parabéns!
    A política, se me atrai por sua importância para a vida social, também me cativa pela inesgotável mineração que nela se faz de excelentes motivos para o riso e a ironia. Há muito de exemplar nela!
    Nelson Rodrigues:”…sem ter um pouco de agressividade, corre-se o risco de ser atropelado até por um carrinho de picolé.” De chuchu?
    Saúde e paz!
    http://www.baratas2006.blogspot.com

  3. Amigos, juntem-se a mim e ao Sombra em nossa campanha contra o blogueiro-pelego-oportunista, que usa o blogue alheio, servindo-se de comentários-padrão, do tipo “ótimo blog” ou “disse bem”, para (nada discretamente), fazer propaganda de blogue político fubanga.
    Na linha de mira, o pentelho Jarbas do Aparte e mais um tal de Patrick. Alguém mais se candidata?

    Falando nisso, (hehe), segue o debate lá no meu blogue.

  4. meu namorado tem 18 anos a mais do que eu. eu sou bonita. e eu que corro atrás dele. tem alguma coisa muito errada nisso, né?

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