Crônica de um triste Natal alheio

É a segunda vez que a Lurdinha deixa o mesmo comentário neste blog:

Imbecil, cretino, estou procurando uma maneira rápida e prática para me suicidar e tu me aparece com essa filosofia de barraquinha? Vai te catar, ou melhor vá se….

A Lurdinha se irritou comigo porque eu não sou o CVV. Da primeira vez não falei nada, apenas deixei o comentário pastar ali, no limbo da moderação. Por não gostar da recomendação que me foi dada, sim, mas também por medo: vai que a louca se mata e o comentário me traz complicações. De confusão eu ando correndo, como sempre corri em minha covardia.

Mas dois comentários iguais são demais para uma pessoa boa como eu.

Ao contrário do que se poderia esperar de mim, não vou dizer que a Lurdinha tinha mais era que se matar logo e poupar o mundo de outras bobajadas como esse comentário. Também não vou fazer o contrário, aquele discurso de que não, não faça isso, alguém neste mundo espera por você, a vida vale a pena; porque eu admito, Lurdinha, que nem sempre vale, nem mesmo quando a alma não é pequena — o que, cá entre nós, não parece ser seu caso. Eu continuo achando que melhor que se matar é dar um jeito no filho da puta que está fazendo da sua vida um inferno, mas cada um vive (e morre) como quer.

Não vou dar conselhos, tampouco. Sim, eu conheço várias formas de morrer rapidamente, mas não me engano: a Lurdinha também sabe, e se deixa um comentário aqui não é porque quer se matar, mas porque quer chamar a minha atenção. E isso ela já tem.

Não sei qual é a sua história, Lurdinha, aquilo que te faz namorar a idéia de acabar com tudo isto, não sei por que você quereria morrer. Sei apenas que você estava tão ansiosa para receber um comentário ou um post que já há semanas procura um jeito rápido de se matar, deixando comentários neste blog e talvez voltando de vez em quando para ver se foi notada.

Eu que tenho a mente suja e romântica, se me permite o paradoxo, gostaria de imaginar que você realmente quer morrer; e quer porque um grande amor se acabou, deixando feridas profundas que parecem jamais cicatrizar. Gostaria de ver alguém amar outra pessoa de maneira tão intensa, tão desesperada, que sem ela a vida não faz sentido, e que é melhor morrer do que continuar a viver pensando naquilo que jamais voltará a ter.

Mas essas mortes por amor não existem mais, para desgosto meu, das funerárias e das escritoras de romances baratos. Este é um mundo em que grandes emoções sem esperança não se resolvem mais em uma poça de sangue, mas no divã de um psico-terapeuta; são sempre privadas, e quando se tornam públicas são apenas arremedos sem graça e grosseiros como os comentários que você deixou. Foi isso que restou a nós, românticos desgraçados do século XXI: mortes fuleiras anunciadas em blogs ruins.

Sinceramente, não acho que nada disso valha a pena. Acho inclusive que você poderia fazer coisa melhor em seus últimos momentos — que se alongam fastidiosamente, ao que parece — do que anunciar aqui repetidas vezes que quer morrer de maneira rápida. Nem este blog é lá grandes coisas, nem o meu comentário é bom o suficiente, nem a vida que você diz querer abandonar significa muito. E o máximo a que este blog que não gosta de filosofia se permite é isso mesmo, filosofia de barraquinha, frases fáceis que exigem pouco pensar.

Anunciar sua morte aqui é desgraçar um evento importante, talvez o mais importante de sua vida. Não faça isso. No seu lugar, Lurdinha, da próxima vez eu tentaria mandar um cartão postal para o PostSecret. E por não ousar desejar um próspero Ano Novo, me despeço esperando que você tenha, pelo menos, tido um feliz Natal.

Republicado em 19 de setembro de 2010

12 thoughts on “Crônica de um triste Natal alheio

  1. Excelente isso aqui:
    ” Eu continuo achando que melhor que se matar é dar um jeito no filho da puta que está fazendo da sua vida um inferno”…ahaha, concordoooo!
    Espero que a Lurdinha fique feliz com o post.
    Bjos pra vc e pra Lurdinha!
    Su sua fã. 🙂

  2. foda. mas às vezes não é um filho da puta que faz da vida da gente um inferno. é um coletivo deles. ou até algo que não morre com um tiro na testa ou 10 anos de terapia.

    algo me diz que a lurdinha não teve um feliz natal. mas que ela ainda terá mais alguns pela frente para resolver se isso é motivo para se dependurar or not.

  3. Caramba: “Foi isso que restou a nós, românticos desgraçados do século XXI: mortes fuleiras anunciadas em blogs ruins.”

    Lembrei-me da canção de roberto: o importante é que emoções eu vivi”.

  4. isso me fez lembrar de uma história.

    conta-se que, lá pelos idos dos anos 50, 60, aqui na minha cidade (arcoverde, pernambuco), um pai deu uma tremenda surra de cinto no filho pela maior motivação da época para se dar uma surra de cinto: rebeldia, ou o que era classificado como tal. o filho, um molecote de uns 13, 14 anos, foi coçar as pisaduras no quarto. antes, deu uma passada pela cozinha.

    5 minutos depois, os irmãos menores do sujeito em questão chegam correndo para o pai dizendo que o molecote está com uma faquinha de serra, dessas de cortar pão em café da manhã, apontada para a barriga, ajoelhado em cima da cama, no melhor estilo “harakiri”. o pai vai ver o que está acontecendo de fato.

    o pai chega e encontra o já referido filho em cima da cama, choramingando, e de fato com a faquinha na mão. num movimento rápido, tira a faca das mãos do filho e encosta para o pescoço dele. e pergunta gritando:

    “você quer morrer? quer? porque se quiser me diga agora que a gente resolve isso logo!”

    obviamente o molecote deu pra trás.

    eu sinto repugnância a surras e castigos físicos, mas, às vezes, e principalmente quando vejo emos tentando cortar os pulsos, morro de saudade da psicologia juvenil de tempos passados…

  5. Eita! Li a página inteira. Morri de rir com o google, claro, e morri de pena do Marx… tadinho… hehehehehe.
    Lurdinha deve estar fazendo pesquisa pra monografia… 😛

  6. “Mas essas mortes por amor não existem mais, para desgosto meu, das funerárias e das escritoras de romances baratos. Este é um mundo em que grandes emoções sem esperança não se resolvem mais em uma poça de sangue, mas no divã de um psico-terapeuta; são sempre privadas, e quando se tornam públicas são apenas arremedos sem graça e grosseiros como os comentários que você deixou. Foi isso que restou a nós, românticos desgraçados do século XXI: mortes fuleiras anunciadas em blogs ruins.”
    * É… Realmente essas dores não se resolvem mais nas poças de sangue, para sorte minha e azar dos que me detestam… rs

    Seu blog é bacanérrimo! Sigo sempre que posso (bastante, por sinal!). Ganhaste mais uma fã! 🙂

  7. O que a Lurdinha quer é, justamente, a atgenção do blogueiro samaritana. Já a tem, portanto, agora a bola está com ela outra vez. Qual será o próximo passo? Na próxima semana neste mesmo local…

  8. Digo apenas que isso: “E por não ousar desejar um próspero Ano Novo, me despeço esperando que você tenha, pelo menos, tido um feliz Natal.” foi GENIAL!

  9. Eiii…
    Lurdinha, vei!
    Eu já passei por isso, na verdade eu tava tentando uma forma rápida de me matar, quando eu vi esse texto desse cara, aí!

    Caramba, foi o maior tapa na cara que eu já levei na vida!
    Faz isso não, você vai sofrer? Vai.
    Vai chorar? Vai.
    Vai querer morrer? Vai, já tá querendo.

    Mas você pode dar a volta por cima.
    Depois de um tempo o coração se acalma, e a alma tambem.
    Quando você menos perceber, e quando você lembrar disso um dia, vai pensar que era uma idéia estupida.

    Pensa nisso!

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