Da tolerância

Queria saber quem foi o desgraçado que apareceu com essa ideia cretina de que temos que respeitar a crença dos outros.

Porque eu não tenho que respeitar a crença de ninguém. Tenho que respeitar o crente — ou nem isso, tenho que respeitar incondicionalmente o seu direito de acreditar no que quiser. E nada mais.

Você quer acreditar que é essa mixaria aí porque quando nasceu Júpiter estava em conjunção com Vênus, acredite. Júpiter era mesmo batuta e entrava em conjunção com Io, com Alcmena, com Ganimedes, com Antíope, com a mulher do padeiro e com uma cabrita do Quirinal desde o tempo em que ainda se raptava sabinas.

Quer acreditar em um Deus que é um e é três enquanto o padre passa o rodo nos coroinhas e mostra com quantos paus se faz uma hóstia, acredite.

Quer acreditar que o Deus que você inventou para criar um universo incompreensível em sua infinitude fica com raivinha de você se você não o adorar acima de todas as coisas, acredite.

Quer acreditar que, se você der o dízimo para o pastor, Jeová Deus vai lhe dar um Voyage 2018 e deixar as 60 prestações para você pagar, acredite

Quer acreditar que setenta virgens estarão lhe esperando depois que você se explodir num ônibus escolar, acredite.

Quer acreditar que Deus vai lhe jogar no pior círculo do inferno se você comer carne de porco, acredite.

Quer acreditar que Exu vai lhe ajudar a trazer a pessoa amada em sete dias se deixar um ebó na porta daquela vagabunda que o roubou de você, acredite.

Quer acreditar que a terra é plana — ou ainda melhor, oca com um sol interior no meio — acredite.

Quer acreditar que Jesus morreu na cruz por você, acredite.

Quer acreditar que ETs visitam este malfadado planeta para abduzir justamente os espécimes mais estúpidos ou picaretas da humanidade, acredite

Quer acreditar que oxiúros são os novos deuses, acredite, até porque ao menos oxiúros existem de verdade.

Acredite, e regale-se em sua crença. Junte-se aos seus pares e acreditem juntos. Porque você pode, e acredita no que quiser, é direito seu com ampla jurisprudência por aí, e essa é a grande maravilha do mundo, e ninguém pode tirar isso de você. Acredite. Essa é a nossa grande conquista como sociedade: acreditar na bobagem em que se quer.

Porque enquanto isso eu continuo acreditando que, se você acredita nessas coisas, você é um estúpido, meu filho.

One thought on “Da tolerância

  1. Assino embaixo. Como dizia uma camiseta vendida pela Casseta Popular nos anos 80: “Jesus te ama, mas eu te acho um babaca.”

Leave a Reply to Wagner Cancel reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *