O circo dos horrores de Michael Jackson

Eu nunca vi nada tão bizarro, tão decadente, tão podre quanto esse velório de Michael Jackson transmitido ao vivo hoje.

Chego em casa para o almoço e Lionel Ritchie está cantando uma música na TV. Logo depois se sucedem outros artistas, outras canções — algo semelhante a uma premiação da AFI, ou mesmo ao Oscar. Apenas uma leve lembrança de que aquilo era um “memorial service“. Leve, não: entre os artistas e a platéia, o caixão vistoso de Michael Jackson era sólido, pesado, brilhante como um terno de lamê.

As mesmas pessoas que reclamam que brasileiro tem a mania horrorosa de bater palmas em enterros deveriam se horrorizar com as palmas e os assobios ouvidos. Ou com o preço dos ingressos para o evento, com as pessoas vendendo por preços altos demais os ingressos sorteados. O velório de Michael Jackson se transformou em pouco mais que um show de música pop, nada mais que isso. Passa a impressão de ser a última fronteira do desmonte da individualidade humana. Ou, no mínimo, um fim adequado a um sujeito que, vivendo praticamente toda a sua vida sob os holofotes, já há muito tempo não sabia diferenciar o público do privado.

Talvez as pessoas não vejam nada demais nessa espetacularização levada às últimas conseqüências. Eu vejo.

Eu já tinha visto outros funerais-espetáculo: o de Tancredo Neves, o de Ayrton Senna. Mas embora tenham atraído a atenção da mídia, ali rapinando a imagem pública de um ídolo até o último momento, nenhum deles foi concebido e planejado como um evento totalmente midiático, como aconteceu agora. O velório de Michael Jackson ultrapassou todos os limites de decência e do respeito ao ser humano. Não que o próprio defunto ali embalsamado provavelmente reclamasse: Jackson morreu como viveu, um objeto peculiar diante do escrutínio público, um exemplo vívido de uma nova sociedade que se define através da exposição excessiva e da destruição da própria intimidade.

A morte costuma se tornar também um processo de canonização de ídolos. Um sujeito complexo e muitas vezes detestável como John Lennon se tornou um símbolo da paz mundial. Elvis Presley se tornou um ícone absoluto apenas depois que morreu, depois de um processo de decadência de mais de 15 anos apenas interrompido em 1968 e retomado pouco depois em Las Vegas. George Harrison foi alçado à posição de alma dos Beatles — justo ele, um guitarrista apenas bom, um cantor sofrível e um compositor mediano que deu sorte duas ou três vezes –, e em novembro de 2001 tinha-se a impressão de que Lennon e McCartney não passavam de coadjuvantes diante daquele gênio.

Com Jackson não podia ser diferente. Agora ele está se transformando no maior gênio da história da música, e vai continuar assim até virem os próximos grandes mortos, Bob Dylan, Mick Jagger ou Paul McCartney. Eu ainda estou procurando essa genialidade. Dançarino fantástico, excelente cantor e eventualmente um ótimo compositor, Michael Jackson era um artista competente, sem dúvida. Entre o final dos anos 70 e começo dos 80 teve um momento de absoluto brilho, com dois discos antológicos. Mas até agora ninguém conseguiu entender e separar o que, no fim das contas, era resultado do seu talento como músico, o que era produto de sua máquina de relações públicas, e o que era decorrência de uma felicíssima e única circunstância histórica: Jackson foi o primeiro superstar da era do vídeo, em que a imagem era tão ou — principalmente no seu caso — mais importante que a música propriamente dita, e lhe dava uma dimensão maior da que ele era efetivamente capaz de ter.

Sua importância na evolução da música pop é muito menor do que agora querem me fazer crer. Berry Gordy, que deu uma canja com um discurso no velório de Michael Jackson, é sozinho muito mais influente que o defunto à sua frente, porque foi ele quem definiu o som de Detroit, o que incluía o Jackson 5, Supremes e tantos outros. O que Jackson realmente fez de importante foi ajudar a projetar aspectos da cultura negra americana para o resto do mundo. Milhares de pessoas em tantos países diferentes, que dançam inspirados nele, podem testemunhar isso. No entanto, musicalmente é um ultraje compará-lo aos Beatles e mesmo a Elvis; Michael Jackson estava no nível de uma Madonna, não mais que isso — sendo que volta e meia Madonna consegue se revalorizar, e até lança grandes álbuns como o Confessions on a Dance Floor, de 2005, algo que Jackson não fazia há um quarto de século.

Antes de mais nada, Michael Jackson era um artista decadente. Uma decadência longa, extremamente pública e agonizante: quase 30 anos de uns poucos discos medíocres, de factóides em vez de arte, décadas em que um novo passo de dança mascarava o fato de que ele não conseguia criar boa música. (Sobre o Michael Jackson artista, assino embaixo de tudo o que o Daniel Piza escreveu aqui.)

É talvez por levar em conta o seu status menor que o que lhe é concedido agora, e ter em mente a sua decadência abjeta como poucas antes — mesmo acostumado à genialidade póstuma, à comoção pela morte de um ídolo –, que o seu velório me espanta e me horroriza. Eu ainda não tinha visto nada como isso. O Doni acha que é um momento de fim de era, e Jackson seria o primeiro grande ídolo a morrer nessa época de comunicação total. O Nelson, que está esperando a turnê 2009 do velório de Michael Jackson (brilhante, Nelson), vê nisso a carnavalização da culpa — uma sociedade que expiava ali o incômodo pela pouca importância dada ao astro nos últimos 20, quase 30 anos.

Tanto o Doni quanto o Nelson têm razão, mas algo me sugere que é ainda mais que isso, embora eu não consiga entender nem descrever exatamente o que é. O mundo que vinha se delineando e parece tomar forma definitiva nesse velório é assustador, doente, irreconhecível. O mundo sempre foi um circo, se você soubesse para onde olhar, mas agora é um circo dos horrores. Ainda pior, é onipresente. E isso assusta mais que o rosto deformado de um pedófilo decadente auto-intitulado gênio pairando fantasmagoricamente sobre o seu caixão, enquanto pessoas que pagaram milhares de dólares para ver o seu funeral deliram como numa arena qualquer, diante de uma banda pop vagabunda.

As alegrias que o Google me dá (XXXVIII)

após a reforma ortográfica como se grafa a palavra até?
Sem trema. Acabaram com o trema. Coisa chata.

os martiris da igreja primitiva
Os martinis da Igreja Católica em seus primeiros tempos eram feitos com azeitona, claro, mas não com gim: era com vinho canônico.

vver videos brasileiros de empregadas putas fodendo com o menino de 14 anos
Ah, a juventude. O menino com os hormônios à flor da pele, e a empregada da casa dele insistindo em trabalhar com shortinhos apertados e malhinhas — culpa da sua mãe, que não dá à moça uniformes decentes para não atiçar os hormônios do garoto –, e ele não tem a coragem de insistir em alguma coisa, nem que seja para daqui a muitos anos ser acusado de estupro.

moral da igreja católica
Depois de Boston… Depois da Irlanda… Depois de Constantino… Depois da Santa Inquisição… Diz aí, amigo, ela ainda tem alguma?

o meu computador não esta conhecendo o driver do meu celular o que eu faço?
Desligue o computador, desligue o celular e vá arranjar alguma coisa realmente útil para fazer.

tenho pavor da ´palavra sexo o que faço
Dê, minha filha. Dê muito, e esse é o melhor conselho que eu posso te dar. Porque você disse que tem pavor da palavra, e não do ato. Então dê e esqueça as palavras, que nessas horas elas nem são tão importantes assim.

quantas falta pode ter no curso tecnico na materia de etica na escola frei galvao
Pelo nome, é uma escola confessional. E católica. Por isso você pode faltar o quanto quiser. Não vai fazer diferença, você não vai deixar de aprender nada, e além disso eles vão te absolver no final.

como perguntar para o galvão
Com jeitinho, meu filho. Com jeitinho.

mulheres velhas fodendo gigolo
Não seria o contrário? Já não basta estar pagando, elas ainda têm que fazer o trabalho? Esse gigolô é muito do vagabundo. Não vale o dinheiro que ganha.

quais são os grilhoes que nos prendem hoje?
O meu continua sendo a falta de dinheiro.

putas quer da para um menino de 12 anos
Olha, querer elas não querem, não. Mas se você pagar direitinho e fizer carinha de bebê chorão, elas podem quebrar o seu galho.

selton mello pinto pequeno
Olha, parece que o Pedro Cardoso veio parar neste blog!

era uma buceta
Era mesmo? Você tem certeza? Não confundiu, não? Sei lá, podia ser outra coisa. Uma caranguejeira, quem sabe. Você devia ter chamado o IBAMA para se certificar.

invenções do professor pardal do sitio do picapau amarelo
E depois de ler isso meu coração se confrangeu e uma lágrima solitária brotou em meu pobre olho. Porque esses dois símbolos queridos da minha infância — as revistas da Disney e o Sítio do Picapau Amarelo — hoje em dia não valem nada, e idiotas ignorantes sem nenhum respeito pelo meu passado confundem uma com a outra, e acham que o Pofessor Pardal é o Visconde de Sabugosa, e como ser feliz sabendo que o seu passado está desaparecendo completamente?

a opiniao da igreja catolica sobre o ficar o beijar sem compromisso
Só pode se for com menininhos.

porque fhc nao conseguiu os indices de popularidade de lula com o bolsa familia
Porque não conseguiu fazer uma presidência tão boa quanto a de Lula. (A resposta me parece tão óbvia que eu não consigo nem brincar com ela.)

platão era apaixonado por sócrates
Sócrates era feio, sabe? Feio de morrer. E tinha um nariz horroroso. Mas imagine a impressão que um homem inteligente e metido a filósofo pode causar num jovem efebo sedento de conhecimento como Platão. Foi um amor tão lindo, aquele. Depois Platão escreveria sobre os tempos em que moraram juntos numa república de estudantes de filosofia, e os banquetes e orgias que faziam lá, e os diálogos em que um falava putaria para o outro.

há vantagens em estudar jornalismo para ser jornalista?
Talvez não, mas deve haver em estudar jornalismo para ser engenheiro.

consequencias do fim do diploma de jornalista nas outras profissões relações públicas e publicitário
E esses são os estudantes de jornalismo que reclamam contra o fim do diploma. É por isso que eu digo que não adianta nada.

hábitos que herdamos dos povos indios
Fazer perguntas idiotas.

simpatia para endurecer os seios
Pobre, pobre moça. Olha no espelho para as pequenas mochibas que lhe adornam o colo — e talvez a barriga — e fica pensando se algo nas crendices populares poderia resolver esse seu problema. Meu coração está com você, pobre mocinha do peito mole.

cafe fais mal para emoroida
Hemorróidas. Foi essa a desculpa que o moço usou para não freqüentar a escola. Doía sentar naqueles bancos. Deu nisso.

existe algum tipo de preconceito semelhante atualmente no brasil? justifique
O Brasil eu não sei, mas eu tenho preconceito contra gente burra.

lula fazia sexo com animais
E deve ter comido a vaca da sua mãe.

gostaria de saber um pouco da historia do livro senhora
Vou fazer melhor que isso, porque fui com a sua cara e acho que você merece uma ajuda desinteressada. Vou lhe mostrar como saber tudo sobre o livro “Senhora”: leia o danado.

onde andam os artistas das fotonovelas italianas
Ah, quisera eu saber. Porque fotonovelas italianas eram o melhor dos anos 70, e é uma pena que o progresso tenha acabado com elas. Legiões de empregadas domésticas se viram de repente órfãs, e agora têm que ler previsões astrais de João Bidu. Este é um mundo um pouco pior do que aquele que eu vivi.

quem é furado nao morre inchado
Era o que Lampião dizia a suas vítimas. Dizia também que não matava ninguém. Quem matava era Deus, ele só fazia o furo.

simpatia para obebe parar de babar pela boca
Conheço uma, mas tem um efeito colateral: ele passa a babar pelo cu. Quer assim mesmo?

mensagem dos indios americanos sobre a igualdade dos homens
Eu acho tão engraçada essa idéia de que índio achava que todo mundo era igual.

filmes de sexo gratis dando o cu com sofrimento
Porque não basta fazer sexo anal. É preciso sofrer. E apesar de saber que a curiosidade matou o gato, eu me pergunto: com quem esse doente aí se identifica? Com o sádico ou com o masoquista? A mente humana tem mistérios que eu não me vejo capaz de investigar.

e verdade que benjamin button existiu
Claro que é. Sabe, o buttonismo é um fenômeno que atinge cerca de uma pessoa a cada 150. Foi identificada pelo doutor F. S. Fitzgerald em 1913. Descreve uma situação em que idiotas acreditam que algo impossível possa ter sido verdade.

cirurgia hemorroidas com raio laser no estado de goias ou brasilia
Os goianos são valentes de grande valor e extremamente trabalhadores. Mesmo diante de condições físicas que tornam difícil o exercício de sua profissão, eles procuram um médico para continuar trabalhando.

fotos de vaginas volumosas
De vez em quando eu fico com orgulho dos meus leitores, mesmo desses que vêm parar aqui de paraquedas. “Vaginas volumosas” em vez de “bocetões”. Já é um passo à frente.

a vida como ela é do jornalista brasileiro
Acordar, tomar o café da manhã e reclamar que o STF acabou com sua profissão.

o ideal do barão de coubertin continua vivo
Continua, patrocinado pela Adidas, pela Nike e pela Telefónica e pelo HSBC.

mulher culta
Ajuda muito. Mas ajuda ainda mais ter bunda grande.

reforma ortografica uso do ifem
Acredite, amigo: não vai lhe fazer a menor diferença.

bunda de gaveta
Juro que nunca ouvi falar da expressão. É aquela em que a gente guarda coisas que não quer mais? Sinônimo de bunda de velhinha?

qual a difereça entre o virtual e real
Você não devia estar perguntando isso ao Google. Devia perguntar ao seu psiquiatra.

breviário da meretriz
Rapaz… Eu não sei do que se trata. Mas o nome é lindo, lindo. Se alguém puder me explicar o que isso quer dizer, eu agradeço. “Breviário da Meretriz” é o título mais lindo que eu já vi na minha vida. Imagine o que não se pode fazer com ele.

fotos de mulheres emafroditas
Mulheres hemafroditas são verdades moços emo que deixam o cabelo crescer além do necessário.

poema sobre mim linda
Não é verdade. Tu é a maior baranga. Quem fez esse poema para você só estava querendo lhe fazer um favor.

cueca or cuecas porca or porcas or porco or porcos or emparcalhada or emporcalhadas
Estranha mistura de coprofilia com transtorno obsessivo-compulsivo. Eu acho que não quero conhecer esse rapaz.

exu brasinha mp3
Desse eu nunca tinha ouvido falar. Deve ser um exu amigo da pombagira Bolota, da maria padilha Brotoeja e do erê Gasparzinho, incorporados pela mãe de santo Tininha com o Riquinho assistindo a tudo calado.

fotos de ovinis en sauvador nobairo da engomadeira
Meu filho, na Engomadeira eu já vi de tudo, menos OVNI. Já vi casais trocando porrada, rolando no chão, sem que ninguém no bar se levantasse. Já vi periguetes falando coisas no meu ouvido de que até o diabo duvidaria. Já vi malandros tentando passar a perna em alguém de maneiras impensáveis. Mas OVNI, não. E acho que sei por quê: porque, graças a Deus, não precisa.

a historia de neopolis
Nasceu, cresceu, envelheceu e morreu.

foto da segregaçao racial na epoca da escravidao
Não acredito. Você jura que havia segregação racial nos tempos da escravidão?

mulher deu a buceta para o cavalo
E depois desistiu de pegar de volta, porque não prestava mais.

qual é o preço pago pelas pessoas na busca dos prazeres inconsequentes?
Felicidade, meu filho. Uma felicidade grande, descontrolada, daquelas que matam eu e você de inveja.

a vergonha da primeira vez de uma mulher
Ela esperou tanto por essa primeira vez. Esperou pelo homem certo, pelo homem que ela amava e com quem ela antevia um longo tempo juntos. E aí vem você acabar com os sonhos dela com esse seu pinto pequeno.

bia não faz anal
Não mais. Ele diz que dói.

Mundo estranho, esse

Todo mundo chorando a morte de Michael Jackson, todo mundo falando sobre a sua importância artística, e isso, e aquilo, e tudo em que eu consigo pensar é em quantas crianças deixaram de ser sexualmente molestadas com sua morte.

O terror de cada manhã

É assim mesmo.

Saio do trabalho às 3 da manhã e meu telefone começa a tocar às 8. Chego no trabalho, ligo meu computador e me deparo com este e-mail:

Negão do Pau Grande adicionou você à sua lista de amigos no Facebook.

Eu devo ter jogado pedra na cruz.

E de repente eu não gosto mais da internet.

De jornalistas e ascensoristas

Durante anos agências de notícias, mercado publicitário e a propriedade dos meios de distribuição da notícia garantiram o florescimento de uma indústria jornalística inchada e redundante. A internet mudou tudo isso e está acabando com esse modelo.

São mudanças que não afetam apenas o ganha-pão de jornalistas. Afetam o meu, também. Minha formação profissional se deu em um mundo de mídia de massas em que uma campanha publicitária era normalmente bem resolvida com comerciais de TV, spots de rádio, anúncios de jornal e outdoors. Atualmente a publicidade vive uma crise de modelos importante, em que esse esquema de mídia começa a implodir; vive também a pior crise criativa de toda a sua história, e a internet tem um papel fundamental em tudo isso. Espero que isso não me faça suspeito de dizer justamente o contrário do que vou dizer abaixo.

A repercussão da queda da exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista tem me impressionado. Não exatamente por causa de jornalistas com medo de que padeiros tomem o seu lugar, como disse o Leandro Demori. Mas porque eles vêm na decisão do Supremo o apocalipse para a sua profissão.

Eles estão enganados.

O apocalipse está vindo, sim. Mas não vem de Brasília (antes de mais nada: as pessoas, de maneira tendenciosa, tentam associar o nome funesto de Gilmar Mendes à decisão. E convenientemente esquecem que Joaquim Barbosa e Carlos Britto também votaram pela queda). É a falta de visão de vários jornalistas em analisar de maneira correta a realidade, a insistência em reclamar de uma garoa enquanto não vêm o furacão que se aproxima, que me impressiona.

Explicando da maneira mais didática possível o que eu vejo como futuro provável:

1 – Jornais impressos caminham para a extinção porque não faz sentido comprar hoje a notícia lida ontem de graça na internet.

2 – Ao migrar em sua totalidade para a internet a notícia se transforma, definitivamente, em commodity. Nem todo mundo tem uma prensa; qualquer um pode ter um blog, um site, pode dar uma notícia no Twitter. Jornais vão concorrer com milhares, milhões de pessoas que vão amplificar e depurar a notícia original.

3 – Por ser commodity, o seu “ecossistema de produção” forçosamente encolhe. Todos os dias passo os olhos em vários jornais e revistas impressos, locais e nacionais. Não ouso dizer que leio porque 80% das notícias não me interessam. Mas posso afirmar que, de modo geral as mesmas notícias estão em todos eles, com raríssimas — e normalmente pouco importantes — exceções.

4 – A mera existência dessas pessoas repassando informações torna a existência de vários jornais redundante.

5 – Em um mundo em que a competição é mais acirrada, essa redundância perde o sentido, ao menos do ponto de vista financeiro. As pessoas não vão pagar por informação geral porque a receberão de graça. O número de leitores de cada site, que precisa de dinheiro para sustentar a sua estrutura jornalística, cai.

6 – Caindo o número de leitores, cai a receita publicitária.

7 – Sem dinheiro a grande maioria dos jornais, impressos ou eletrônicos, fecham.

8 – Em outros termos, isso significa o fim de uma indústria.

Não é mais uma questão de o que é desejável para uma categoria profissional, e discutir isso é como discutir o tempo — goste ou não da chuva, ela vai continuar a cair independente do que você acha. É sobre o que é possível, ou provável.

O fim dos jornais, no entanto, não significa o fim do jornalismo — ou, usando um termo que talvez venha a se mostrar mais apropriado, da produção da notícia. TVs fazem jornalismo. Rádios também. Levando-se em consideração a força das redes sociais, não é difícil que em um modelo provável a notícia crua seja dada pelas redes de TV — ou o que as suceda na internet, muito provavelmente uma salada multimídia em que os conceitos de rádio, TV e jornal perdem o sentido — e repercutida pelas redes na internet em análises, opiniões e links.

No entanto não haverá mais lugar para essa variedade de empresas jornalísticas. Do ponto de vista da notícia, aquela pequena quimera que se tornou a tábua de salvação putativa da indústria jornalística, não há necessidade de tantos meios de comunicação. Isso era necessário quando havia um público diverso e com poucas opções. O jornal era, basicamente, o melhor meio de distribuição de notícia que existia — mas foi superado por um meio mais eficiente, a Internet, que por acaso tem a gratuidade nas suas veias. Há muito pouca gente cobrindo os fatos, na verdade; o resto é interpretação e copidescagem — aquilo que blogs e sites fazem de graça e em profusão, com qualidade variável.

Falta aos jornalistas a coragem — ou a clareza de pensamento — de aceitar que o que faz a indústria jornalística é, na verdade, centenas ou milhares de pessoas dizendo a mesma coisa como se fosse novidade. A mudança que parece estar vindo é a probabilidade de, cada vez mais, isso ser feito pela própria sociedade, dona de seus próprios meios de produção e distribuição da informação, de uma forma que não possibilite a concentração de recursos suficientes para o estabelecimento de estruturas empresariais verticais como um jornal.

Na ausência da grande indústria jornalística, a notícia procurará outros canais de distribuição. Podem ser blogs de jornalistas independentes. Podem ser sites de organizações não governamentais dedicadas a um ou outro assunto. Podem ser sites de jornalistas que, com estrutura reduzida, farão exatamente o mesmo papel que um grande jornal hoje faz, ainda que de maneira fragmentada e provavelmente bastante especializada.

Mas esses produtores primários de notícias — que já não serão únicos e talvez sequer os mais importantes — existirão, muito provavelmente, em uma escala infinitamente menor do que a existente hoje. É isso que significa “o fim da indústria jornalística”. Não é o fim da produção e distribuição de notícias. É apenas o fim de um grande ecossistema empresarial de distribuição de um produto.

É por isso que é improvável que a figura do repórter profissional, do sujeito que é pago para buscar a notícia, desapareça. O que está sendo superado neste momento não é um valor universal — a necessidade humana de informação — mas um valor histórico: a formação de uma estrutura para o suprimento dessa necessidade. Durante muitas décadas, os jornais foram o veículo ideal para realizar essa função. Não serão mais.

Pode-se citar como exemplo a figura do correspondente estrangeiro. Pode-se perguntar: e para que correspondentes estrangeiros, mesmo? Eles fizeram sentido (e ainda fazem, embora bem menos) em um tempo em que a distribuição da notícia era cara e complexa. Isso acabou. A formação de redes sociais cada vez mais intrincadas e consistentes elimina essa necessidade. Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento do mundo, alguma técnica de investigação de fatos e acesso a redes sociais, como o Facebook ou o Twitter, pode narrar com precisão e talento determinado fato acontecido no Azerbaidjão ou no Sri Lanka ou em Cabrobó. O Pedro Dória está fazendo justamente isso na cobertura do resultado das eleições no Irã; o Idelber fez durante os ataques israelenses à Palestina, dando inclusive furos de reportagem como a utilização de bombas de fósforo por Israel.

Mas, aparentemente, a grande maioria dos jornalistas não consegue se enxergar fora de uma estrutura que se consolidou ao longo dos últimos 150 anos. Cada vez mais, lembram ascensoristas desconsolados diante do surgimento de elevadores automáticos, em pânico diante da superação dos elevadores com alavancas e portas pantográficas.

O que eles não parecem perceber é que a palavra-chave dessa nova configuração de mundo não é a notícia. De certa forma, nunca foi — porque ao contrário do que alguns jornalistas parecem acreditar, a notícia e a sua propagação não dependem exclusivamente deles. O que realmente vai definir o futuro da informação são as redes sociais que a internet possibilita. E se eu fosse jornalista, estaria mais preocupado em entendê-las e me localizar dentro delas do que em reclamar de uma decisão do Supremo que, afinal, não vai mudar muita coisa.

Um adeus à exigência de diploma de jornalista

Pois é, acabou.

Um anacronismo inútil foi eliminado.

O Pedro Dória resumiu com clareza e concisão o pensamento que este blog sempre defendeu:

Jornalismo, perdoem os companheiros de profissão que discordam, é uma forma de exercício da liberdade de expressão. É um direito de todo cidadão, não pode ser restrito. E, em tempos de novas mídias que põem nas mãos de qualquer um os meios de publicar e distribuir informação e opinião, a lei era impossível de funcionar.

E o Leandro Demori respondeu, de maneira muito simples, às principais perguntas de ordem prática feitas pelos novos órfãos da lei:

Agora que caiu exigência do diploma, todo mundo vai querer ser jornalista pra ganhar milhões.

As empresas, claro, irão contratar semi-analfabetos para escrever nos jornais (ops, isso algumas já fazem).

“Agora um padeiro pode roubar o meu emprego?” Se depois de 4 anos na faculdade tu escreve pior do que o padeiro, sim.

“Mas o padeiro VAI querer roubar o meu emprego?” Não.

“Sem diploma nossos salários serão horríveis!”. Claro! O diploma é que garantia o teu salário de marajá, agora fodel!

Fim da vida mágica nas redações, dos altos salários, da baixa carga horária e da proteção da classe.

“E agora, a faculdade de jornalismo não serve pra nada?”. Minha filha, é AGORA que serve (ou não, depende dela).

“E o sindicato dos jornalistas, se tornou obsoleto?”. Pergunta com 30 anos de atraso (mas talvez agora se torne útil).

Já o Razbliuto lembra que o Brasil deixa o seleto time de países que exigem diploma para o exercício do jornalismo, e que inclui África do Sul, Arábia Saudita, Colômbia, Congo, Costa do Marfim, Croácia, Equador, Honduras, Indonésia, Síria, Tunísia, Turquia e Ucrânia, esses bastiões da imprensa forte e independente, e junta-se a países como Alemanha, Espanha, EUA, França, Inglaterra, Irlanda, Itália, Japão e Suiça.

Esprit d’escalier

Sem modéstia, eu sou dono de um dos maiores esprits d’escalier que conheço.

Esprit d’escalier é aquela resposta adequada na qual você só pensa muito tempo depois de levar um belo desaforo nas fuças. Por isso o nome, espírito de escada: a frase perfeita que só lhe vem quando você já está descendo a escada, batendo em retirada, humilhado. É o consolo dos idiotas.

Depois da hora certa, eu posso ser genial. Sem ninguém na minha frente, eu sou brilhante.

Mas de vez em quando eu penso na coisa certa na hora certa, e esses momentos me enchem de orgulho, e meus netos me ouvirão repetir essas mesmas histórias vezes e vezes a fio, daqui a muitos anos — tanto mais porque são muito poucas as vezes em que consegui esse feito.

Aconteceu isso em Londres, uns meses atrás, ali perto do Ritz. Eu estava com fome. E já estava meio cansado de comprar aqueles takeaways nas Sainsbury’s da vida para comer sentado em algum parque ou praça.

Foi quando a gente viu uma Pizza Hut. Pizza Hut deve ser barato, foi o que a gente pensou. É a única vantagem dessa comida ruim que se espalha pelo mundo: o gosto pode ser uma droga, mas pelo menos os preços são acessíveis. É o que faz você tolerar um McDonald’s, uma Pizza Hut, uma Domino’s, um Burger King, essas coisas que se espalham como praga com seu paladar uniformizado e industrializado e que tornam o mundo um pouco mais pobre.

Quando a gente entrou, uma moça veio nos receber com o menu na mão e nos encaminhou para a nossa mesa.

Era um sinal, e mau. Obviamente, nós não fomos inteligentes o suficiente para perceber o óbvio: uma Pizza Hut nas imediações do Ritz poderia ser tudo, menos barata.

Sentamos à mesa que a moça indicou e abrimos o cardápio. E então os preços saltaram aos nossos olhos, e eram libras pesadas sobre nossos bolsos depauperados.

Eu não ia comer ali. Era caro demais. Eu podia dar à minha pobreza uma outra desculpa, a de que o preço não era apenas alto, era exorbitante diante de comida ruim, mas para ser honesto não era essa questão, não diante da minha fome: era só falta de dinheiro, mesmo.

O que me deixava com um novo problema, que se juntava à minha fome.

A gente tem vergonha de umas coisas bobas na vida, que à medida que o tempo passa vão ficando mais ridículas. Isso de sair de um restaurante porque não pode pagar, por exemplo. Se eu fosse rico, não ligaria de olhar os preços, torcer o lábio e me levantar fazendo cara de nojinho, e ainda dizer no mais esnobe sotaque inglês “Oh, dear, it’s improperly expensive, and it’s not worth it!”. Mas para mim, que aprendi com minha mãezinha que a gente era pobre mas era limpinho, é uma coisa meio vexatória esse negócio de levantar de uma mesa depois de ver os preços. É uma confissão meio humilhante. Dá vergonha. Se eu pelo menos tivesse saído antes de abrir o cardápio.

Mas não era só isso que me mortificava. Imagem de brasileiro lá fora já é tão ruim, meu Deus. Pior em Londres, lugar onde a polícia gosta de matar brasileiro no metrô. E lá ia eu avacalhar ainda mais a impressão que as pessoas têm do meu cantinho. A partir daquele dia, a moça que nos recebeu à porta, quando entrasse mais um brasileiro, diria baixinho para as suas colegas: “Olha, lá vem mais um brasileiro que não pode pagar uma pizza. Vai lá atender esse povo, Elizabeth”.

Mas Deus protege os tolos, é o que dizem, e enquanto me levantava e me encaminhava para a saída eu de repente percebi que havia, sim, uma frase que eu poderia dizer e que resgataria a minha honra e a minha decência, e defenderia a honra do meu país como um Duque de Caxias ou um Almirante Tamandaré, e falei bem alto, para que todos me ouvissem:

— Yo me voy, acá es muy caro! En Argentina no es asi!

E saí de lá com a impressão de que fiz mais pela imagem do meu país do que quinze Lulas e oito Celsos Amorim.

Esprit d'escalier

Sem modéstia, eu sou dono de um dos maiores esprits d’escalier que conheço.

Esprit d’escalier é aquela resposta adequada na qual você só pensa muito tempo depois de levar um belo desaforo nas fuças. Por isso o nome, espírito de escada: a frase perfeita que só lhe vem quando você já está descendo a escada, batendo em retirada, humilhado. É o consolo dos idiotas.

Depois da hora certa, eu posso ser genial. Sem ninguém na minha frente, eu sou brilhante.

Mas de vez em quando eu penso na coisa certa na hora certa, e esses momentos me enchem de orgulho, e meus netos me ouvirão repetir essas mesmas histórias vezes e vezes a fio, daqui a muitos anos — tanto mais porque são muito poucas as vezes em que consegui esse feito.

Aconteceu isso em Londres, uns meses atrás, ali perto do Ritz. Eu estava com fome. E já estava meio cansado de comprar aqueles takeaways nas Sainsbury’s da vida para comer sentado em algum parque ou praça.

Foi quando a gente viu uma Pizza Hut. Pizza Hut deve ser barato, foi o que a gente pensou. É a única vantagem dessa comida ruim que se espalha pelo mundo: o gosto pode ser uma droga, mas pelo menos os preços são acessíveis. É o que faz você tolerar um McDonald’s, uma Pizza Hut, uma Domino’s, um Burger King, essas coisas que se espalham como praga com seu paladar uniformizado e industrializado e que tornam o mundo um pouco mais pobre.

Quando a gente entrou, uma moça veio nos receber com o menu na mão e nos encaminhou para a nossa mesa.

Era um sinal, e mau. Obviamente, nós não fomos inteligentes o suficiente para perceber o óbvio: uma Pizza Hut nas imediações do Ritz poderia ser tudo, menos barata.

Sentamos à mesa que a moça indicou e abrimos o cardápio. E então os preços saltaram aos nossos olhos, e eram libras pesadas sobre nossos bolsos depauperados.

Eu não ia comer ali. Era caro demais. Eu podia dar à minha pobreza uma outra desculpa, a de que o preço não era apenas alto, era exorbitante diante de comida ruim, mas para ser honesto não era essa questão, não diante da minha fome: era só falta de dinheiro, mesmo.

O que me deixava com um novo problema, que se juntava à minha fome.

A gente tem vergonha de umas coisas bobas na vida, que à medida que o tempo passa vão ficando mais ridículas. Isso de sair de um restaurante porque não pode pagar, por exemplo. Se eu fosse rico, não ligaria de olhar os preços, torcer o lábio e me levantar fazendo cara de nojinho, e ainda dizer no mais esnobe sotaque inglês “Oh, dear, it’s improperly expensive, and it’s not worth it!”. Mas para mim, que aprendi com minha mãezinha que a gente era pobre mas era limpinho, é uma coisa meio vexatória esse negócio de levantar de uma mesa depois de ver os preços. É uma confissão meio humilhante. Dá vergonha. Se eu pelo menos tivesse saído antes de abrir o cardápio.

Mas não era só isso que me mortificava. Imagem de brasileiro lá fora já é tão ruim, meu Deus. Pior em Londres, lugar onde a polícia gosta de matar brasileiro no metrô. E lá ia eu avacalhar ainda mais a impressão que as pessoas têm do meu cantinho. A partir daquele dia, a moça que nos recebeu à porta, quando entrasse mais um brasileiro, diria baixinho para as suas colegas: “Olha, lá vem mais um brasileiro que não pode pagar uma pizza. Vai lá atender esse povo, Elizabeth”.

Mas Deus protege os tolos, é o que dizem, e enquanto me levantava e me encaminhava para a saída eu de repente percebi que havia, sim, uma frase que eu poderia dizer e que resgataria a minha honra e a minha decência, e defenderia a honra do meu país como um Duque de Caxias ou um Almirante Tamandaré, e falei bem alto, para que todos me ouvissem:

— Yo me voy, acá es muy caro! En Argentina no es asi!

E saí de lá com a impressão de que fiz mais pela imagem do meu país do que quinze Lulas e oito Celsos Amorim.