No país inteiro o PSOL optou por sair sozinho.
Em Aracaju ele continua sendo aquela coisa maluca que já deu Avilete Cruz ao mundo, e agora tem a velha e boa Meire repetindo bordões cansados, encarando uma eleição municipal como se fosse congresso de sociólogos e apresentando como vice algum estudante que parece pensar estar em um sarau universitário.
Em Salvador o PSOL prefere amargar o traço nas pesquisas em vez de apoiar a Alice Portugal — não que isso pudesse barrar o passeio absolutamente compreensível de ACM Neto. Em Recife a situação é parecida. A estratégia parece só estar dando certo em Belém e Porto Alegre.
No Rio, o Freixo recusou a união das forças de esquerda já no primeiro turno. Sua sorte é que Jandira e Pedro Paulo têm um número até significativo de votos para forçar um segundo turno; não fosse isso Freixo ia para o saco ainda mais rápido, numa eleição que é do Crivella — o que, por sua vez, é algo mais grave e com piores consequências do que as pessoas parecem se dar conta.
Mas em São Paulo a coisa é mais grave. O candidato natural era o Haddad. Ao dividir o campo, Erundina e o PSOL abriram caminho para o crescimento da Marta. Direito deles, claro, e é compreensível que vejam num momento surreal como o atual a chance de se afirmar como uma nova opção. Mas o resultado pode ser esse que está se desenhando: vai entregar Sumpaulo para o Dória. Ou para a Marta, na melhor das hipóteses.
O PSOL está reprisando, com 30 anos de atraso, a mesma estratégia que deu certo para o PT nos anos 80, se distanciando “do que está aí”. Mas eles são incapazes de uma leitura sensata da realidade. Os anos 10 não são os anos 80. A redemocratização é um momento diferente do pós-derrocada do PT. O PSOL, que em algum momento até guardou uma promessa de futuro, acaba sendo uma versão estereotipada e empobrecida do PT de outros tempos, sem a base sólida que os movimentos populares emprestavam ao PT.
E isso é o mais triste. De certa forma, e em alguns aspectos, o PT representou um avanço em relação aos partidos comunistas; o PSOL é apenas um retrocesso. (PSTU e PCO não devem ser levados em conta porque já completaram a transferência para uma dimensão alternativa, e a Rede — bem, a Rede tem Marina Silva; que o pano da decência caia sobre esse cenário.)
Numa das primeiras manifestações contra o impeachment em Aracaju, os batuqueiros do Levante da Juventude desfraldaram um imenso painel pedindo “assembleia constituinte já”. Parecem não ter ideia do descalabro que seria uma constituição produzida hoje. Deu vontade de dizer: “guardem essa miséria e vão pra casa estudar, meninos”.
E essa é a nova esquerda brasileira. Uma esquerda pueril, atrasada, desconectada da realidade e com problemas sérios de compreensão de conjunturas, que parece definir seus programas através de temas e likes de Facebook. Acima de tudo, profundamente ignorante e aferrada aos seus bordões fáceis. De vez em quando acho que eles poderiam ler o capítulo 9 de “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”. Mas nessa nova e natimorta esquerda, se ainda há uma sombra de debate acadêmico sobre Marx, falta uma releitura de Lênin — muito mais importante hoje, na minha opinião. Não por acaso o sujeito que disse que a prática sem a teoria é cega, e a teoria sem a prática é estéril.
Rafael:
Sobre a esquerda em geral, você disse tudo e não há como acrescentar um virgula sequer.
Sobre São Paulo, o Hadadd não vai se reeleger porque ele é o maior vagabundo e incompetente que essa cidade já viu. Eu entendo que você não sinta isso porque não mora aqui, mas eu moro. Esse desgraçado nunca mais vai governar nem condomínio, pelo menos nesta cidade.
Eu não moro em São Paulo e não tenho experiência direta da atual administração paulistana, mas, antes ainda de ler seu comentário, eu planejava dizer que pelo menos a percepção que as pessoas parecem ter de Haddad é tão desastrosa que ele não deveria ser considerado candidato natural nem aqui nem na China. Ele só é “candidato natural” porque não o lançar candidato à reeleição seria admitir que o PT namorou tanto Maluf na eleição passada por nada. Parece bizarro, mas é o PT quem está dividindo a esquerda ao insistir num fósforo riscado tal como São Paulo não via desde que Celso Pitta passou de promissor candidato do novo (apesar de eleito como ersatz de Maluf em uma eleição que este teria vencido com o pé nas costas se já houvesse reeleição) a coveiro do malufismo nas eleições para prefeito da capital.
No segundo turno, o PSDB até pode se posicionar como um meio-termo entre Celso Russomano e Marta (que um monte de gente de direita certamente ainda associa ao PT, programas sociais para a periferia, etc.) e receber uma transfusão de votos do perdedor, mas para isso Dória precisa chegar ao segundo turno. Acho que depende de saber se desta vez Russomano consegue manter o fôlego e resistir à saravaida de ataques de todos os lados (na eleição passada, eu lembro que pelo menos a Veja online bateu muito pesado nele– pior para ela, venceu Haddad).
Thiago, Haddad era o candidato natural por uma razão: ele é o prefeito e tem os benefícios naturais em uma campanha de ter a máquina administrativa à sua disposição.
A pesquisa do Ibope prova esse princípio básico: Haddad tem se mantido estável e Erundina caído. Tentar inverter as coisas é repetir o erro básico dessa esquerda que olha pouco para a realidade da política.
Se Haddad foi esse prefeito horroroso que falam, duvido muito. Para mim, seu erro foi focar na classe média. E, claro, ser petista — duplamente ruim, pelos tempos e pelo local. Acontece que Erundina não seria a pessoa a reverter esse quadro — novamente, basta olhar as pesquisas. E eu gostaria de lembrar das críticas pesadas que ela fez à nomeação de Lula para o ministério, inclusive com argumentos canalhas, e à sua história. Alguém esperava mesmo que o PT fosse abrir mão de sua candidatura para apoiar a dela?
Quanto ao Russomano, ele está caindo vertiginosamente e tenho a impressão de que vai continuar caindo, enquanto Marta e Dória sobem. Dória tem duas vantagem: ser novo num momento em que as pessoas tem nojo de política e o apoio do governo estadual. Além disso, basta ver a diferença de crescimento entre ele e Marta. Ele é o herdeiro natural dos votos do Russomano.
“Se Haddad foi esse prefeito horroroso que falam, duvido muito. Para mim, seu erro foi focar na classe média.”
Pode ser. Como eu disse, não tenho experiência direta da adminstração dele, mas o conceito que a população tem dele, que é o que importa no caso, é péssimo quando ele não consegue convencer metade da população a achar que a administração dele é pelo menos razoável. Ele depende de ser menos detestado do que os concorrentes e não consegue– ele tem a maior rejeição entre todos os candidatos, mais de 20 pontos percentuais acima de Marta ou Russomano (para não falar de Dória). Quase metade da população diz não votar nele de jeito nenhum. Eleitoralmente, é um desastre. http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2016/07/1792034-gestao-haddad-e-reprovada-por-48.shtml
http://noticias.r7.com/eleicoes-2016/sao-paulo/ibope-com-30-das-intencoes-de-voto-celso-russomanno-lidera-disputa-a-prefeitura-de-sp-14092016
Como o ocaso do governo Sarney, quando o partidos que controlavam seu governo, os dois maiores do país, amargaram derrotas humilhantes na corrida sucessória, o fracasso de FHC em eleger Serra presidente e o drama do impeachment de Dilma provam, há limites até para as vantagens da máquina, que aliás poderia muito bem funcionar a serviço de qualquer nome de uma aliança de esquerda, pelo menos de um petista menos desastroso.
A única vantagem intransferível é o recall, que no caso de Haddad não está ajudando muito, e que Dória não tem.
“Alguém esperava mesmo que o PT fosse abrir mão de sua candidatura para apoiar a dela?”
Não. Por outro lado, alguém esperava mesmo que o PSOL, que não tinha se dobrado nem em 2004/2005 (e certamente ficou uma certa mágoa daqueles tempos) quando Lula era o senhor das massas e Palocci o queridinho do mercado, fosse se dobrar logo agora que o PT está na vazante e tem muito menos a oferecer? Alguém esperava mesmo que o PSOL fosse arriscar seu capital moral de partido contra “tudo que está aí” (que é tudo que ele tem) logo para apoiar um candidato desastroso? E, em 2012, o PSOL já tinha lançado candidato próprio à prefeitura. Nenhuma surpresa portanto. Nem foi só o PSOL: o PCB (que tinha apoiado o PT em todas as eleições presidenciais desde 1994) rompeu com o PT ainda antes do escândalo do Mensalão se não me engano e vem lançando candidatos próprios à presidência. Enfim, se deter o PSDB e o PMDB em São Paulo é realmente oh, tão importante, o PT deveria pensar menos nas indelicadezas de Erundina (que, para o bem ou para mal, tinham óbvio respaldo nos sentimentos de boa parte da população). O PT e seus aliados é que correm o risco de perder uma prefeitura importante, não o PSOL.
“Quanto ao Russomano, ele está caindo vertiginosamente e tenho a impressão de que vai continuar caindo, enquanto Marta e Dória sobem.”
Pode ser. Acho que ele combina o recall com a fama de maverick, é um sonho de candidato populista. E ter sido rejeitado da vez passada pelos eleitores em favor de um candidato que se mostrou um desastre de relações públicas– se o problema dele não é mesmo a administração– faz com que pareça estar passando da hora de virar prefeito. Por enquanto pelo menos eu coloco minhas fichas na chegada dele ao segundo turno (e as pesquisas por enquanto vão dando vitória a ele no segundo turno), mas ele vai ter que aguentar muita pancada.
Enfim, discordo do senhor quanto à eleição de São Paulo (cabe lembrar que o PT não precisou do PSOL para nada nos últimos 10 anos, menos do que tudo para eleger Haddad da primeira vez–alguém acha que na eleição passada o PT teria trocado o tempo na TV e os votos do PP, malufista, pelo apoio do PSOL?)– e só estamos discutindo “a unidade das forças de esquerda” agora, o que equivale ao PT mendigar os votinhos do PSOL, porque o PT malbaratou formidavelmente seu patrimônio político: o PSOL tem toda razão em se recusar a comprar pelo valor de face títulos podres), mas admito que a sua leitura política costuma ser bem melhor do que a minha. Vamos ver o que acontece daqui para frente.
“Quanto ao Russomano, ele está caindo vertiginosamente e tenho a impressão de que vai continuar caindo, enquanto Marta e Dória sobem. Dória tem duas vantagem: ser novo num momento em que as pessoas tem nojo de política e o apoio do governo estadual. Além disso, basta ver a diferença de crescimento entre ele e Marta. Ele é o herdeiro natural dos votos do Russomano.” -Rafael Galvão
Só para registro: estava absolutamente certo. Caí no conto do cavalo paraguaio Russomano de novo — é injustificável. Dito isso, Dória ganhou no primeiro turno (o PT está desgastado, Haddad — eu insisto– é um prefeito com péssimas avaliações, etc.), nem o apoio de todas as Erundinas do mundo teria mudado isso. Simplesmente não havia voto ideológico de esquerda (em São Paulo, nunca há- vide a glória do Malufismo na capital nos anos 90 e a longa permanência do PSDB no governo estadual) suficiente e o eleitor “pragmático” e menos ideologizado que optou por Haddad há quatro anos ou se decepcionou com ele ou resolveu fugir do PT como o diabo, da cruz. Não é o fim do mundo para a esquerda ou mesmo para o PT (depois de Erundina, vieram Maluf e Pitta, depois de Marta e antes de Haddad, vieram Serra e Kassab), mas (ainda mais tendo em vista os resultados no resto país, especialmente na grande ABC, velha de guerra, e no Nordeste) a luz vermelha acendeu no painel.
Na verdade eu só estava certo sobre o Russomano e sobre o Dória, o que era óbvio diante das pesquisas e do ambiente geral, não só em São Paulo, mas principalmente lá. Mas errei sobre Marta e, principalmente, sobre Haddad.
Acho que a importância de Erundina na derrocada de Haddad está sendo subestimada. Ela ajudou a tirar a fé das pessoas nas possibilidades de Haddad. Unificando a esquerda, ela daria mais musculatura e multiplicaria os votos, e aumentaria muito suas chances de ir ao segundo turno.
Quanto à esquerda de modo geral, eu acho que a situação está feia há muito tempo. Quanto ao PSOL especificamente, dependendo dos resultados de Belém e do Rio, dá pra ter uma ideia da validade do seu projeto, mas eu sou cada vez mais cético. A julgar pelo comentário logo abaixo deste, imagino por quê. Acabei de ver a “Carta aos Cariocas” do Freixo e achei uma estupidez. Quando acabar a eleição eu quero escrever um pouco mais sobre isso.
“Ela ajudou a tirar a fé das pessoas nas possibilidades de Haddad. Unificando a esquerda, ela daria mais musculatura e multiplicaria os votos, e aumentaria muito suas chances de ir ao segundo turno.”
Pode ser, mas sinceramente duvido. Ninguém votou em Dória por falta de fé nas chances de Haddad, que, repito, era um candidato desastroso.
“Quanto à esquerda de modo geral, eu acho que a situação está feia há muito tempo.”
Sim, mas o PSOL é o menor contribuinte para tal estado de coisas. Sinceramente, quando nem os dirigentes petistas nem os intelectuais e outras vozes supostamente independentes conseguiram ainda fazer uma análise crítica da derrocada do PT, esperar que o PSOL tenha uma boa estratégia para o Brasil pós-Dilma é um pouco demais. É justamente esse o problema: o PSOL, para o bem ou para o mal, se dispôs, desde os tempos em que Lula era Deus e Palocci, seu profeta, a correr por fora do mainstream esquerdista e assumiu uma posição francamente minoritária (que às vezes acaba caindo no porra-louquismo, com o perdão da palavra, mas pelo menos não precisa ficar bajulando a Bancada Evangélica ou namorando Renan Calheiros e Cunha — deu no que deu, o PT continou sendo chamado de “comunista”, “contra a família” e, na hora em que era mais necessária, aquela base aliada eclética se dissolveu). É justamente desse mainstream esquerdista, especialmente do complexo USP-PT, que deveria ter surgido uma análise lúcida, madura da situação atual do Brasil. Espetar bonecos voodoo de Sérgio Moro e defender a corrupção como corrupção, como passou a fazer a Carta Capital, é morte política certa e merecida. Dizer que a “garotada do MPF” não entende as virtudes econômicas da pilhagem dos cofres públicos pode colar entre “intelectuais” de esquerda, mas, entre pessoas normais, é pedir para acabar pendurado de cabeça para baixo em uma praça ( http://www.cartacapital.com.br/revista/923/essa-garotada-do-mpf-nao-tem-a-minima-nocao-de-economia ). Depois não adianta dizer que o eleitorado é udenista e conservador.
Seu discurso neurótico só mostra o porquê do boneco de cera do Dória venceu,vocês não raciocinam mais ,vivem cegos de ódio,um ódio irracional.Sempre fazendo essas pérolas…aguardem,aguarde o que te espera ..
Thiago, eu já disse: eu moro aqui. O fracasso eleitoral do vagabundo do Haddad, não tem nada e ver com tocar na classe média, até porque a classe média de São Paulo é anódina como toda classe média.
O Haddad é ruim e ponto. Ele é burro, teimoso, covarde, petista (com tudo que isso quer dizer hoje), fresco, metido, mal formado e mal informado. Pegue a lambança que ele fez no ministério da educação, com o Enem, por exemplo, e potencialize vezes dez, e terá um noção do que ele fez com a cidade de São Paulo.
São Paulo, que é a única cidade que interessa neste Brasil ordinário; a única cidade que tem uma Bolsa de Valores que se pode chamar disso; a única cidade que tem gente de verdade, não desesperados vagabundos ou passa fome, ou os dois, como no resto do país. São Paulo só merece o melhor por ser uma das melhores cidades do mundo e eu nem sei com se fez uma cidade como esta neste Brasil de gente inútil. Acho que ETs. nos visitaram no passado, porque com o povinho de hoje, nem pensar.
A Marta foi mil vezes melhor prefeita que esse palhaço, mas porque? Apesar de petista, a Marta é de São Paulo e gosta da cidade dela, fora o fato que na época ele carregava o nome Matarazzo que lhe dava um certo padrão de procedimento, ao contrario deste energúmeno sem eira nem beira do Haddad . Esse palhaço vai perder e eleição e tomara que desapareça da face da terra.
Então meu caro Thiago, eu não sei como é o prefeito da sua cidade e espero que seja bom, mas o da minha cidade, que é São Paulo, eu conheço e é essa tragédia que lhe descrevi. Abraço!
Acho que Rafael quis dizer que Haddad se preocupou muito com interesses da classe média — ou percebidos como tais– e fez pouco pela periferia, que sempre foi uma fortaleza do PT em São Paulo– Marta está tendo bons resultados por lá segundo as pesquisas, o que provavelmente se deve à lembrança dos projetos dela -para a população de baixa renda. Enfim, não posso fazer um julgamento baseado em experiência própria das políticas de Haddad e mal as conheço, mas posso, pelas pesquisas, dizer que é um candidato pesado demais — o PSOL, que não apoiou Lula para presidente quando ele estava no auge da popularidade, não tem motivo para ajudar agora a carregar um caixão sem alça (o PP ‘tá aí pra isso).
Acho que é um exagero dizer que São Paulo é a “única cidade que tem gente de verdade, não desesperados vagabundos ou passa fome, ou os dois, como no resto do país.” Não só outras cidades dão sua contribuição ao país (e, falando de realizações do passado, do tempo dos ETs, a Bolsa do Rio foi durante um bom tempo tempo mais importante do que a de São Paulo) como também São Paulo deve ter sua parcela de famintos ou quase (não consta que os programas sociais não tenham clientela lá) e vagabundos desesperados ou pior. Ou quem será que a polícia paulista (não só na capital– o que me lembra: o próprio estado de São Paulo tem várias cidades pujantes, algumas menos mal-tratadas do que São Paulo) vive matando em confrontos?
Acho que a discussão acabou derivando para São Paulo, que é só um aspecto da questão da esquerda em geral. No fim das contas, São Paulo é só mais um estado, entre os tantos em que o PSOL repete a mesma estratégia do PT.
No que diz respeito à “naturalidade” do candidato, é claro que há limites para a vantagem da máquina, e o número altíssimo de prefeitos que não vão conseguir se reeleger nestas eleições é a maior prova disso. Mas estamos diante uma questão objetiva. Haddad tem 10% dos votos válidos segundo a pesquisa de anteontem do Ibope, Erundina tem 6%. Além disso a rejeição a Erundina, se não a inviabiliza, é surpreendentemente alta, maior até que a da Marta, mesmo sem o agravante de ser vidraça, como Haddad é, e alvo de todos os ataques (embora a metodologia do Ibope pra medir rejeição seja muito duvidosa). Eu não vejo, objetivamente, nenhuma razão para ela ter a preferência, dentro de uma perspectiva mais ampla que não a de afirmação de um partido.
Mas não é a eleição o mais importante, porque é óbvio que teriam muitas dificuldades para sequer chegar ao segundo turno, quanto mais ganhar a eleição. É a postura e a perspectiva que me interessam realmente.
Sim, eu não esperava que o PSOL fizesse diferente, embora achasse que devia fazer. É esse o problema que vejo no partido: ele se pretende o novo mas só repete a mesma esquerda velha, e as mesmas práticas que acabaram dando errado. É pior, na minha opinião, porque sequer aprendeu com os 20 anos de governos do PT. Joga fora a bacia com o bebê dentro.
Não é o PT que acho que se deva discutir sob essa perspectiva, porque seu tempo como referencial de esquerda passou e acho muito improvável que venha a se recuperar. Não é o PT que pode ter alguma aspiração de futuro. Em algum momento achei que podia ser o PSOL, mas ele abre mão disso porque é velho demais. Porque resolve, conscientemente, não trabalhar com a realidade, e se fixar em repetições de bordões velhos, mas com a aparência de novo.
Pra mim, o PSOL é pode ser resumido aqui:
Concordo que falamos muito de São Paulo, mas, bom, é uma cidade muito importante na política brasileira (cheguei a pensar que, da cabeça de ponte da capital, o PT iria finalmente lançar a ofensiva que expulsaria o PSDB do Palácio dos Bandeirantes — o PSDB já passou lá mais tempo do que a ARENA no Palácio do Planalto). Lembrava que na minha Vitória natal o PT fez um prefeito na mesma leva em que Erundina foi eleita? E é capital de estado (pequenino, mas enfim…) do Sudeste. Além disso, como já notou, em Salvador, não dá mesmo em 2016. No Rio, bem, ainda existe PT no Rio? E Jandira existe como candidata a prefeita? Se é para falar de cidades, melhor falar de São Paulo mesmo.
A política nacional do PSOL provavelmente não é das mais sensatas. Aliás, nada é muito sensato nele, mas o PSOL, o PSTU (ambos expulsos do PT, lembremos, pelo mesmo pessoal que fez as lambanças cujas consequências estamos sofrendo), o PCB, o PCO e similares pelo menos têm a coragem de suas convicções (justamente o que falta à liderança petista: convicções). Eles não participaram do festim de casamento do PT com o que há de mais sórdido na política brasileira, preferiram ficar falando sozinhos com suas ortodoxias nos seus partidos minúsculos. Eles não têm motivo nenhum para carregar o defunto em troca de café requentado de velório (aliás bonito o mundo em que o PSOL aceita fazer aliança, se comporta à altura de ser o futuro da esquerda, o PT fica com o patrimônio e Haddad, com rejeição igual à soma das de Marta, que tem bastante experiência como vidraça, e Russomano ou de Dória e Erundina — e aqui chegamos à raiz do problema, a arrogância: se um partido de esquerda acha mesmo que pode enfiar um político avaliado assim goela abaixo da população, especialmente da periferia, tudo é permitido).
Sejamos realistas: não iriam ser os votos do PSOL que iriam, por exemplo, parar Dória em São Paulo, que é um caso ainda remediável. Se Haddad não puder chegar ao segundo turno sem eles (não estamos falando de uma eleição só de primeiro turno como a que Jânio venceu quando Suplicy e FHC dividiram o voto de esquerda), não há o que fazer. Se não conseguir convencer o eleitor do PSOL a votar nele no segundo turno, bom, então nem toda a delicadeza e todo o desprendimento de todas as Erundinas do mundo teriam resolvido o problema (sinceramente respeito muito as realizações do PT nesses últimos 14 anos– assim como critico o que me parece ruim– e estou bem à direita do pessoal do PSOL, mas se eu fosse um membro ou eleitor do PSOL, lembrando tudo que aconteceu desde 2004, minha resposta a qualquer proposta de “união das forças de esquerda” que incluísse o PT na cabeça de chapa, especialmente em São Paulo, seria: “Procurem Maluf ou uma empreiteira”. Se o problema fosse SÓ ganhar eleições, o PT foi um grande partido e ainda é um partido grande, pode (ou vai poder quando a poeira baixar, ora, se até Collor deu a volta por cima!) disputar eleições para ganhar. Não precisa ser grande coisa para fazer isso — aí está o PMDB, partido que mais elegeu prefeitos em 2012, que não me deixa mentir. Se a questão, no entanto, for criar uma resposta intelectualmente séria, popular e vigorosa para o assustador dilúvio conservador que vem arrasando o Brasil, chamar logo o PSOL é desnecessário e até contraproducente. Sobrou (pelo menos é o que me dizem) no PT e no resto da centro-esquerda um monte de intelectuais brilhantes e políticos competentes, que podem refletir criticamente sobre a experiência do PT e traçar um caminho para a recuperação, dentro ou fora do PT, da esquerda. Para isso o PSOL, uma “nova esquerda” com mais de dez anos e produto de uma situação bem específica, não serve nem nunca serviu.
Quanto à propaganda do PSOL, esse pessoal parece ter um desinteresse tão grande em administrar qualquer coisa que não seja um diretório acadêmico ou em conversar com qualquer um que não seja membro da congregação que fiquei especialmente interessado em descobrir como andam as duas prefeituras que o partido conquistou em 2012 (outra razão para falar de São Paulo e mais uns poucos lugares: falar da política seguida pelo PSOL “no país inteiro” é perda de tempo — ele venceu em dois municípios, 0,036% dos municípios, 317 vezes menos do que o PT), mas sei lá. Cabeças mais frias talvez fossem capazes de fazer do passe livre (bandeira de Erundina em Sampa também) uma questão popular. É o tipo de tolice (“basta eleger nosso candidto a prefeito e, apesar do orçamento apertado, dos empresários do setor, da Justiça, do Legislativo e de tudo mais, vamos garantir transporte público gratuito e de qualidade para todo mundo”) baseada em uma causa simples (quem realmente entende Orçamento da União, política fiscal contracíclica e comércio com a China?), slogans simplórios, benefícios óbvios e inimigos prontamente identificáveis e geralmente detestados. Lembrai-vos dos 20 centavos — assim como “lembrai-vos de 35” já foi uma grande carta política. É o tipo de jogada demagógica que pode até dar certo (como, digamos, acusar Marina Silva de ser fantoche dos bancos enquanto Dilma desmoralizava e sangrava Guido Mantega, deixando claro que ele não ficaria no cargo, o que em Brasília significa não ser mais obedecido nem pela senhora que traz o cafezinho, e preparando nos bastidores um banqueiro para sucedê-lo e acalmar o Mercado — deu menos certo no governo do que na campanha, mas a vida é assim mesmo).