Um dos textos mais bobos publicados na imprensa brasileira nos últimos tempos, o artigo “Sobre a Classe Média” de Artur Xexéo na revista do Globo do último domingo já chegou às redes sociais. Nele, Xexéo reclama do incômodo que a ascensão da classe C está causando em quem, como ele, representa a “Velha Classe Média”. É um artigo leve; é preciso lembrar que um caso bizarro como o do Ed Motta reclamando de gente feia é a exceção, que em suas melhores encarnações aquela classe média de Ipanema-Leblon é doce, tranquilinha e sorridente. O texto do Xexéo traz isso, essa condescendência e essa suavidade que mascaram um grande preconceito e um enorme incômodo da Velha Classe Média ao se ver diante de ex-pobres nos mesmos lugares que ela.
Talvez o aeroporto seja o lugar onde as frustrações e o desconforto desse pessoal sejam mais evidentes. É altamente simbólico, isso. O aeroporto era um dos lugares em que a pequena burguesia, para usar termos antigos como a Velha Classe Média, se sentia superior à patuleia e mais próxima dos ricos. Porque pobre paulista, por exemplo, não ia para Porto Seguro de avião; pegava um ônibus para Pindamonhangaba no Terminal do Tietê e passava uns dias na casa de uma irmã. A ascensão social das duas classes mudou isso: para Porto Seguro agora vão os ex-pobres, enquanto a Velha Classe Média passa uns dias na Europa todo santo ano.
O problema é que tem mais gente esperando ser atendida, as filas aumentaram, aquele povo mais feio ocupa atravanca o diacho do aeroporto. No entanto não dá para reclamar disso, porque cá entre nós seria indigno de uma classe que afeta uma elegância que raramente tem, é quase como reclamar de preto no mesmo clube que você.
Aí a classe média reclama dos cereais nos aviões.
É tão bobo, isso, tão bobo colocar a culpa pela barra de cereal na Nova Classe C. Alguém podia dizer ao Xexéo que essa culpa não é dela. Porque esse processo, comum no mundo inteiro, não tem nada a ver com a afluência recente desse grupo socioeconômico no Brasil. Tem a ver com corte de custos em terra e começou bem antes do governo Lula. Na verdade é a classe C que está possibilitando que a Velha Classe Média possa continuar a viajar de avião, dando mais fôlego a um setor que, a julgar por sua história, é cronicamente inviável — e viajar para a Europa, ainda por cima. Eu, pelo menos, venho de um tempo distante em que só os ricos viajavam para lá.
Mas a VCM precisa de um bode expiatório para justificar o que ela não tem coragem de dizer: que não quer pegar filas maiores, que não quer aquela gente perto demais, que se sentiria mais confortável com a plebe atulhada nos ônibus da Itapemirim. Então fica achando motivos para implicar.
Essa reação, esse desconforto generalizado, podem ser vistos em outros lugares. No incômodo causado pelos evangélicos, enquanto a intolerância católica é mais aceita. Na reação de tanta gente à proliferação dos ciclomotores em 36 prestações, quando o problema aí é a falta de uma legislação mais rigorosa e maior fiscalização. Essa Velha Classe Média tem vergonha de dizer que a classe C a incomoda. Tem vergonha de dizer que não gosta de viajar ao lado de gente mais feia, de assumir que para ela a culpa pelos engarrafamentos maiores é dos outros que agora têm carros e não deixam mais as ruas exclusivamente para eles, que não gosta das concessões que é obrigada a fazer. Isso não seria polido; e a Velha Classe Média, sejamos justos, sempre teve pruridos em excesso.
Para fins de implicância disfarçada, normalmente não há nada como preconceito cultural. Mas não para o Xexéo. Ele é o sujeito que teve coragem de escrever que “Eu quero de volta o meu filme legendado na TV e torço pela possibilidade de passar um intervalo comercial inteirinho sem assistir a um anúncio do Supermarket”. Porque na melhor das hipóteses ele deve estar gagá e lembrando de um tempo que nunca existiu. Na TV aberta filmes legendados só eram exibidos uma vez por semana, por força de lei, em horários muito ingratos como a meia-noite da segunda-feira. Na TV por assinatura, essa de que ele provavelmente reclama agora, os filmes legendados continuam aí, em canais como Telecine Premium, Cult e Fox. O que o incomoda, no fundo, é a simples existência dos filmes dublados — e o viralatismo que os faz, em vez de pressionar os canais a disponibilizar filmes simultaneamente dublados e legendados, tentar tirar o doce da boca dos pobres. Eles jamais assumirão; mas é a diversidade que incomoda o Xexéo e toda a Velha Classe Média. (Quanto aos comerciais, faz mesmo diferença se é anúncio de Supermarket ou Chanel?)
Mais bobagem ao reclamar que “a tal Classe C ama música em alto volume”. Bobagem porque as outras também gostam, principalmente quando se trata de rock and roll — e aposto que um ou outro tem um orgulho danado de ouvir ópera bem alto para impressionar os vizinhos: “L’amour est un oiseau rebelle que nul ne peut apprivoiser” tem efeito melhor do que “Ai, se eu te pego, ai, ai se eu pego”. Mesmo no subúrbio.
Mas que não se diga que o texto do Xexéo é totalmente desprovido de qualidades. Há um ponto que a Velha Classe Média poderia levantar, com mais razão do que ao fazer picuinha com cereal.
Para todos nós, a classe C se tornou uma espécie de panaceia universal. É justificativa para tudo. E acaba obscurecendo o fato de que a Velha Classe Média (que gosta de ser chamada assim, percebo agora pelo texto do Xexéo, porque lembra vagamente o seu conceito deturpado de “quatrocentão”; como quem diz “eu viajo na classe econômica dos aviões há mais tempo do que você!”) tem, sim, uma certa razão.
O afluxo de uma quantidade alta de consumidores fez com que a qualidade de muitos serviços diminuísse sensivelmente. É cada vez mais comum ouvir justificativas do tipo “o trânsito está pior, mas poxa, deixa para lá porque isso quer dizer mais pobre com carro”. E essa é uma atitude equivocada. É preciso encontrar soluções para isso, e não apenas tolerar.
Mais de 20 anos atrás, li uma entrevista muito interessante com o Stephen Kanitz na revista Imprensa. Ele apontava um caminho para o desenvolvimento do país; o investimento na classe C. E dava como exemplo o videocassete: em vez da indústria apostar em VCRs sofisticados, com 739 cabeças (alguém lembra disso?), era melhor fazer aparelhos mais simples, com duas cabeças apenas, e vendê-los mais barato. Me pareceu válido, na época. E de certa forma foi isso que a ascensão da Nova Classe C possibilitou.
O desafio agora é outro, não é oferecer produtos e serviços de segunda para esse pessoal ascendente. É oferecer mais qualidade por preços mais baixos. E quem não entende isso não entende a classe C. É o caso desse pessoal. Fossem mais inteligentes e deixariam um pouco de lado seus preconceitos de classe, se juntariam ao “diferenciados” para exigir mais. Sairiam ganhando. Mas essa Velha Classe Média não consegue ver isso, assim como viralatas não conseguem ver em cores. E por isso acabamos lendo artigos como esse.
Parafraseando Nietzsche:
“Dizer que todos têm direitos iguais é como dizer que ninguém tem direito algum”.
Coisa que nunca compreendi: pq essa importância tão grande à “refeição” que é servida no avião?!? Quanto tempo dura uma viagem de avião dentro do Brasil? 2, 3, 4horas? A pessoa realmente não consegue ficar esse tempo sem comer nada? Afinal, comprou uma passagem de um meio de transporte que deve leva-la de uma lugar para outro, um foi em um restaurante?
quando vi esse artigo, a primeira coisa que me veio à cabeça foi oferecer ao tal xexéo (nome de um pobre município no interior de pernambuco, por sinal), o “brioche de ouro”, regalo máximo do recém inventado (por mim) prêmio maria antonieta 2012.
Mas por que o setor aéreo é cronicamente inviável?
Ah, a guerra santa entre os que não gostam da nova classe média, e os que não gostam dos que não gostam da nova classe média.
Ótima análise!
Está implícito no texto, mas acho que é bom explicitar; se o trânsito está um caos pois tem mais “pobres com carro”, isso é consequência do descaso histórico com um transporte público de qualidade e com a falta de planejamento viário das cidades. Como só os ricos e a VCM conseguiam ter um carro, pouco importava que o resto andasse em ônibus e trens (onde houvesse) lotados e desconfortáveis; não surpreende, então, que, tão logo possa, a Nova Classe C compre um carro.
Saudades do Video Cassete Philco Hitachi 2 cabeças que meu pai compro em 1992 com o resgate do dinheiro “tomado” pelo Collor em 1990.
Eu li alguns comentários do artigo do Xexéo e identifiquei um ponto recorrente: as pessoas da VCM reclamam da “falta de educação e bom gosto”.
“Bom gosto” é burrice discutir. Há quem pense não ter bom gosto?
Educação é um ponto discutível. Mas quem nunca viu madame/”madamu” soltando uma pérola “você sabe com quem tá falando?”, “Minha comida estava fria. Não vou pagar por ela”, “vou falar com seu superior”, normalmente começando um barraco pra ganhar a coisa no grito?
Não que eu aprove, mas acho que muito da “falta de educação” da nova classe média ou foi aprendido com a antiga, ou é escudo.
Pombas, só tem paladino da justiça aqui, hein!
Fico impressionado como os comentários puxam o saco do autor, mas no dia a dia, tenho certeza de que todos reclamam, assim como o tal do xexeo. Se é que não fazem pior.
Classe C não é classe média: é pobre. A diferença é que eles, nos dias atuais, obtêm crédito. Antes, não conseguiam.
E esse pessoal, no geral, não tem educação, cultura e nem um mínimo de controle lógico pra encetar um diálogo coerente. Querem conviver conosco? Aprendam, pelo menos, a falar. E baixo, por favor.
E, no mais, façam-me um favor paladinos da justiça: sejam honestos nos comentários.
O Emerson é classe A total. Mas duvido que conheça a frase do Caetano.
Não é a VCM quem mais perde com isso, é a classe C que perde maior porcentagem dos seus ganhos nas filas e trânsito. Não é só a VCM que odeia música alta no ônibus ou no final de semana de descanso. O governo não está ajudando os mais pobres só porque a classe C ascendeu. É um non sequitur simples. São os mais pobres que se ferram mais com isso tudo. Por isso a VCM se limita a reclamar, apoiar ou aceitar a classe C em blogs, porque os resultados são pra eles apenas cosmético-elitistas.
A máquina de relações públicas do PT é muito, mas muito superior a qualquer outra que o país já tenha visto em tempos democráticos. Posts como esse são a comprovação: reclamar de modo elitista agora é querer dizer que a ascenção à, e da, classe C não é bem vinda. Mas ela seria até bem muito vinda pros esnobes se fosse com uma melhor infra estrutura.
Há muito preconceito em AMBOS os lados dessa discussão sobre filmes dublados e legendados. Eu não tolero filmes dublados, séries dubladas, enfim, eu me recuso a assistir programas dublados. eu falo inglês, mas não dispenso um filme japonês legendado por uma versão dublada. Agora, não vejo problema algum nos canais e empresas darem a OPÇÃO do dublado. O problema é que hoje NÃO HÁ OPÇÃO.
É sim desrespeito com quem prefere legendado a imposição do dublado e a desculpa dada pelas emrpesas e canais, de que é por causa da classe C apenas cria preconceito contra esta classe até de quem é dela, mas não gosta de dublado.
Ambos os lados tem direito a ter opção.
O mais engraçado são as empresas reclamando de pirataria quando se recusam a dar opção pros dois lados, ou é só dublado ou é só legendado, quando existe condições técnicas de garantir AMBAS as opções.
Por isso que penso em cancelar TV a cabo e continuar apenas a baixar tudo que vejo. É de graça e mais honesto.
Agora, Rafael, a MAIORIA dos canais não passa mais legendado, e a Fox que você cita passa a maior parte dos programas em inglês, mas SEM legenda. Sony agora dubla sem opção, Fx e vários outros canais.
Não há nada de preconceito em se exigir direitos, quem quer legendado tem direitos.
Camarada Rodrigues, este blog admite comentários elitistas. Mas eles precisam ser feitos em português correto, porque erro de ortografia, você sabe, é muito “classe C”.
Tsavkko, essa discussão não seria mais adequada ao post anterior?
De qualquer forma, que negócio é esse de “hoje só existirem filmes dublados”? Na verdade, hoje você tem muito mais opções do que há 20 ou 30 anos. Na minha época isso simplesmente não existia. Hoje basta ver os tantos Telecines, os tantos HBOs, MGM; Warner, Sony e Universal transmitem suas séries legendadas. E a Fox dá a opção de escolher idioma e legenda, sim, pelo menos na Sky.
Desculpe, o que não falta é opção, hoje em dia. Sem falar nas mais radicais, como as que você mencionou aí: baixar filme, comprar DVD, Blu-Ray.
E que que negócio de “direitos” é esse? Não estamos misturando muito as coisas ao falar em luta por direitos por uma droga de filme dublado ou legendado? Essa idéia me parece ainda mais esquisita porque hoje você pode simplesmente baixar o que quiser, com as legendas que quiser. Opções não faltam. E aí ficam reclamando da TV do povo que não quer ler legenda?
Na minha opinião você está apenas reclamando da “ditadura da maioria”.
Sony começou a passar séries dubladas. Warner passa filmes dublados e a moda VAI pegar, aliás, já pegou. Os próximos passos serão TODOS os canais dublarem programação. FX dublou, Fox dublou, Warner e Sony já disserma que vão dublar tudo e normalmente não dáo opção alguma ou, se dão, sem legenda, o que para muitos é pessimo. E eu tenho Sky, nem todos os programas da Fox dão opção de legenda.
MAs volto a perguntar, se há capacidade tecnológica, PORQUE os canais não dublam e deixam também o som original? Eu pago menos que quem prefere dublado? Tenho menos direito? E falo de direito do consumidor, ou eu tenho só que calar a boca e aceitar qqr merda que me impõem? Perdão, mas tô longe de aceitar isso.
De um dia pro outro tudo que eu via passa pra dublado e eu tenho que aceitar sorrindo? Nem ferrando!
pois é… e pensar que esta mesma belha esquerda do PT e coligados caíam matando a pau aquela nova classe média que subiu de vida durante o regime militar, com o tal do Milagre Econômico. esculhambavam e xingavam aquela nova classe média, diziam que era reacionária, que era mal educada, que tinha péssimo gosto cultural, que apoiava o governo, portanto, conservadora até a medula.
mas hoje, esse mesmo pessoal endeusa a mesma essência da classe média ascendente. afinal ela apoia o Padim Pádi Lula e o PT.
ah… nada como o tempo para transformar esquerdistas em direitistas, tornar absolutamente iguais velhos progressistas em novos conservadores.
Concordo em parte, também achei o texto do xexéo (de quem normalmente gosto) meio bobo e preconceituoso, mas tem um ponto que os-que-criticam-os-que-criticam não falam: como os que endeusam lula e o pt não tem argumento para a nossa infraestrutura precária e sem investimento há anos, ficam dizendo que quem reclama dos aeroportos lotados é preconceituoso. Não é bem assim, não é porque tem mais gente viajando que os aeroportos devem ficar um inferno. E não é só classe média que vai pra Miami que viaja, não, isso é outra forma de fugir do assunto. Há muita gente que viaja a trabalho, fazendo viagens de um dia só, indo e voltando e é um pé no saco fazer isso hoje, sem falar no que se perde de compromissos por conta dos constantes atrasos. A culpa não é da classe C, claro, é do governo que não investiu nada em infraestrutura (isso vale para as estradas também, e outros itens).
Bobagem. O que me incomoda é perder metade das opções de um serviço que pago porque metade dos canais só exibem dublado. Tô pouco me lixando para quem assiste dublado. Eu quero ter a OPÇÃO de assistir legendado, sempre.
a grana veio antes da educação pra essa parcela imensa da população… não incomoda tê-los ao lado em quase todos os lugares. Incomoda é tê-los ao lado gritando, jogando comida pra animais silvestres em reservas ambientais, jogando lixo em td qto é lugar, não obedecendo leis de trânsito, sassaricando por aí sem um mínimo de gentileza, cidadania, civilidade, pois eles não tiveram acesso a essa formação, informação, instrução, educação. Deram grana pra um bando de pitecos sair por aí… Isso q incomoda os q tiveram acesso à escola antes de ter acesso`ao carro, à agencia de viagem, ao celular, ao som do carro, à praia, ao cinema. Essa gente precisa urgente de escola, cultura, mas isso não dá voto. Nem os q são votados tem, por sinal.