De volta ao golpe do cinema de autor

A teoria do cinema d’auteur já começou com um grande engodo, a idéia maluca de cámera stylo. Da maneira como foi enunciada por Alexandre Astruc, ela é um misto de utopia impossível e jogo de palavras. Tem pouco a ver com a realidade técnica do cinema, e como conseqüência trouxe ao mundo milhares de pessoas ao redor do mundo saindo do cinema e comentando: “O filme é uma merda, mas o diretor é genial”.

Segundo Astruc, o cinema se libertaria “pouco a pouco da tirania do visual, da imagem pela imagem, do enredo imediato e concreto, para tornar-se um meio de escritura tão leve e tão sutil quanto a linguagem escrita”.

Um amontoado de bobagens. Seria impossível ao cinema se tornar sutil como a escrita porque ele não possibilita o mesmo nível de criação por parte do espectador. Um leitor pode imaginar ao seu gosto, por exemplo, uma daquelas longas descrições iniciais de Balzac; a câmera, seja caneta ou porrete, não lhe dá essa opção. No livro “O Falcão Maltês” Sam Spade, mesmo que Dashiell Hammett o tenha descrito razoavelmente (louro, sobrancelhas em V, cara de mau), tem o rosto que você quiser; e certamente o seu Sam Spade é bem diferente do meu. No filme com o mesmo nome (pelo menos no original; em português ele se chamou “Relíquia Macabra”), de John Huston, Spade vai ter sempre a cara exata de Humphrey Bogart, com cabeção e tudo. E esse é apenas um exemplo pequeno.

O fato é que a despeito das idéias opiáceas de Astruc a literatura continua, e continuará, sendo uma arte infinitamente superior ao cinema. Vamos colocar as coisas da seguinte forma: Thomas Mann conseguiria colocar em livro qualquer filme existente. Mas nenhum, absolutamente nenhum diretor conseguiria fazer de “A Montanha Mágica” um filme com o mesmo grau de sutileza e profundidade do livro. A teoria de Astruc só valeria se um dia o cinema conseguisse dizer tanto sobre madeleines quanto Proust (o que levanta outra pergunta: por que alguém quereria repetir uma insanidade dessas?). Além disso, sem imagem e sem roteiro, o que existiria? É provável que nem o próprio Astruc tenha uma idéia precisa.

É mais fácil entender a teoria do autor dentro do momento específico político e econômico da cultura francesa. Aqueles que fizeram a Cahiers du Cinema eram parte de uma geração talentosa e ansiosa por realizar grandes filmes. Logicamente, como eram franceses, precisavam de um aparato filosófico para justificar teoricamente o que se propunham a fazer: um cinema com menos recursos técnicos mas — às vezes, e só às vezes — grandes idéias. De certa forma, a teoria do autor é uma aplicação do existencialismo francês ao cinema. Algo muito bonito em teoria, mas cuja prática é bem diferente.

Na Wikipedia a definição da teoria abre exceções:

A teoria do autor afirma que um filme ou o conjunto da obra de um diretor (ou, mais raramente, um produtor) reflete a visão pessoal e preocupações desse diretor, como se ele ou ela fosse o autor primário da obra.

Dois aspectos aí chamam a atenção. O primeiro é a exceção aberta para o produtor, o que prova que a teoria podia ser malandra, mas não era completamente maluca; mesmo criada por e para diretores como um instrumento político, reconhecia que o papel dos produtores é decisivo. David O. Selznick, penhoradamente, agradece a exceção aberta enquanto corre do fantasma de “…E o Vento Levou”.

Obviamente, aqueles que defenderam tanto a função do diretor neste blog não leram isso. (Por acaso sempre davam como exemplos filmes em que o diretor era também o roteirista, de preferência Godard. É engraçado como as pessoas gostam de citar o finado; eu me sentiria mais confortável com um diretor mais talentoso como Truffaut. Infelizmente esquecem que já nos anos 60 ele passou grande parte do controle criativo para o seu pessoal, como Jean Pierre Godin. Talvez isso explique a sua morte, não sei; mas com certeza reforça a tese do cinema como arte coletiva.)

O segundo aspecto é quase hermenêutico: o “como se”, que soa como um usurpador envergonhado. Como o sujeito essencialmente honesto que tenta aplicar uma mentira na qual nem ele acredita.

Pelo menos da maneira como foi defendida pelo pessoal da nouvelle vague, a teoria do cinema d’auteur não tem por referência o cinema de modo geral. É basicamente uma proposta de renovação de um modo de produção, dentro de circunstâncias históricas e geográficas bem específicas. Deveria ser compreendida como uma espécie de reação ao momento específico da produção cinematográfica francesa, mais ou menos como um “grito dos despossuídos” diante do que julgavam ser o banquete do establishment; gente boa e nova, à margem do sistema econômico cinematográfico, que precisava de espaço e entendia que naquele esquema jamais teria chance. Uma nova geração que precisava de espaço, e que estava disposta a fazer cinema de maneira economicamente mais precária.

Ou seja: na prática, a conversa de diretor-autor não passa muito de justificativa para a nouvelle vague. Só pode ser realmente compreendida dentro da necessidade francesa de se fazer cinema fora das estruturas tradicionais.

Não há nada de realmente exclusivo nisso. O discurso do cinema de autor, sob certos aspectos, é o mesmo discurso da pobreza repetido em tantos lugares ao longo da história. Elites culturais de países pobres sempre tendem a afirmar uma espécie de teoria de valorização da pobreza, como meio de possibilitar a realização de suas obras. O neo-realismo não poderia ter surgido em outro lugar que não a Itália destroçada do pós-guerra (e por isso “Roma, Cidade Aberta” é um filme tão superestimado); o cinema novo é produto exclusivo do Brasil destroçado de sempre (o que explica os elogios feitos a uns tantos filmes ruins de Glauber); a França que terminava de raspar a cabeça de colaboracionistas nos deu a nouvelle vague.

No entanto, assim que os países ficam ricos essas elites culturais parecem adotar outro discurso — e talvez seja por isso que o mesmo Visconti que dirigiu o monumental “A Terra Treme” terminou a vida como o esteta brilhante e luxuoso de “Morte em Veneza”. E Sergio Leone, com o requinte visual e ideológico de “Era Uma Vez no Oeste” — decididamente um dos melhores westerns de todos os tempos, com mais massa cinzenta que cinco filmes de Howard Hawks e dois de John Sturges juntos, para ficar apenas em dois diretores incensados pela Cahiers du Cinema — não teria lugar no cinema materialmente pobre da Itália de 20 anos antes.

O resto é pura embromação. Parte de uma confusão proposital entre os conceitos de autoria e interpretação, negando a esta virtualmente toda ação criativa para dar àquela mais do que sua cota justa.

Vamos lá: em sua função específica, um diretor pode se dar no máximo o título de intérprete. Como Astruc sabia bem como funcionava um set de filmagem, é mais do que justo chamar sua teoria de conto do vigário.

A pergunta óbvia é a seguinte: se a estrutura básica (quando menos) do filme é dada pelo roteiro, se a definição visual é dada também pelo diretor de fotografia (e muitas vezes pelo cinegrafista, quando não são a mesma pessoa. Pergunta: “A Lista de Schindler” tem a mesma estética visual de “A Guerra dos Mundos?” O mesmo “olhar”? Quem é o autor deles, então?), e se tudo isso é personificado e amarrado pelos atores, como o diretor pode arrogar a si o papel de autor único e exclusivo?

O golpe está em dar ao cinema um mecanismo diferente de todas as outras artes coletivas. Por exemplo, no teatro e na música ninguém tentou fazer do diretor ou do maestro o autor da obra em questão. Eles são, sempre, intérpretes. Podem modificar, podem acrescentar ou retirar elementos, mas por definição não passam de regentes de um processo coletivo que parte de uma obra específica e cuja autoria primordial é bem definida. Só isso. Mais nada. O resto é conversa mal intencionada de teóricos picaretas.

O pessoal do teatro tem a honestidade de admitir que aquela é uma arte coletiva. Que partindo de um elemento inicial, a peça propriamente dita (e que normalmente tem ainda menos indicações visuais que um roteiro típico), o resto é construído coletivamente pelo diretor, pelos atores, pelo cenógrafo. Um diretor de teatro poderia, com mais justiça, se outorgar o título de autor; ele não tem um diretor de fotografia para dar sua marca à peça. Mas o pessoal do teatro é intelectualmente honesto. Talvez porque tenha mais tempo de estrada.

Truffaut disse que não há bons e maus filmes, apenas bons e maus diretores. Outro joguinho de palavras. É o caso de perguntar se o recém-falecido Robert Altman, por exemplo, era uma espécie de Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Afinal, ele é o sujeito que fez “M.A.S.H”, mas que também cometeu Prêt-à-Porter” — sem falar em “Doutor T e as Mulheres”. Como não consta que o sujeito fosse esquizofrênico, o mais provável é que, como apontou um crítico americano, com um bom roteiro nas mãos Altman fazia um filme brilhante; sem um bom roteiro, fazia a versão em celulóide do Lexotan.

Eu não conseguiria encontrar exemplo melhor.

Republicado em 31 de julho de 2010

16 thoughts on “De volta ao golpe do cinema de autor

  1. Falar em “cinema de autor” é tão vazio quanto falar em “cinema de arte”. Mas não pelos motivos expostos por você. Pois o cinema é arte mesmo quando desenvolvido em esquema industrial, e o diretor é o autor mesmo quando tem uma equipe de centenas de pessoas colaborando na obra.

    A comparação com a música e com o teatro é engenhosa, mas falsa. Uma peça e uma sinfonia têm autonomia, e podem ser reinterpretadas infinitas vezes. Já o roteiro de cinema existe apenas em função do filme que vai ser feito dele. Ninguém pega o mesmo roteiro e o “interpreta” em outro filme.

    E, por mais que ele seja o ponto de partida do projeto, e que o escritor o assine sozinho, na versão final está exatamente aquilo que o diretor quis que estivesse lá.

    O diário de produção de O Jardineiro Fiel, escrito por Fernando Meirelles para o site Cinema em Cena, bem como o relato que Charles Bukowski faz (em “Hollywood”) de seu trabalho como roteirista de Barbet Schroeder em Barfly, mostram isso. O diretor é que “escreve” a história, e para isso determina mil e uma alterações no roteiro original, cabendo ao roteirista apenas refiná-las na forma de diálogos.

    O maestro pode até mudar o andamento de uma sinfonia e enfatizar este ou aquele conjunto de instrumentos, mas se mudar uma nota sequer vai ser acusado de estar adulterando a obra. Isso não acontece no cinema. A “obra” não é o roteiro, mas o próprio trabalho do diretor.

    …que se mostra também na montagem, etapa muito importante da criação de um filme e que foi omitida no seu texto. Há o montador, que assina o trabalho, mas do lado dele tem o diretor determinando como as coisas acontecerão.

    A exceção feita a alguns produtores no texto da Wikipedia contempla as ocasiões (cada vez mais raras, aliás) em que o produtor é que toma as decisões que eu citei acima.

  2. Vamos por partes:

    A literatura é uma forma de arte muito mais complexa que o cinema. A capacidade de captar sutilezas da literatura não possui rival em nenhuma outra forma de arte. Ponto. Até aí a própria Pauline Kael chegava* (mesmo com toda sua defesa ardorosa da sétima arte). O fato é que a teoria do autor não atribui à direção um nível de complexidade maior que o roteiro. A teoria do autor só diz que, mesmo o cinema sendo uma arte coletiva, sempre existirá a digital de algum dos envolvidos no processo. Acontece que boa parte das vezes a digital é a do diretor. Pegue as duas versões de “Psicose”, por exemplo. A primeira versão, de 1960, é radicalmente diferente da segunda, de 1998. Neste caso tivemos dois filmes partindo do romance de um mesmo autor (ops!), Robert Bloch, realizados com o mesmo roteiro, do Joseph Stefano. Por que os dois filmes são radicalmente diferentes? Uma palavra: direção. Alfred Hitchcock não é Gus Van Sant. Graças ao meu bom Deus. E é precisamente isso que dá o tom do filme. Desde que “discutimos” esse assunto pela primeira vez, mudei um pouco de opinião. Muito, inclusive, devido à leitura de um artigo do velho Hitch. Depois vou tentar publicá-lo pra ti.
    Ah, você citou o David O. Selznick, mas também poderia ter citado o Carl Laemmle Jr.e os filmes de terror da Universal. Um filme pode ter a “cara” de um produtor. Um filme pode ter a “cara” de um roteirista (recordo-me que naquele post eu até citei o Kaufman). Mas, via de regra, quem imprime o seu jeito é o diretor.

    Um abraço pra ti,

    Gabriel Trigueiro

    PS: Alguém ainda se dá ao trabalho de defender o Godard? Jesus…

    *Sim, eu sei que ela nada teve a ver com a teoria do cinema de autor. Muito pelo contrário: comprou uma baita briga com Orson Welles ao creditar o gênio de “Cidadão Kane” ao roteirista Herman Mankievicz.

  3. Rafael, como assim?? Qual o motivo para chamar o filme de autor de “golpe”? Em quem eles querem dar o golpe? E por que?
    Por que você não aceita que existe “de um tudo” nesse mundo, inclusive filme de autor! E mais, essa possibilidade – ou realidade -coexiste com filmes de roteiros, roteiros de peças, peças de livros, livros de enredos…
    Qual o problema?
    Emoções, idéias, imagens, tramas, fatos, estados psicológicos, contextos – tudo pode ser descrito mais profundamente através da literatura.
    Em compensação, o filme alcança mais gente, e se não abrange todos os aspectos de um texto, pode transmitir a visão DO AUTOR sobre aquele texto.
    Também poderíamos dizer que muitos autores escrevem o que no fundo gostariam que fosse um filme, mas a falta de grana, de patrocínio, de tempo, de amigos doidos, de disposição física e, talvez, de alguma idéia na cabeça – os impedem de realizar seu sonho, então escrevem livros. Mas isso não faz sentido, essa comparação não leva a nada!
    Em que “catigoria” colocar Pedro Almodòvar? Seus filmes não são reflexos de sua personalidade?
    Woody Allen precisaria ou prescindiria de orçamento alto para fazer um bom filme?
    Os filmes dele não possuem sua marca, sua visão de autor, até na escolha dos profissionais que dão vida às suas idéias? O diretor seria obrigado a dominar todas as técnicas para poder considerar seu trabalho “autoral”?

    É como achar que o arquiteto não é autor de certa obra porque ele não “mete a mão na massa”…

    Rafael e suas bravatas “em prol do proletariado”…

  4. Acredito que na discussão esteja acontecendo duas coisas: subvalorização de diretores e supervalorização dos outros componentes técnicos de uma obra complexa como um filme, e vice-versa.

    Concordo com a assertiva quanto a comparação entre o cinema e a literatura, mas discordo um pouco de seu ponto de vista.

    Mesmo obras coletivas podem (e, quando estes são grandes invariavelmente têm) a presença e “marca” de seus diretores/realizadores/produtores/maestros ou qualquer nome que se dê ao “gerente técnico e criativo” do trabalho.

    A comparação dos filmes de Altman que vc faz não é justa. É comparável a pergunta de por que o homem que escreveu Dom Casmurro e Memórias Póstumas escreveu um romance tão “normal” e comum como Iaiá Garcia.

    Idiosincrasias dos autores/criadores. A questão é longa e complexa e não vem ao caso.

    O fato é: o trabalho de um diretor não é só técnico. Como o Marcus lembrou mesmo na montagem ou nas provas fotográficas o Diretor usa sua influência como “arquiteto” do projeto para exercer essa influência de alguma forma alterando ou mesmo fazendo “correções” e remontagens.

    Se sua tese estivesse correta Hollywood teria feito grandes filmes nos anos sessenta/setenta em quantidade comparável ao perídodo de 40/50, o que não ocorreu.

    Afinal existiram roteiros incríveis, recheado de idéias e inovações nas décadas mais recentes. Porém não existia mais o talento e perspicácia de Billy Wilder ou Frank Capra para filmá-los.

    Outra pergunta: quantos filmes nós assistimos e não dizemos: esse filme é a cara do Brian de Palma ou do Scorscese. Na verdade nem chega a ser filmes inteiros, mas seqüencias, cenas dentro de filmes visto que estes diretores nem de longe lembram os realmente grandes do passado. Mesmo assim em determinadas cenas de alguns filmes sempre lembramos de outros diretores.

    Isso aconetece devido ao “toque pessoal” que alguns deles conseguem colocar em suas obras. Claro que isso não é desculpa para a baboseira do cinema d’auteur, mas, bem, …, não podemos descartar esse fato.

    A coletividade não exclui ou esconde a genialidade, ao contrário, a revela e a exalta. O grande diretor reúne todos os componentes técnicos de forma apurada e junto com eles consegue imprimir um “sentido” a todo o conjunto decalcando a sua visão do conjunto inteiro.

    Sim, é possível que grandes filmes sejam realizados por diretores comuns e até mesmo medianos e péssimos filmes aconteçam sobre a mão de gênios declarados. Explicar esse fato não diminui a importância do diretor no “conjunto da obra”, apenas realça as nuances de um processo complexo e fascinante quanto o cinema é como diversão, entrenimento e arte.

    Abs.

  5. Concordo com os questionamentos da Cris, o que te motivou a denunciar esse “golpe”?

    Não acho que a teoria do cinema d’auteur tenha a importância que muitos pseudo intelectuais quiseram atribuir a ela, mas também não acho que ela seja exatamente uma grande fraude como você dá a entender.

    Muitos cineastas podem entrar nesse caldeirão, David Lynch por exemplo, os já citados Robert Altman e Woody Allen, e, porque não?, o sonífero Steven Spielberg e seus filmes felizes.

    Como muito bem colocado pelo Ed, grandes escritores já escreveram livros medíocres, que nem por isso foram apagados do conjunto de sua obra, como se nunca tivessem existido.

    Não estou com a inspiração dos colegas comentaristas, mas confesso que fiquei intrigado com esse ataque, essa necessidade de provar que a teoria é uma baboseira…

    Abs

  6. Walter Hugo Khoury, um diretor de “cinema de autor” claramente golpista (aproveitando a definição do Rafael), já passou isso para a película, com o auxílio luxuoso do canastrão Tarcísio Meira, em “Eu”.

    Se aquilo não era um coração totalmente dominado pelo vazio, o que seria?

    Claro que na época eu era “di menor”, não vi o filme, mas o Sílvio Santos viu e me garantiu que é uma boa merda de filme, Lombardi;

    Também essa frase aí, não sei se figuraria entre as melhores da literatura universal…

  7. Vou citar Peter Greenaway, porque sinceramente, considero o homem um gênio.

    “O cinema não é o melhor veículo para contar histórias. É específico demais, deixa muito pouco espaço para a imaginação levantar vôo fora das indicações estritas do diretor. Leia “ele entrou na sala” e imagine mil encenações. Veja “ele entrou na sala” no cinema-como-o-conhecemos e você ficará limitado a uma única encenação. O cinema tem a ver com outras coisas que não a narração. O que você lembra de um bom filme – e vamos falar apenas de bons filmes – não é a história, mas uma experiência especial e quem sabe única que tem a ver com atmosfera, ambiência, performance, estilo, uma atitude emocional, gestos, fatos isolados, uma experiência audiovisual específica que não depende da história.”

    Agora, com relação a Altman, discordo de você. Ele é um dos maiores diretores autorais da história do cinema. Mesmo quando fez filmes mais leves como Pret a Porter, seu estilo está lá, sua crítica ácida ao “american way of life”, seu amor aos personagens. Está tudo lá, Altman é sempre Altman. E para não ter que se dobrar ao sistema massacrante de roliúdi, que obriga os diretores de estúdio a distorcerem o filme em prol da bilheteria, permaneceu independente até o fim.

    Agora, Rafael, não mistura produção com direção. A relação da grana é exatamente essa: poder. Kubrick era um cara que tinha tanto poder que a Warner deixava ele fazer o que quisesse, mesmo ele gastando baldes de dinheiro. Ele conquistou esse poder todo pelas bilheterias. E eu considero um cinema de “autor”, mesmo que cada um dos filmes seja diferente do outro. Um filme de Kubrick é inconfundível, só podia ter sido feito por ele.

    Talvez caiba nessa discussão a questão do quanto uma equipe respeita ou não um determinado diretor ou quanto um diretor tem de liberdade quando dirige. Acredito que é isso que dê o termômetro da questão autoral.

  8. Não sei porque essa babação toda em torno de Era uma vez na América de Sergio Leone. Considero esse filme, com sua excessiva duração bem como a irritante e intrusiva por demais da conta trilha sonora, um dos mais “overrated” da história do cinema.

  9. Marola, “: Era um Vez no Oeste” é fantástico por alguns motivos: primeiro, é o refino final de uma nova abordagem do western, o western spaghetti, em que os arquétipos que fizeram o gênero foram subvertidos — por exemplo, . Segundo, tem uma visão bastante crítica — e e bem inserida em seu tempo,o fim dos anos 60 — do processo histórico de ocupação do oeste americano. Sem contar o fato de um Henry Fonda no papel de vilão e alguns dos mais interessantes closes da história.

  10. Rafael,
    Depois de ler esse post, fiquei curioso de saber se você conhece o Tarkovski e o livro dele, Esculpir o Tempo. Conhece?

  11. O livro é lindo. E lá tem umas ideias meio ligadas à teoria do autor que eu achei bastante convincentes (pelo menos para os filmes dele, que, como ele faz questão de dizer, não têm nada a ver com a dramaturgia tradicional). Lembrei do Vertov também.

  12. Muita gente aqui, inclusive o autor do post, precisa assistir Kar-wai. Aliás, talvez nem nunca tenham ouvido falar dele, não é mesmo?

  13. Deixa eu te contar um segredo, Chow-Chow: só você conhece Kar Wai Wong. E só você acha que ele, mais que qualquer outro “autor”, como Godard ou Resnais, é a justificativa para a teoria.

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