Em Londres, praticamente todas as livrarias têm uma seção de história militar, têm até mesmo um número incomum de livrarias especializadas no assunto. Nelas a II Guerra Mundial ocupa lugar de destaque. A Inglaterra tem alguns dos maiores historiadores das grandes guerras do século XX, como Martin Gilbert — sem falar em Churchill, o sujeito que pelo menos no front ocidental definiu o que foi a II Guerra.
Uma parte importante dessa fixação vem, claro, da longa história de um império em que o sol nunca se punha, como eles gostavam de dizer. Os domínios ingleses abrangiam os cinco continentes, e eles podem se orgulhar até mesmo de terem sido pioneiros na exploração da Antártida e do Ártico. Além disso, durante séculos tiveram a mais importante marinha do mundo. É fascinante a história de como começaram como piratas e acabaram usurpando de Portugal, da Espanha e dos Países Baixos o posto de donos do mundo.
Em Paris essas seções não são tão facilmente encontradas nas livrarias. Em vez disso, pode-se passar o olho no passatempo preferido dos franceses, livros de filosofia em capas sóbrias e espartanas (estética aliás importada por Portugal), muitas vezes disfarçando um conteúdo medíocre e redundante, como é a maior parte da tal filosofia contemporânea. Ninguém pode acusar os franceses de desprezo à história — na Passage des Panoramas no Boulevard Montmartre, por exemplo, pode-se encontrar facilmente à venda moedas antigas que datam dos tempos do Império Romano, e alguns dos maiores especialistas em história européia, como Georges Duby e Paul Veyne, vêm de lá —, mas é como se eles achassem que não têm exatamente muitos motivos para celebrar aquela guerra. O que, num país de gente orgulhosa de sua história como os franceses, merece uma explicação.
Acho que ela pode ser encontrada nas ruas de Paris. Em boa parte delas encontram-se placas indicando que ali tombou um combatente da liberdade — em esquinas, pontes, marquises, sempre se pode achar um lembrete de que naquele local, durante a II Guerra, nazistas e colaboracionistas mataram um membro da Resistência Francesa. Muitas vezes a vítima sequer tem um nome, não passa de uma lembrança, quase um diz-que-diz. Mas a sua memória tem que ser lembrada, heróis anônimos também criam uma lenda, e por isso a Resistência Francesa alcançou, no imaginário mundial, uma importância muito maior do que a que realmente teve.
Por mais que tentem assumir um certo flair de vitoriosos de uma guerra perdida — como fez Clemenceau em 1918, por exemplo —, a França perdeu a II Guerra Mundial, e perdeu de maneira humilhante. Se com excesso de boa vontade a I Guerra pode ser vista como uma vitória, porque bem ou mal a França esteve do lado dos vencedores, se comportou com a bravura necessária e ainda levou seu quinhão do butim, a Alsácia-Lorena, a II foi a guerra em que se recusou a lutar, em que se rendeu quase instantaneamente e aceitou a ocupação e a palhaçada que foi o governo do Marechal Pétain em Vichy. Nessa guerra, o único ato francês realmente louvável foi declarar Paris cidade aberta e evitar a sua destruição.
Uns anos atrás, uma moça francesa veio a este blog defender seu país. Como poderia uma França despreparada, em crise desde a queda da III República, ousar enfrentar a Alemanha?, ela perguntou. A moça não sabia a diferença entre coragem e covardia, e certamente olhava para o exemplo da Polônia — que mesmo sabendo que não tinha a mínima chance lutou até onde pôde contra a invasão alemã, e ninguém poderá jamais desprezar a imagem da cavalaria polonesa investindo contra os Panzers alemães, quixotesca e bela — com desprezo pela sua burrice: como pôde um paisinho daquele resistir a uma potência como a Alemanha nazista?
O curioso é que Inglaterra tampouco poderia se orgulhar de ter vencido a guerra, objetivamente. É provável que o maior erro de Hitler tenha sido não tentar invadir a Grã Bretanha quando teve chance, preferindo invadir a União Soviética e entrando de cabeça no erro estratégico que é lutar uma guerra em dois fronts. Em 1941, a Inglaterra já estava de joelhos diante da máquina de guerra nazista. Não fosse o erro de Hitler, além do apoio posterior de Stálin e Roosevelt , o Reino Unido teria caído.
Mas a história da resistência inglesa à Alemanha é memorável. Londres e cidades portuárias como Liverpool sofreram bombardeios só superados pela destruição causada pela vingança — não há outra palavra que possa definir o bombardeio de Dresden, por exemplo — aliada na Alemanha. Ainda hoje se descobrem bombas que não explodiram. Se não podem dizer que ganharam a guerra por seus próprios méritos, como podem os soviéticos, os ingleses podem se orgulhar da sua postura e do seu orgulho. Durante a Blitz, resistiram com uma dignidade que ainda hoje impressiona, mesmo quando amontoados em estações de metrô ou em abrigos anti-aéreos. Filmes como o autobiográfico “Esperança e Glória”, de John Boorman, e livros como o recente Keepin’ Mum, de Brian Thompson, contam o que foi viver em um país sob ataques constantes.
Os franceses não passaram por essa experiência. Daí a insistência em glorificar a Resistência e os maquis que morreram combatendo Hitler. São o último fiapo de dignidade naquela guerra a que a França pode se agarrar, e por isso espalham placas por toda a cidade como uma tentativa de lembrar a todos que afinal a II Guerra Mundial não foi, para a França, apenas vergonha e humilhação. A Resistência Francesa, ainda que pouco eficiente, foi uma mostra do que gente com coragem pode fazer para defender seus ideais: são a diferença entre o espírito de Napoleão e a tibieza de Pétain. Acima de tudo, são uma lembrança mais digna do que o que se seguiu depois da libertação.
A postura francesa no pós-guerra é uma das coisas mais impressionantes daquela época. Se o país não foi bravo o bastante para resistir à Alemanha, coragem não lhe faltou para perseguir as mulheres que “colaboraram” com a Alemanha — ou seja, que tentaram sobreviver dormindo com o inimigo, como mais tarde milhares de alemãs ganhariam o chucrute de cada dia de pracinhas americanos. Deve ser algo na psique francesa: os alemães podiam estuprar o país, mas não podiam seduzir suas mulheres.
Um cronista mau-humorado poderia dizer que os franceses não foram homens o suficiente para enfrentar os alemães, mas o foram para raspar cabeças de mulheres cujo crime de guerra foi tentar sobreviver da única maneira que lhes era possível. Obviamente as coisas não são assim tão simples, e é razoavelmente fácil entender a revolta francesa contra colaboracionistas. Um observador mais imparcial poderia inclusive dizer que não há, necessariamente, uma relação entre os dois fatos, embora isso fosse um tanto difícil de provar.
Independente disso, o que se viu nos momentos que se seguiram à libertação francesa foi, no fundo, o extravasamento da frustração que todo francês deve ter sentido ao ver a Wermacht marchar na Champs Elysées, mas feito da maneira mais fácil. Talvez seja compreensível; mas é difícil perdoar sua indignidade. Porque é impossível olhar para as imagens de mulheres humilhadas das maneiras mais cruéis, uma humilhação completa a partir de sua nudez e da sua “emasculação” simbólica ao lhes cortarem os cabelos, e imaginar que, assim como a mancha causada pelo nazismo jamais será realmente apagada da história alemã, será difícil esquecer a vaga sensação de que a única hora em que os franceses pegaram em armas de maneira realmente efetiva na II Guerra Mundial foi para raspar as cabeças de suas mulheres.
Bem,
acho ótimo que se discuta essa questão, porque a história da guerra ainda está submersa em escombros de propaganda política. É o que fazem com muita eficiência os ingleses.
Que tal considerar que o exército francês não estava em Paris, mas tinha sido cercado na fronteira com a Bélgica e totalmente anulado em algumas semanas?
E que a Alemanha não tinha como invadir a Inglaterra por causa da barreira geográfica (o mar), e que só podia fazer bombardeios aéreos.
Talvez seria interessante pensar também na abordagem de Hobsbawn (um britânico não tão afeito à propaganda do antigo império), que fala em um período contínuo de guerra (1914-1945) e não duas guerras. No fim era mais uma guerra civil entre direita (nazi-fascismo) e uma estranha aliança liberal-esquerdista.
As SS tinham voluntários de todos os países. Havia simpatizantes nazistas até na Inglaterra. Os EUA eram profundamente eugenistas. Ninguém fez nada enquanto Hitler estava matando comunistas e invadindo Tchecoslováquia e Polônia. Quando perceberam que ele queria dominar a Europa toda já era tarde para reagir.
Também é interessante pensar que o DeGaulle foi uma grande herói, que ficou na Inglaterra em segurança animando pelo rádio a resistência que era torturada pelos nazis.
A questão da brutal perseguição aos colaboracionistas é muito bem explorada por outro ponto de vista neste filme: http://paginadecultura.blogspot.com/2009/02/espia.html
E acho que era mais o seguinte. Ninguém podia saber quem colaborou e quem resistiu. Muitos jogaram dos dois lados. Como sobreviver no pós-guerra? Se você for dos caras mais animados a espancar colaboraconistas provavelmente significa que você era um herói da resistência.
Mesmo que fosse um colaboracionista secreto e o espancado não tivesse nada com a história…
Grande texto.
André
Quanto ao exército o problema é que em hora nenhuma a França esteve preparada — ou mesmo motivada — para a guerra. Enquanto durou a Sitzkrieg, eles apenas ficaram lá, confiando numa linha Maginot que jamais funcionou, e esperando que Hitler se aquietasse. Aliás, a única coisa decente que a França fez em toda a guerra foi declarar Paris cidade aberta.
No caso do Hobsbawn, é possível olhar assim, também, mas eu acho que pensar em uma guerra só é reducionismo. A II é decorrente da I, sim, mas também tavia fatores muito diferentes entre uma e outra.
E a Alemanha tinha como invadir a Inglaterra, sim. Aliás, o Dia D foi exatamente isso, só que com os papéis invertidos. (O Alex lembra que o dia D foi uma coisa absurdamente inútil, por sinal.) O que Hitler não queria era assumir os custos dessa invasão. Na minha opinião, do ponto de vista tático teria sido melhor do que romper cedo demais o pacto Molotov-Ribbentrop.
Havia simpatizantes nazistas na Inglaterra, na França e no Brasil, sim. Havia nos Estados Unidos também, em todo o lugar. É sempre bom lembrar que, ao começar, a II Guerra ainda não era a guerra santa que é hoje. De qualquer forma, acho isso de importância nula.
Quanto a De Gaulle eu já pensei assim também. Mas acho que o seu papel como inspiração — assim como o de Churchill prometendo “sangue, suor e lágrimas” — acabou desempenhando um papel razoavelmente importante. Pelo menos um indício de que nem todo o exército francês era igual ao Marechal Pétain.
E quanto aos colaboracionistas, quem dera a coisa fosse assim tão simples. Não é bom cometer o erro de subestimar em excesso a importância da Resistência, ou os seus valores; é tão ruim quanto superestimar. E sempre se sabe quem colaborou e quem resistiu. A história é uma filha da puta cruel, nisso. 🙂
polêmica, porém interessante sua visão. eu ainda tenho uma visão da 2a. guerra mundial muito contaminada pela tal “guerra santa”, então pouco me aventuro neste terreno obscuro que é a participação em nível “micro” de cada país. exceto quando aparece algum escroto dizendo que os estados unidos ganharam a guerra sozinhos, e que os soviéticos eram covardes que não faziam nada.
Rafael:
É impressionante sua cultura bibliográfica e empírica (quando, por exemplo, explana a distribuição dos assuntos numa biblioteca na Inglaterra) sobre assuntos variados.
Parabéns!
Belo post, belo assunto e você está coberto de razão.
Porém…, sabes que um amigo alemão me garante que os franceces se cagam de medo dos alemães? Os alemães não são nem multados no trânsito de Paris, pois os heróis da resistência desistem de discutir com alguém com aquele sotaque assustador. Ele me contou sobre o guarda que rasgou sua multa (justa) quando deparou-se com ele, um alemão de 1,90m tentando falar francês!
De qquer forma, mesmo que tenhas razão em dizer que “1/3 de inglês ou 1/4 de polaco > 1 francês da Segunda Guerra”, quem ganhou a coisa foi a União Soviética e o resto é conversa. Qdo os EUA entraram já era um passeio. A URSS já tinha matado a cobra para todos.
Abraço e parabéns pelo post.
Ainda acho que o Dia D ocorreu para evitar que os russos chegassem a Portugal.
Tb acho que os alemães não mereceram algumas bombas que caíram em seu país. As que não explodiram. Lembremos sempre de Guernica.
É impressionante como os franceses perseguiram as mulheres que se deram aos nazis e não perseguiram os empresários franceses que colaboraram com a máquina alemã.
Muito interessante seu texto, Rafael. Discordo um pouco, no entanto, mais nas tonalidades do que quanto aos fatos.
A 2a Guerra é tão fascinante quanto tenebrosa. E o lado mitológico da coisa, a tal luta do bem contra o mal, às vezes encobre a estupenda tragédia que foi a coisa toda.
Não quero me alongar, então acho que posso resumir meu ponto de vista através dum gancho do comentário do Milton – sem nenhuma dúvida, a URSS foi a grande responsável pela derrota nazista. Mas até que ponto uma nação pode se julgar vitoriosa depois da morte de 20 milhões de seus cidadãos?
A França abriu as pernas sim, capitulou rapidinho e isso vai envergonhá-la ainda por gerações (e, como vc bem disse, vão tentar se enganar superestimando estórias de resistência, etc, etc…). O intrigante é tentar entender os porquês. Faltou fibra? Faltou orgulho nacional? Faltou coragem? Simplificar a questão nesses pontos é entrar no jogo da rivalidade (que é engraçada, convenhamos – vide aquela lista, provavelmente feita por um inglês, que mostra que a França não vence uma guerra há não sei quantos séculos), mas não esclarece as coisas.
O fato é que a França era, naquela altura, um país militarmente fraco e politicamente confuso. E, como vc disse, apesar de proto-vencedora, ela tinha sido na verdade a maior vítima da 1a Guerra, seu mais arrasado campo de batalha. Cansaço, trauma. Como fazer frente à uma máquina de guerra vingadora como a alemã? Quanto tempo aguentariam os franceses se criassem uma frente ocidental desde o início? Morreriam 20 milhões como morreram os russos? A turma do Asterix não queria outra guerra. Não podiam com ela. E, pois, ficaram na defesa. Rezaram pro Hitler sossegar. Depois rezaram pra Linha Maginot aguentar. Nada funcionou, como todos sabem, até a cavalaria chegar (ou até o vilão se esgotar, enfim).
Também sou fã do estoicismo, da resignação orgulhosa e da fleuma britânica. Mas os povos viveram situações muito diferentes. O próprio Churchill segurou o Dia D enquanto pode, pra ter mesmo a certeza que estava preparado pra encarar o trabuco. E só sentiu isso com Roosevelt ao seu lado.
Mas enfim. As verdades são muitas. E eu falei que não ia me alongar e me empolguei pra caracas. Um abraço.
Por essas e outras eles evocam a bravura indômita de Asterix e cia.
Napoleão não vale.Era corso …
Uau! Belíssima análise, Rafael. Que mais dizer?
Mas Drex…
É justamente por essas razões que sempre olho para a Polônia quando vejo as alegações francesas. Ela nunca teve nenhuma chance — mas mesmo assim se recusou a simplesmente entregar os pontos. Acho que a França poderia pelo menos tentar salvar as aparências.
Mas mesmo isso não seria nada demais. O problema é que os gauleses se apropriaram de uma vitória que não lhes pertence, nunca lhes pertenceu. Eles perderam aquela guerra, e perderam feio. Seria mais ou menos como se a Áustria, que adorou o Anschluss, resolvesse tomar ares de combatente contra o nazismo.
Não é questão de rivalidade entre anglos e gauleses. Aliás, a Inglaterra tampouco ganhou a guerra; mas queira ou não, desde a ascensão de Hitler se comportou de maneira mais heróica do que a França. Além de ir para a linha de frente — e queira ou não Churchill acabou sendo um farol na luta contra o nazismo –, ainda por cima levou um bocado de bombas nas fuças.
O Alex Castro sempre diz que o Dia D foi um dos maiores desperdícios da guerra, porque era inútil e era só para inglês ver, para não deixar que a União Soviética conquistasse sozinha toda a Europa. Como disse o João da Luz, para que os russos nào chegassem a Portugal.
Quanto à URSS, e considerando que Stálin já tinha dado cabo de muita gente (fora os que morreram no processo revolucionário e são creditados na conta dele), ela não apenas derrotou Hitler, como ampliou significativamente a sua esfera de domínio e restaurou seus limites territoriais ao pré-Brest-Litovsk, quando foi roubada de todas as formas possíveis . Eu sempre lembro disso quando vejo alemães alegarem que o Tratado de Versalhes, extremamente suave para eles, foi uma vergonha para a Alemanha), e se consolidou como uma superpotência mundial; acho que ela, mais até que os EUA, pode se considerar vencedora, sim. 🙂
Rafael,
Só queria enfatizar que existem várias razões plenamente aceitáveis pruma nação não querer entrar num confronto. Assim como existem as razões condenáveis também 🙂 Mas acho que creditar tudo a uma questão de atitude é meio simplificador. Mas taí um assunto interessantíssimo.
Agora, daí a assumir pra si um papel de vencedora do conflito, vai uma longa distância. Nisso concordo contigo. Os gauleses forçaram (e forçam) bastante a barra querendo sentar-se no pódio ao lado dos Aliados.
Me veio agora um paralelo nonsense: lembra da polêmica do Genoíno, que quando guerrilheiro teria sido torturado e revelado segredos de companheiros? Pois bem – não condeno alguém que, sob ameaça ou tortura, se veja obrigado à trair seus princípios. Mas condenaria se, depois de tudo, o sujeito venha fingir pose de herói.
Heroísmo é bonito, mas eu não condeno a falta dele. Condeno a hipocrisia, esta sim reveladora de covardia. Hipocrisia, justamente, dos tais franceses que depois se orgulhavam em humilhar suas mulheres “colaboracionistas”.
E, após tantas voltas, termino tudo concordando com seu post 🙂
Caro Rafael,
Cheguei aqui trazido pelo Hermenauta. E, tendo estado em Paris e Londres, tenho que declarar que as diferenças entre os dois povos, no que diz respeito à memória da II Guerra, vão além de um ter ganho e outro ter perdido a guerra: franceses e ingleses parecem ser criaturas muito diferentes culturalmente, algo como brasileiros e argentinos. Mas a sua análise é muito válida e bem vinda. Entretanto, … Não concordo com o trecho “É provável que o maior erro de Hitler tenha sido não tentar invadir a Inglaterra quando teve chance, preferindo invadir a União Soviética e entrando de cabeça no erro estratégico que é lutar uma guerra em dois fronts.” Hitler não errou, simplesmente: o grande inimigo da Alemanha nazista era o comunismo, pura e simplesmente. Hitler invadiu o resto da Europa, especialmente a França, para não lutar em dois fronts. O que ele queria, seu objetivo máximo e principal, era esmagar a URSS. Como ele havia amansado a Europa continental, e a Inglaterra era só uma merdinha de ilha, Hitler achou que podia se dedicar ao que importava. E se ferrou. Quando os aliados perceberam que ele tinha se ferrado, aí é que eles decidiram entrar no jogo de verdade, para evitar que o comunismo ganhasse muito território…
Um abraço!
Dedalus,
Destruir o comunismo era o principal objetivo da Inglaterra e da França, isso sim. O nazismo era só o instrumento. Acho que o principal objetivo de Hitler era garantir a Alemanha como uma superpotência absoluta na Europa. A destruição do comunismo era uma conseqüência, longe de desimportante, mas razoavelmente secundária.
Quando se fala no erro de invadir a URSS naquele momento a gente se refere à estratégia. Não que fosse um erro invadir a Rússia; mas era um erro naquele momento específico, quando ele lutava no resto da Europa. Se ele tivesse amansado a Europa ele até podia fazer isso; mas ainda estava longe de chegar lá. E a Inglaterra não era uma merdinha de ilha. Era fundamental para o domínio da Europa.
Drex,
O caso do Genoíno é meio complexo, né? Ao que parece, o problema dele não foi abrir a boca debaixo de porrada. Foi, em primeiro lugar, dar um grande vacilo, desobedecendo ordens e se deixando apanhar facilmente. E ao que dizem, ele nem precisou apanhar tanto.
Caro Rafael,
Não sei se Hitler achava fundamental conquistar a Inglaterra para dominar a Europa. Acho que ele nem queria mexer muito com a Inglaterra para não despertar os EUA, historicamente ligados ao Reino Unido. Só enfraquecê-la já bastava. E ele pensou ter feito isso ao conquistar a França, já que assim os ingleses não teriam nenhuma cabeça de ponte no continente. De resto, eu não posso deixar de lembrar que os EUA só entraram na guerra em dezembro de 1941, depois da “parada” dos alemães na Rússia: ingleses, franceses e americanos viveriam muito bem com o nazismo se ele tivesse derrotado o comunismo.
Um abraço!
Acho curiosa essa discussão sobre o elogio do heroísmo versus a vergonha da covardia.
Quando estive em Londres, tudo bem que era comemoração do Dia do Soldado Desconhecido, o que tem lá sua mística, mas era cerimônia pra cá, lapela vermelha no peito pra lá, reportagens na tv acolá, e vc começa a pensar se toda essa exaltação do soldado não é só um motivo pra justificar o militarismo e todo aquele sistema de defesa dos interesses das classes dominantes. Mais felizes são os alemães de hoje, que podem se envergonhar em paz de todos os soldados que já tiveram, de todas as batalhas que venceram, de todas as vezes que acharam o seu orgulho nacional algo importante, fora do campo de futebol.
Sim, claro que os tempos justificavam as ações e que nós agradecemos aos céus e aos infernos que o doido assassino do Stálin tenha derrotado o doido assassino do Hitler. Só me pergunto se agora que a antiga aristocracia prussiana aliada aos monopolistas industrias já não é ameaça pra ninguém, essa coisa de se achar o máximo porque seus bisavós foram homens corajosos & calharam de nascer no país onde os governantes eram menos sanguinários não atrapalha mais que ajuda nas coisas realmente importantes, tipo, sei lá, Guerra no Iraque.
Enfim, gostei do texto, não sabia dessa perseguição às mulheres colaboradoras.
@Rafael Galvão
Em suma, a abertura da segunda frente foi um caso típico de político que começa a acreditar nas próprias enroladas e se lasca. Húbris em estado puro, ainda mais considerando que não era uma segunda frente qualquer, mas justamente AQUELA.
André,
Bom texto, a lembrança do tratamento dado às “colaboracionistas” é muito bem tecido. Mas acho que você se deixa levar justamente pela mítica criada pelos britânicos. Coragem e hombridade tem lá seu papel, mesmo em se tratando de coletividades. Só que não são toda parte da história. Acho que são mesmo uma parte menor.
Os ingleses preferiam instigar os outros a lutar e recuar antes deles mesmos se verem em maiores apuros. Assim como na I Guerra, a força expedicionária britânica enviada à França em 1939 era mais ou menos o que é hoje sua presença no Iraque em comparação à forças americanas, um acessório valioso, mas um acessório. Ela só lutou bravamente para fugir por Dunkerke, o que não é exatamente um monumento à fleuma. Isso enquanto o melhor do exército francês lutava com ela, embora só uma pequena parte do mesmo tivesse a chance de escapar. Ou seja, as forças inglesas voltaram sem armamentos, mas quase intactas do ponto de vista de pessoal.
Na deflagração da guerra, a França tinha perto de um milhão e duzentos mil soldados, entre reservistas e em armas. Gastara nos anos 30 uma soma considerável em preparação à guerra que se temia inevitável – e a escala da linha Maginot era uma prova disso. Por mais mal preparada que estivesse, essa escala não revela exatamente covardia, mas indecisão e divisão interna. Já as forças terrestres britânicas eram quase ridículas, o que levou ao discurso de Churchill sobre a lutar nas praias e nas ruas, uma forma de dizer que alguma forma de luta irregular ocorreria se os alemães conseguissem desembarcar. Era, obviamente, uma aposta, pois acho que os britânicos achariam algo de muito mau gosto gente sangrando desordeiramente pelas ruas sem uma necessidade realmente válida, if you know what I mean…
É curioso também notar que os alemães estavam para lá de receosos com a campanha no front ocidental (uma maneira de conjurar o nervosismo é tratar de resolver logo um problema). A Blitzkrieg propriamente dita não foi aplicada na Polônia, sendo, na realidade, desenvolvida a partir da Polônia – o que explica terem os poloneses resistido tanto tempo (a situação desesperadora também é parte da explicação, o que não era o caso de França e Inglaterra). Os tanques alemães, conquanto terem dizimado a cavalaria polonesa, eram extremamente frágeis em 1939 e não se deram muito bem contra cidades e fortificações. A Blitz, em certa medida, foi uma questão de necessidade, não de coragem: tendo que desorganizar rapidamente as forças aliadas no norte da França, era preciso ser móvel. Rommell era o “general fantasma” porque correu tanto que nem as demais forças alemães o conseguiam acompanhar. Manstein temeu várias vezes por contra-ataques franceses, dando ordens para uma parada no avanço, tal como um general francês temeroso em ter sucesso, algumas vezes em maio de 1940.
Mas a França sifu, mais por incompetência e falta de élan do Estado-Maior do que por ausência de espírito de luta dentro da força. E com isso a Inglaterra meio que se salvou. Só depois dos chacoalhões de Churchill é que se pode dizer que aquele espírito de denodo tomou conta de Albion. É contrafactual, eu sei, mas é duvidoso que, tivesse a ilha sido imediatamente invadida em 1940, os ingleses preferissem ver seu país devastado como o norte da França ou as díades polonesas a negociar com um líder que, confessadamente, nutria admirações pelo Império. A decisão de não invadir a ilha, que não seria muito difícil nas condições de 1940 (basta ver a confusão que foi Dunkerke), foi um cálculo político válido de Hitler: os ingleses sairiam da luta através de um acordo. Pô! Ninguém lembra do Hess não? Isto tudo ajuda a explicar porque, ao final das contas, não morreram muito menos soldados franceses do que ingleses durante todo o conflito: 217 mil contra 380 mil.
Por fim, e isso obviamente não é uma justificativa, até porque não significa afinidade ideológica, é preciso lembrar que a partição da França em junho de 1940 não representou totalmente, na perspectiva da época, a saída do exército francês da guerra. Pelo acordo, a França permanecia com suas colônias e com sua marinha de guerra. Embora Vichy fosse francamente aliada de Hitler, os militares das forças restantes estavam divididos entre neutralistas e simpatizantes dos ingleses, havendo uma minoria francamente fascista. Não ajudou muito aos segundos o ataque surpresa inglês à frota francesa em Mers El-Kebir (Argélia) poucos dias após o armistício de Compiége. Isso dificultou o trabalho de De Gaulle, jogando as forças francesas que poderiam vir a se juntar aos britânicos daí a poucos meses quando começasse a guerra na África numa apatia que levaria ao auto-afundamento da frota em Toulon em 1942, quando Vichy foi invadida pelos alemães.
Mais especificamente sobre o humor das respectivas populações, é preciso lembrar que a Batalha da Inglaterra foi a primeira experiência inglesa de alguma devastação civil, frente a três experiências francesas (Paris já tinha sido bombardeada lá atrás, em 1870). A Inglaterra ainda retira bombas de avião de seu solo, ok. Na França você encontra no nordeste do país buracos de obuses 40 anos mais antigos. Em 1940 o país experimentou um fluxo de refugiados internos inédito, com civis sendo massacrados por aviões, tal como na Espanha um pouco antes, como forma de diminuir a moral também da tropa. Sinceramente, a Blitz sobre Londres foi horrorosa, mas o custo geral foi bem menor para os ingleses. Daí 67 mil civis ingleses terem morrido na guerra, contra 210 mil franceses. Estoicismo assim, convenhamos, é relativamente fácil de manter…
De qualquer forma, em vez de limitar-nos a louvar a URSS, ou os EUA, ou quem mais seja, creio que a verdade é que o nazi-fascismo foi derrotado por todos que lutaram contra ele, incluindo nossos bravos pracinhas. Cada um que deu seu sangue, que organizou um grupo anti-alemão em solo europeu, que jogou uma bomba contra uma instalação alemã, erodiu um pouco o esforço de guerra nazista, desviou forças dos grandes palcos de batalha, cansou um exército aparentemente incansável. Toda comemoração direcionada ao mais inútil, militarmente falando, ato individual de bravura, é uma lembrança válida e necessária.
Um abraço de um novo leitor.
@João Paulo ,
Também concordo em linhas gerais com o que você fala, mas tenho alguns senões.
Fui dar uma olhada na Wikipedia. Os números ao final da Batalha da França são os seguintes: 90 mil franceses e 68 mil ingleses mortos. Não é um número grande, nem a diferença é significativa. É essa a questão central do texto. A maioria morreu depois, numa guerra onde já tinha se rendido. Resumindo, se não fossem os soviéticos e os americanos, iam morrer muito menos franceses. De certa forma, entraram de gaiatos.
A questão é: a Batalha da França durou um mês e Pétain se apressou em pedir água (e não falo dos meses de Sitzkrieg porque não vale a pena). Em comparação, a Blitz durou 8 meses. É nisso que se define a questão da covardia francesa. Não é tanto a questão da mítica de que trata o post: é o reconhecimento de que os ingleses têm orgulho do seu papel na II Guerra e os franceses não, e que essas razões são plenamente justificáveis. Os poloneses também foram invadidos, com tantos traumas quanto os franceses (talvez mais), mas podem dizer que lutaram, dentro de suas possibilidades. O mesmo vale para os russos, que vinham se ferrando desde muito tempo antes e mesmo assim foram para Stalingrado.
(Sobre Dunquerque: não tenho certeza de que você está enganado porque não tenho os números totais aqui [me dá tempo para ir para casa consultar o Martin Gilbert que eu posso te dar isso], mas segundo a Wikipedia foram resgatados 198,229 ingleses e 139,997 franceses, um número razoavelmente próximo. Mas eu nào sei quantos estavam lá.)
Nem mesmo os alemães viram com alegria a partida de seus soldados para o front, segundo a narração a quente de Shirer. Mas isso não quer dizer absolutamente nada. Coragem não é sinônimo de alegria. Toda a Europa estava traumatizada; a forma como se reage ao trauma é que define a idéia de coragem, e a necessidade posterior de compensação nos cabelos das moças.
A lembrança do vôo do Hess é oportuna, e serve para lembrar algo que às vezes se ausenta do debate: guerra é a continuação da política por outros meios. Mas é bom lembrar que ninguém tem certeza do que ele estava fazendo na Escócia, afinal, e há grandes chances de que tenha ido contra a vontade de Hitler. Além disso, independente de qualquer coisa não foi feita nenhuma negociação. Ou seja: em 1941 não havia chance aparente de acordo. Quando tirou a Inglaterra do seu foco, é improvável que Hitler estivesse esperando um acordo, pelo menos um fácil. Além disso, eram Hesse e Goebbels quem consideravam a hipótese (altamente improvável) de ter a Inglaterra como aliada, não necessariamente Hitler.
Invadir a Inglaterra não seria tão fácil, já que Hitler teve que cancelar a Operação Sealion porque, diz o consenso, a Blitz não foi eficiente o bastante. Mas ainda assim era melhor tentar do que se voltar para o front oriental.
Finalmente, quanto aos exércitos, o fato é simples e acho de ponto de vista macro dispensa detalhes: sozinhos, os alemães derrotaram os exércitos francês, belga, holandês e polonês — sem falar no estrago na Inglaterra — em um mês; e seguraram uma guerra européia durante 5, 6 anos. Esse é o padrão sobre o qual se deve discutir. Eventuais fragilidades se perdem dentro do contexto.
Eu também concordo, plenamente desta vez, que a vitória sobre o nazi-fascismo é mérito de todos, até dos nossos buchas-de-canhão da FEB. Mas alguns têm mais méritos que outros, e esses cabem justamente à URSS e aos EUA. Outros devem ter mais vergonha do que outros, e fora a Alemanha, coitada, que não tem absolutamente nada para mitigar o vexame, e aos seus aliados de primeira hora, a França é séria concorrente ao posto de campeã.
@Henrique
Eu ainda acho que é melhor ser corajoso do que covarde. E não acho honra um conceito absolutamente demodê, não. É melhor ter orgulho de um bisavô “macho”, como nóis diz por aqui, do que vergonha daquele filho da puta que desqualificou a família toda. 🙂
@Dedalus ,
A história da guerra é mais complexa do que simplesmente a vontsade de alguém, e nem sempre dá para escolher os aliados. O fato é que durante 8 meses Hitler tentou destruir a Inglaterra — seja para invadir ou para forçar um acordo. Não ter insistido mais nisso foi um erro. Eu também não sei se Hitler desejava atacar, pelo menos naquele momento, a França e a Inglaterra, tanto que a Sitzkrieg durou um bom tempo. Mas ao atacá-las — e ele precisava atacar a França para retomar a Alsácia-Lorena — ele sabia o que estava fazendo. Quanto aos EUA, na verdade eles sequer declararam guerra à Alemanha. Declararam ao Japão, e pelo Tratado do Eixo a Alemanha entrou em guerra com eles.
Rafael,
O meu desacordo é com, justamente, o relevar o contexto e a individuação dos processos em questões como “coragem”, “covardia” etc. Também centro na comparação das atitudes inglesas e francesas. Não se trata de negar que a França não tenha dado um “vexame” num sentido mais geral do termo, mas de entender o que é este vexame e, para isso, só apelando para o contexto. Fazer isso é operar por comparações. E o estado de espírito anglo-saxão em 1940 era tão baixo quanto o gaulês. De novo, comparar uma campanha aérea com a real blitzkrieg é meio distorcido. É mesmo um erro falar em “Blitz sobre Londres”, como muitos fazem, pois a Blitz não se resume a bombardeios, como sabemos. Os alemães visavam abater o moral britânico, não derrotá-los militarmente, razão pela qual a indústria inglesa e sua frota foram pouco afetados. O centro de Londres não é um cordão industrial-militar. Não custa lembrar que há pouco tempo a marinha germânica havia derrotado a Royal Navy na Noruega… numa operação anfíbia e aérea.
A questão é menos, todavia, dos números e outras considerações semelhantes, e mais de entender a dinâmica daquele conflito, pois ela explica em muita medida os destinos e decisões particulares deste ou daquele país. É notável que a vontade de lutar nitidamente foi aumentando conforme o conflito foi se agudizando (inclusive entre os franceses, colaboracionistas ou resistentes). Ao contrário da mítica, a Grã-Bretanha não era nenhum sustentáculo da luta anti-fascista até o segundo semestre de 1940. Mas aí não dá para comparar, por razões óbvias.
O fato é que a França foi derrotada em junho de 1940, em um dos sentidos clássico da derrota: seu exército foi desfeito pelo inimigo, por razões várias. Nenhuma coragem sobre-humana mudaria isso. O que sobrava era uma força que poderia ser no máximo melhorada, jamais equiparada à máquina de guerra alemã, mas nas condições do terreno, no verão de 40, não fazia mais diferença. Tanto que, com ainda (?) metade do território a defender (ponto a que nenhuma potência da guerra chegou, diga-se de passagem), a única alternativa era a saída para a África. Convenhamos que era um pouco desesperadora, o que a Inglaterra jamais chegou perto de sentir.
Por fim, só um reparo e um exemplo contra mim mesmo. O reparo: a retirada de Dunkerke (tenho números ligeiramente menores de franceses), sob os pressupostos do post uma covardia sem par (o que não é), retirou praticamente toda a FEB e só parte do exército francês sobrevivente que, ainda assim, não foi levado de volta à França para lutar, pois os ingleses temiam as perdas em sua esquadra. Cada vez mais me convenço que a tal coragem de lutar dos ingleses só viria mesmo nas areias africanas, um ano depois. O conta-exemplo: é bem mais vergonhosa a atitude francesa no que tange ao ocultamento do papel dos “indigènes” nas forças armadas durante a guerra do que a continuação de uma luta nas condições reinantes quando do armistício.
João Paulo,
Sim, a Inglaterra só adquiriu proeminência na luta anti-nazista depois da queda de Chamberlain, mas isso quer dizer apenas que ela foi capaz de tomar uma posição firme enquanto a França se afundava nos destroços da III República. Aí a gente lembra do seguinte: durante meses, Alemanha, França e Inglaterra relutaram em começar a guerra de fato. A Inglaterra se preparou do melhor jeito que pôde. Trouxe Churchill. A França, bem, a França simplesmente colocou a cabeça num buraco, como um avestruz.
Quanto às intenções nazistas sobre a Inglaterra, isso é bem discutível. Se o objetivo fosse apenas abalar o moral inglês Hitler não teria concebido a Operação Sealion, que só foi suspensa porque a Blitz não surtiu os efeitos desejados. Churchill certamente acreditava na invasão — e prometeu aos ingleses que eles iriam lutar nas ruas, nas praias, etc. Aliás, a Sealion só foi suspensa meses depois dos bombardeios a Londres cessarem.
Quanto a Dunquerque, dois pontos na Wikipedia (que eu vou checar no Gilbert depois):
Sobre a rapidez ou lerdeza no repatriamento de franceses:
Sobre a “preferência” em relação aos ingleses:
E as coisas pioram pros franceses. Se isso for um fato, além de covardes eles foram uns filhos da mãe mal-agradecidos. 🙂
Rafael,
O resumo de meu argumento é o de que é exagero falar numa covardia francesa no sentido popular que se usa, sobretudo numa comparação com a Inglaterra, por duas razões: estando ocupada, não se pode exigir que ela agisse como um país com auto-governo e pleno acesso a recursos vitais (Vichy é outra coisa, essa sim vergonhosa), tal como as demais potências, sobretudo as que não tiveram seu território invadido; se queremos adotar o argumento moral estrito senso, então que se lembre que a luta era no continente, não na ilha, e que, portanto, era dever dos súditos de Sua Alteza lutar até o último homem, ou até os aliados conjuntamente dizerem chega, no continente. Afirmar que os soldados franceses foram na maioria devolvidos não altera muito este quadro, devido às condições da luta e ao fato de que os ingleses não voltaram enquanto a batalha ainda em curso (os ingleses lutaram um pouco mais de duas semanas, e a França ficaria na lide ainda mais um mês). Veja, eu não acho que o comportamento inglês foi reprovável (foi um cálculo acertado mesmo sem levar em conta os acontecimentos posteriores), mas é porque não baseio isso em coisas como “coragem” e “covardia”, pois por estes parâmetros, abandonar a Polônia, lutar para fugir, bombardear sua aliado do dia anterior em condições de neutralidade e receber bombas que não tinham o condão de lhe quebrar militarmente e que não se comparavam à destruição que seus aliados sofreram há pouco não constituem uma página de “coragem” no sentido romântico que aqui quer se dar. A Inglaterra não saiu da França por coragem, cavalheirismo ou como grande estratégia para acabar com o nazi-fascismo em uma luta titânica, mas para momentaneamente salvar a pele, e somente a sua pele. O irônico é que foi o sacrifício da França – o que do ponto de vista da honra militar, da hombridade ou mesmo de uma integridade heróica face o nazismo não é exatamente um exemplo – aquilo que deu o moral que a Inglaterra precisava para prosseguir na luta. E, assim, não dá para exigir daquele que você sacrifica para encontrar a sua força para lutar que, enfim, lute tal como você. Tanto é assim que, na época, durante e anos após a guerra, os ingleses o não fizeram, já que sabiam que o “milagre de Dunquerque” e o inevitável sacrifício francês foi essencial para os desdobramentos posteriores.
Um abraço.
João,
Resumindo: acho que a gente acabou enfatizando e discutindo aspectos peculiares de um todo.
Quando falo em vergonha francesa, me refiro ao processo inteiro. Que vem de antes da eclosão da guerra. Isso quer dizer a tolerância excessiva a Hitler (compartilhada com a Inglaterra de Chamberlain, embora com bem mais intensidade) e a pressa em correr da guerra e aceitando uma humilhação como Vichy.
Ser derrotado e ocupado é algo mais defensável do que uma solução de compromisso.
Acho que muito dos argumentos que você utiliza em relação à França se adequam à Polônia (que também foi derrotada rapidinho e ocupada), mas não a ela.
O engraçado é que a discussão acabou indo para longe do post: o fato é que os franceses não parecem achar que têm algo de que se orgulhar na II Guerra. No fim das contas, muito mais que minha opinião, a idéia de covardia parece ser opinião deles mesmos, ainda que nào explicitamente confessada.
Também acho que é exagero dizer que o sacrifício da França deu moral à Inglaterra. A consolidação de Churchill no poder, sim. É bom lembrar que ele voltou assim que a Sitzkrieg começou e virou primeiro-ministro assim que a Aleamanha invadiu a Inglaterra — o que mostra, no mínimo, uma diferença de atitude em relação à França débil, contemporizadora — e, sim, covarde — de Daladier.
Lindo texto……….
A questão, Rafael, é qual guerra a França ganhou na era moderna.
Com o Bonaparte, ganhou várias baltalhas, mas acabou levando chumbo no final das contas.
Guerra Franco-Prussiana, bomba.
Primeira Guerra, uma pseudo-vitória.
Segunda Guerra, é isso aí que vc descreveu.
Depois temos Indochina, Argélia…
Voltando no tempo, acho que a última que os redutíveis gauleses levaram foi a Revolução Americana ;)…
@Rafael Galvão
Rafael,
Você obviamente tem razão quanto à atitude dos franceses quanto a seu papel na guerra. Mas isso é uma tendência que se acentua no pós-68, na crítica ao gaullismo. Até então o que grassava era um orgulho quanto à França Livre e à Resistência – que os próprios americanos e ingleses insuflavam, com filmes como “O mais longo dos dias” e “Fugindo do inferno” e em séries como “Guerra, sombra e água fresca”. Eu, se fosse francês e estivesse nessa de me orgulhar ou não do que outros fizeram, teria vergonha por Vichy, mas não necessariamente pelo período maio/junho de 40. Acho que o que é relevante, e ainda é motivo de alguma discussão, é o quanto havia de possibilidades em meados de junho de 1940 que não fosse a solução de compromisso. Não acho que haja resposta, pois a situação era efetivamente desesperadora, e exigir respostas das pessoas em situações tais, ainda mais com só a gente sabendo o outcome, é complicado.
Também concordo com o papel de Churchill. Os franceses não tiveram um líder da mesma estatura, e para essas coisas acho sim que o indívíduo acaba jogando um papel essencial. Havia De Gaulle, mas ele não era um político, enquanto Churchill, por mais isolado que estivesse, era uma figura tradicional do establishment. Churchill compreendeu que a guerra era mundial e não a velha rivalidade imperial de 14-18, o que a maioria dos líderes franceses não viu, ou não quis ver.
Um abraço.
A França venceu a guerra da ideologia: Propagou o liberalismo pela Europa que, depois, foi multiplicado pelo mundo afora. E o liberalismo ainda está longe de ser esmiuçado.
Rafael,
Parabéns pelo post! Não poderia ser mais oportuno, com a lembrança dos 70 anos do fatídico 1º de setembro de 1939. Sem dúvida, a segunda guerra é um dos assuntos mais importantes e facinantes da história contemporânea.
No argumento geral, com relação ao fato de não haver uma forte sentimento de vitória do franceses, concordo com você. E o sentido disso me parece claro. Eles não venceram a guerra, e sabem bem disso.
Agora, não posso concordar com a conclusão de que isso deveu a falta de coragem dos franceses. Aliás, não gosto muito dessas generalizações muito amplas, que abrangem povos inteiros. No caso francês, você poderia generalizar e dizer que faltou coragem e vontade de lutar para o alto comando francês e para a elite política. Quanto ao povo francês, não sabemos ao certo.
Acho que a questão da falta de espírito de luta nem é tem importante para esta postura. Real motivo para profunda vergonha dos franceses foi a existência de alto índice de colaboracionismo com os nazistas, a tal ponto de se aceitar o vergonha da nação títere da França de Vichy. Lembro que as leis racistas da França de Vichy tiveram por patrocinadores ninguém menos que Pétain e Laval, e não os nazistas. Mas outro fato é ainda mais vergonhoso e pouco lembrado atualmente. Todos os judeus franceses que foram entregues aos nazistas foram inicialmente detidos e mantidos presos pelos próprios franceses, sem pressão direta dos alemães. Só mais tarde, com o início dos campos de concentração para “A Solução Final da Questão Judaica” é que eles foram alegremente entregues aos nazistas.
Aliás, essa questão da entrega dos judeus não foi um exclusivo ‘privilégio’ francês. Pelo contrário, à exceção dos dinamarqueses, os demais povos europeus ocupados entregaram seus judeus, e alegremente se apropriaram de seus bens.
Os próprios poloneses cometeram alguns assassinatos de judeus após o término da guerra.
Também a questão da humilhação pública das mulheres ‘colaboracionistas’ não foi exclusividade alemã. Esse tipo de vingança ocorreu por toda a europa libertada, em especial Bélgica, Holanda e Itália. Lembrem-se do ótimo filme “Malena”, em que a maravilhosa Monica Bellucci faz justamente o papel de uma ‘colaboracionista’.
Com relação a Dunquerque, meus livros apontam para o número de 340.000 resgatados, sendo 220.000 ingleses e 120.000 entre franceses e belgas.
são mais de 50 anos batendo em ingleses russos e americanos.o escritor frances raymond cartier foi quem me chamou a atençao ao land lease act.é algo de perturbar a imaginação.os russos são os primeiros a negar que ele fez alguma diferença.eu estou convicto que sem a ajuda americana jamais os russos teriam chegado a berlin.o que continua perturbando é que roosevelt e churchill se aliaram a um canalha maior ainda do que hitler.somente quando a guerra terminou churchill deu conta da merda que haviam feito.foi um momento de triunfo e tragedia.quem ganha a guerra escreve a historia.grato
Perseguição a mulheres coloboracionistas não foi exclusividade da França. Aconteceu na Holanda, Belgica, Itália e até Grécia. Na Italia ficou famosa a visão das “raspadas” indenficando q eram mulheres q se deitaram com nazistas.
Acho que nós homens de hoje temos uma visão muito mais endeusada das mulheres e ficamos chocados em saber q o fizeram com essas mulheres. Mas eram mulheres q se deitaram com inimigos, invasores e opressores…Será q vc’s seriam diferentes no calor daqueles dias?
obs: Não estou dizendo que fizeram foi certo, só enfatizo que em tempos de guerra ou pós guerra as coisas são diferentes.
Texto parcial e ignorante por completo. A França na II Guerra não quis cometer o erro da I Guerra, quando lutou sozinha em trincheiras contras os alemães e perdeu milhões de vidas, enquanto aguardava os covardes ingleses que aguardavam nas linhas de trás e do mar que os protegia, para ver o no que aquilo daria. Na II Guerra, os franceses abriram passagem e os ingleses covardes foram obrigados a vir ajudar ou eles iriam para o brejo. Essa é a verdade escondida, os ingleses sempre foram muito covardes em sua postura escondida, sonsa, enquanto atribui-se erroneamente aos franceses uma covardia que nunca existiu. A não ser em textos desinformados como este.
Olá. Me permita lhe sugerir a leitura do livro: Hitler, Churchill e uma guerra desecessaria, do autor Pat Buchanan. Você entenderá melhor quem foi (o canalha)Churchill.
De Gaulle foi um covardão, medroso mesmo, assim como todos os franceses o foram. A França precisou do socorro americano, russo e de quase todos os países do mundo para se libertarem da ocupação alemã. Raspar as cabeças das mulheres que confraterizaram com os alemães, apenas confirma para o mundo o quão covarde são os homens franceses.