Nos comentários à lista dos melhores westerns, o Roberto Procópio fez um comentário curioso:
acho que o espírito por detrás do western acabou quando começou a conquista do espaço, a nova fronteira, já que, comparativamente, não tinha mais sentido de valor a conquista de territórios na terra vis-à-vis a conquista espacial ou mesmo a inquitação com o futuro. Quem trocaria uma pela outra? Provavelmente o sentido de busca por alguma coisa desconhecida que o western propiciava deve ter sido descarregada em filmes como Aliens, ET, Jornada nas Estrelas, O Exterminador do Futuro, Planeta dos Macacos,etc. Ou seja, a conquista espacial e o próprio futuro forneceram material para a imaginação da indústria cinematográfica.
Um pouco depois, o André Egg fez outro bom comentário em alguns aspectos semelhante. Embora sob ângulos diferentes, os dois relacionavam o fim do faroeste à corrida espacial.
A princípio fiquei encantado com o argumento do Roberto, porque ele tem uma poesia que me fascina: a idéia da sucessão de tempos e de gêneros, do faroeste passando o cetro para a ficção científica. Mas pensando mais sobre o assunto, passei a achar que talvez não seja isso, por algumas razões.
Em que pese H. G. Wells, ou eventos como a transmissão da versão de Orson Welles de “A Guerra dos Mundos”, eu sempre tive a impressão de que os principais responsáveis pela introdução da ficção científica no mainstream da produção cinematográfica americana foram a Feira Mundial de 1939 e a explosão da bomba atômica.
É difícil hoje aquilatar a importância da Feira Mundial em sua época. Seu impacto no cotidiano de Nova York está bem representada num bom livro de E. L. Doctorow, “A Grande Feira”. Mas muito mais importante que isso foi o seu papel na definição de uma imagem clara de futuro para toda a nação. Alguém já disse que aquele foi o último momento de fé absoluta da humanidade na tecnologia. As visões de futuro apresentadas ali (pode-se ver um dos seus últimos vestígios no primeiro “Homens de Preto”), devidamente popularizadas pela comunicação de massas, foram fundamentais na formatação do imaginário americano — e conseqüentemente mundial — acerca do que deveria ser o futuro, de robôs a espaçonaves. O mundo saía da Grande Depressão, Hitler ainda não havia invadido a Polônia e o futuro se apresentava maravilhoso.
Seis anos depois, o futuro e a tecnologia apresentariam outra face, menos agradável: o surgimento das bombas voadoras V-2 e da bomba atômica mostrou que nem sempre a tecnologia vem para melhorar a vida das pessoas. Além disso, em 1947 começou a febre dos objetos voadores não-identificados — e embora mundos extraterrenos e misturas insalubres de urânio e plutônio não pareçam, a princípio, complementares, são algo intimamente ligado à percepção de um mundo gigantesco de possibilidades abertas pela fissão do átomo. Essa sensação é definida com perfeição em “O Incrível Homem que Encolheu”, de 1957: a de que confrontado com esses novos desafios, o homem se tornava cada vez menor.
Mais do que a idéia de conquista de uma nova fronteira, essa dualidade entre bom e mau tornou, para aquela época, o espaço algo fascinante. Finalmente, a era espantosa de prosperidade vivida pelos Estados Unidos nos anos 50, a sensação de que a maior potência do mundo capitalista tudo podia e estava destinada a definir o futuro, tornavam mais próxima a noção do espaço. Além disso, os anos 50 pareciam estar a caminho de materializar as visões de futuro que tinham se cristalizado nas crianças dos anos 30. Era quase uma certeza, para muita gente, que era daquele jeito prateado, espacial, nuclear que seria a nossa vida no ano 2000. Tudo isso junto fez com que o espaço e viagens planetárias se tornassem algo em que as pessoas pensavam, e esse novo nicho foi devidamente aproveitado por Hollywood. Isso deu coisas boas e ruins — basta lembrar de bisonhices como Plan 9 From Outer Space, de 1959.
(Vale a pena olhar esta galeria de telas de aberturas de filmes B. Os títulos são deliciosos — Devil Girl From Mars e Fire Maidens of Outer Space são apenas alguns deles. Além disso, mostram que foi nos anos 50 que o gênero desbundou totalmente.)
Tudo isso enquanto John Wayne enchia índios de bala. O auge comercial dos dois gêneros foi justamente os anos 50, simultaneamente. Naquela década, e no começo dos anos 60, meninos brincavam com pistolas espaciais de raios laser tanto quanto brincavam revólveres de espoleta.
Mas além dessa simultaneidade, há outra razão para que eu não concorde com essa idéia de “sucessão”. Não existiu, em nenhum momento, um antagonismo entre eles. Não são fronteiras que se sobrepõem. O faroeste reinventa um passado conhecido, enquanto a ficção científica olha para o futuro imaginado, e essas percepções podem conviver sem problemas.
O importante, aqui, talvez não seja tanto a conquista da fronteira, a verdadeira essência do faroeste. É, de um lado, a sedimentação da história americana, contada sob um prisma que mistura heroísmo, violência e um bocado de mentira. Do outro, sim — “o sentido de busca por alguma coisa desconhecida”, como disse perfeitamente o Roberto. Quando o cinema apareceu a grande marcha para o oeste já tinha acabado. A fronteira estava conquistada — e a cidade que se especializou naquela nova indústria estava justamente à beira do Pacífico.
O faroeste caiu em desuso, digamos assim, não porque a Apollo XI chegou à lua ou porque os russos lançaram o Sputnik. Acabou porque foi ordenhado até a exaustão. Porque nos anos 50 as pessoas cansaram de tantos westerns, sempre com a mesma estrutura narrativa e, principalmente, moral; as pessoas simplesmente cansaram — quem ainda agüentava ver Glenn Ford fazendo sempre o mesmo papel, ou mesmo Audie Murphy? No fim das contas, foram feitos tantos westerns, bons e medíocres, que o gênero simplesmente saturou o público e foi obrigado a migrar para a televisão, encontrando uma sobrevida em seriados como “Bonanza”, “O Homem de Virgínia” e “Chaparral” nos anos 60. Novas idéias (sem contar Sam Peckimpah, que é mais estilo do que realmente um novo olhar) teriam que vir de outro lugar. Vieram da Itália.
Basicamente, o faroeste não morreu porque um novo rei tomou o seu lugar. Ele morreu sozinho no seu canto, velho e esclerosado, lembrando de glórias passadas. Assim como a ficção científica acabou perdendo vapor porque, afinal de contas, aquele futuro demorava muito a chegar.
interessante. o argumento do roberto e do andré não é novo, tem a ver também (além da questão da fronteira) com o avanço tecnológico, o avanço do cinemascope que dava cores e formas a grandes naves espaciais, coisas mais bonitas de se ver do que sujeitos empoeirados com pistolas velhas.
…
o argumento da “última fronteira” foi usado pelo joseph campbell quando ele falou sobre “guerra nas estrelas”, “uma aventura épica dessa proporção não podia mais acontecer no planeta terra, onde todas as fronteiras já foram desbravadas”, algo assim. e muita gente já disse que “guerra nas estrelas” é quase um faroeste.
:>)
btw, pekimpah ser “mais estilo” o torna um autor?
;>)
Rafael, como entendo quase nada de cinema, e muito menos de futuro e de passado, rabisco estal mal digitadas apenas para um serviço de utilidade pública.
Seguinte é este.
O menino André Setaro colocou seu acervo de fotos, cartazes e outras mumunhas cinematográficas à venda. Creio que seria bom que quem gosta realmente de cinema adquirisse o material. Sobre isso, aliás, falo um pouco lá naquela intimorata emissora, que pode ser sintonizada no
http://www.ingresia.opsblog.wordpress.com
Eu mesmo tenho dúvida quanto a esta questão de fronteira que levantei, sem, é claro, qualquer pretensão de ser original (alguém é?), mas penso que o meu argumento começou a partir da idéia de uma fronteira ou um novo limiar não exatamente físico ou geográfico e sim imaginário, na necessidade da existência de uma nova busca de alguma coisa a mais, de um novo qualquer coisa, já que o que não poderia ocorrer era o encontro do sonho americano apenas com as águas do Pacífico (é só isso, diriam?). Não sei se tem a ver com o Joseph Campbell, mas penso mais naquela idéia do Erich Fromm em seu livro “Medo à liberdade”, ou seja, da necessidade de não se deixar ninguém livre para encontrar consigo mesmo, com a sua ausencia de valores e sentido de vida, principalmente dentro de uma cultura americana que cultua o novo, o horizonte, o pé na estrada, ainda presa à roda do consumo e do progresso do “compre até cair” e da confusão entre desejo (consumo) e felicidade. Aproveito o comentário de Biajoni para pegar dele o termo “faroeste”, que, como todos sabemos, é ou era o oeste longínquo, função que as estrelas cumprem agora bem melhor. Se no oriente nascemos, no ocidente ou no oeste morremos, e o importante é não deixar os americanos saberem disso, o que poderia ocasionar um mass suicide. abs
Rafael:
Interessante você falar “aquele futuro demorava muito pra chegar” pois eu vi, na televisão, na semana passada, O Homem Bicentenário, em que a estória começa em 2005, na época em que o filme foi feito, no futuro.
Pois bem, cadê aquele futuro? Cadê carros voando? Altíssimas velocidades nas estradas? Estamos andando mais devada que nos anos 70 com limites e radares de monte. Robos como do Homem Bicentenário ou Inteligência Artificial então nem pensar!
Não aconteceu nada com exceção da área da informática, internet e similares, que neste setor tivemos avanças maravilhosos, inclusive muitos não imaginados pelos nossas roteiristas.
Depois que aquele cinto voador foi inventado, ainda na década de 60/70 (que já participou até de desfile de escola de samba) eu achava que, pelo menos parte, esse futuro, que vemos nos filmes, já existiria em 2008.
Realmente futuro demora muito a chegar.
O meu comentário no outro post não era com a intenção de propor os filmes de ficção como continuadores do western. A idéia que lancei (deve estar tudo errado isso, mas continuo insistindo nela) foi de que o western foi um gênero cinematográfico norte-americano, do tempo em que os norte-americanos conseguiam fazer cinema.
Fiz uma comparação com o jazz, que passou a sobreviver na Europa nos anos 60, porque nos EUA ele acabou. Acho, então, que o western acabou nos EUA não porque tenha esgotado as possibilidades do gênero. Prova é que o Leone continuou fazendo, e mais tarde o Clint Eastwood.
O que acho mesmo, é que os EUA, quando passaram a competir com a URSS na guerra-fria, tornaram-se mais tecnocráticos e menos culturais. Pra mim “ficção científica” não é gênero cinematográfico. É apenas a prova de que o cinema norte-americano acabou como cinema.
Tirando as exceções autorais, os EUA não fazem cinema faz um tempão. Quando eu era criança imperava esta ditadura dos “efeitos especiais” e do orçamento do filme, que viravam medida para a grandeza de um filme.
Os bons tempos do western nunca mais voltaram para os EUA. Interessante que o Brasil também teve uma fase semelhante, nos anos 60, com os filmes sobre cangaceiros. Será que tem alguma ligação com o western?
André,
Acho que o fato de a renovação do western ter vindo da Itália, com as características do melodrama, ópera e a carga de história italianas, que lhes permitiram ser mais cínicos em em relação ao western americano, são a melhor prova de que nos EUA o gênero estava completamente esgotado, mesmo.
E eu não acho que o que você identifica como decadência cultural do EUA tenha a ver com a guerra fria. Principalmente no cinema, o mecanismo é completamente interno: diz mais respeito ao mercado em si e a conjunturas específicas como o surgimento da TV e depois do home video. Cinemão e grandes produções sempre existiram. A graça da indústria era fazer grande sobras dentro desse esquema.
Não acho que tenha havido uma “fase” do cinema brasileiro sobre cangaceiros. Agora, no caso específico de “O Cangaceiro”, de Lima Barreto, houve, sim, uma tentativa consciente de utilizar a linguagem específica do western.
Mas o que me chamou a atenção foi a afirmação que os EUA não fazem cinema já há algum tempo. Eu já achei isso; hoje acho que mesmo blockbusters, quadnobem feitos, podem ser bom cinema, mesmo.
E ficcção científica já deu grandes filmes. 🙂
O cinema da atualidade é tão oportunista quanto qualquer outro business e não sei se prende mais a uma linha, a uma continuidade, mas sim ao que a realidade descontextualizada do aqui e agora ditar, e os temas podem assim variar ao Presidente Negro (que não é o de Monteiro Lobato, mas foi imprevisto e já deve começar a ser mais explorado pelo cinema) ao episódio das torres gêmeas (imprevisto e já devidamente explorado), passando pela crise financeira (Wall Street, o filme, já havia explorado isso à época). Penso que o cinema, para usar uma analogia, passou de uma agricultura do plantio do café e da laranja, cana de açucar e mesmo a da pecuária (todos demorados, difíceis e investimentos de longo prazo) para uma de custeio (feijão, arroz, mandioca, amendoim) com prazo curto e de custo certo e receita que pode estourar se acharem o veio certo.
O cinema, penso, virou um negocio oportunista, já que rápido, com paisagens produzidas eletronicamente (vide a crítica do diretor de DogVille a respeito no próprio DVD duplo), e que, com isso, conseguem rapidamente a antenagem com o que é popular, o que é assunto quente.
Também não vejo esta “passagem de bastão” do western para a ficção científica, considerando o inquestionável argumento de que os dois gêneros tiveram seu auge ao mesmo tempo. Apesar de o elemento ‘fronteira’ estar presente nos dois gêneros, o que eu vejo é uma clara diferença de motivação entre eles: o gênero western, como dito ai encima, olha para o passado, evocando um pseudo-heroísmo, certamente, para exorcizar a culpa pelas chacinas de povos indígenas, na corrida para o oeste. Já a ficção, esta sim, sugere um genuíno interesse em alargar fronteiras, enxergar mais longe.
Bear,
pode ser, mas continuo achando que o projeto é fincar bandeirinhas, primeiro no planeta Terra, coisa que o Far Oeste fez muito bem, posteriormente passando a peteca (mas deu para dar uma conversadinha em cima do pódio) para a ficção científica. Alias, a primeira coisa que os americanos fizeram foi fincar uma “despretensiosa” bandeirinha em Selena. Mas, de qualquer forma, acho que hoje em dia não há mais projeto nenhum a não ser making money com o que está na crista do interesse, já que o futuro acabou, assim como o passado, imperando o agorismo, o hic et nunc(eísmo). Ou seja, quem estava certo era o cara que inventou no SBT o Aqui e Agora, e é por isso que o assunto mais importante de cada momento é o atropelamento de mais um moto-boy, e mais um, e mais um,etc.
abs,
Bear:
Americano não quer exorcizar nada. Eles mataram os índios acreditando que aquele povo não civilizado que dominavo so territórios e atrapalhava o progresso deveria ser eliminado.
O Western é uma esfinge da coragem dos colonizadores enfrentando os selvagens; na visão do americano.
Santiago,
acho que é por aí mesmo.
Deadwood é uma boa série sobre o gênero
ce já viu?
bonzin viu … bonzin
Em tempo, apesar da genuína sacada do Roberto e do André, com as novas fronteiras sendo expandidas pra lá do leste do Eden, a oeste de Roma, e com os índios serem trocados por alienígenas…
<>
…Óbvio que a onda do politicamente correto, evidenciou, aos olhos do mundo, quem eram os heróis e os facínoras no velho oeste. “The strong take away from the weak, and the smart take away form the strong” – cena que pode ser conferida aqui em 1’40”: https://www.youtube.com/watch?v=RAlMYOvs5Fs, com dois grandes artistas que deram gangsters interessantíssimos, mas cowboys já duvidosos. E que os bons e os maus, como desenhado no projeto original, era um tema que não resistiria. Arriscaria dizer que a maioria dos westerns, bons e ruins, produzidos de um tempo pra cá (talvez depois de Stagecoach) eram entre maus e mais maus, todos brancos. Mesmo quando incluíam mexicanos e cucarachas em geral. Recentemente Ricardo Darín se recusou a ir pra roliúde fazer traficante latino, coisa que nosso bom bahiano, Wagner Moura, aceitou de bom grado. Não por isso, continuo apreciando os dois.
Unforgiven tem um único valor: o da obra de arte no tempo da sua produção. Se Borges conseguiu provar que o Quijote de Pierre Menard era melhor do que o de Cervantes, justamente por ter sido escrito fora de época, então esse é o valor dessa peça de Eastwood que, aliás, politicamente, continuou fazendo aquele papel feio, republicano, já representado, na vida que imita a arte, por cidadãos como o próprio cowboy par excellence, John Wayne, sua imitação tragicômica Ronald Reagan (tudo no seu tempo era áspero e agressivo RRRR como Rambo versus vietcongs e o He-man que também combatia o esqueleto faminto) e, mais recentemente, Arnold Schwarzenegger (sim, tive de buscar cola pra escrever esse nome) na California.
Se filmes de fora da lei, valem os fora de época, a gente não vai poder deixar de falar do Tarantino com seu Django que, na língua Iorubá, seria chamado de Shangô – o orishá da justiça. Só essa referência, admito que não genuína em Tarantino, já valia o filme.
Toda essa divagação, para dizer que, na minha opinião, (e concordando com o dono do blog que eu não sou doido) quem matou o cowboy foi uma dupla, o gatilho mais rápido e inteligente do oeste e seu irmão fortão e burro (numa espécie de Asterix e Obelix): Terence Hill e Bud Spencer.