O mundo me subestima porque eu sou só um paraíba.
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É mister John Daniel’s para você
Ah, Adriano…
A primeira reação que tive ao ver seu comentário foi pensar: como alguém pode não gostar de Jack Daniel’s? Eu reconheço em todos o direito a seus gostos. Mas não admito que alguém ouse não venerar a Lady Day, e não reconheço que se não goste de Jack.
Mas é John Daniel’s para você, Adriano. Cuidado aí com a intimidade. Jack só se deixa chamar por esse nome por quem realmente gosta dele. Por quem o conheceu aos poucos, em noites longas em que risos se misturaram a lágrimas; mas principalmente por quem ele conhece de verdade, por aqueles de quem ele conhece a alma. Não vá afetando uma intimidade que você não tem nem quer ter. Mister John Daniel’s.
Há umas poucas coisas na vida que precisam de ritual. Um ritual simples, porque rituais complicados tiram a alegria do viver, e os prazeres se perdem na necessidade de seguir os passos dos outros. Jack sabe disso. Ele não lhe diz o que fazer. Sequer coloca a mão no seu ombro, porque sabe que a sua dor não passará com isso; em vez disso, apenas fica do seu lado, calado, olhando para você. É só disso que você precisa.
Aquele que lhe apresento como John Daniel’s só pode ser entendido por quem sabe que se fechar os olhos pode ter pesadelos. Sonhos ruins, perversos, que lhe farão acordar com medo, procurando um ar que lhe pareceu faltar. Por quem, como um Ebenezer Scrooge atormentado pelo passado, está sempre sujeito a fantasmas que chicoteiam com lembranças que você queria enterradas.
Existem poucas coisas que se deve fazer sozinho nesta vida. Uma delas é deitar em um sofá no escuro, só você e os milhões de demônios que atormentam a sua consciência, que lhe fazem ter calafrios pela canalhice que você cometeu um pouco antes, pela mulher que você machucou, pelo amigo que você ofendeu. É só ali, naquele sofá, que você pode entender por que sabe que vai magoar uma mulher, sabe que é errado, ao mesmo tempo em que admite resignado que não conseguirá evitar.
E nessas horas, nesse sofá no escuro, só duas companhias lhe são permitidas. Uma delas é Billie Holiday ou Chet Baker; você pode escolher qualquer um dos dois porque eles, como ninguém mais, sabem cantar o que se passa em sua alma. Quando Chet com voz tão pequena canta I Fall in Love Too Easily, ou Billie que não tem mais esperanças destroça o seu coração com Solitude, então você entende, e não são necessárias outras palavras. Só eles sabem quem você é, só eles olham para você sem raiva, sem pena ou sem censura. Certo, eles dizem “mas que merda você fez, hein?” Mas dizem também “tudo bem, eu também fiz.” E então, por alguns instantes, você sente que não está sozinho no mundo; que alguém consegue entender tudo aquilo que passa tão rápido por sua cabeça, tão rápido que nem você consegue compreender. Só eles podem traduzir, em palavras que dizem mais do que parecem dizer, aquilo que você jamais teria coragem de falar. E mesmo assim apenas naquele momento, num sofá no escuro, apenas você, a música, a fumaça azulada do cigarro e o perfume que vem de um copo.
Esse copo de Jack Daniel’s é a sua outra companhia, Adriano, e só ela. Cada dose tem que ser dupla; se você vai colocar gelo que seja apenas o suficiente apenas para esfriar. Só isso. Mais nada. Ninguém para falar que essa merda foi envelhecida em barris de carvalho no cu da Escócia. Ninguém para vir com viadagem sobre a qualidade da água das highlands. Ninguém para encher seu saco. Só você, a música e seu copo.
E os seus demônios.
Jack é diferente, Adriano. É diferente, por exemplo, de um Johnny Walker com roupinha de nojentinho dizendo em falsete keep walking, keep walking. Johnny é um filhinho de mamãe inglês que anda por diletantismo, porque cansou do Bentley com motorista, um maricas que nunca precisou pegar um ônibus na vida; Jack é alguém que sofreu e fez sofrer, que desaba na mesa do boteco depois de chorar por ela, e que se conseguir voltar para casa vai voltar a pé, mas não porque tem que “keep walking”: vai voltar a pé porque é assim que as coisas são. Johnny se acha grande, se acha o dono do mundo. Jack, e todos nós, sabemos que porra nenhuma interessa, que é tudo uma grande brincadeira, e que a gente às vezes chora enquanto ela não acaba. Sabemos que não somos nada, mas que nossas pequenas tragédias são enormes.
Só Jack entende o que há de inexorável nesta vida; as suas tantas promessas não cumpridas, os compromissos a que você não compareceu, só ele entende que você mente sendo sincero. Jack sabe; Johnny não fala nossa língua.
Jack Daniel’s é para quem se arrepende. Não acredite em quem diz não se arrepender de nada nesta vida, porque esse é um idiota, não merece sequer sentir o cheiro do milho. Ou então, pior, não viveu, tem o orgulho néscio de nunca ter errado porque só tomou as decisões certas na vida e não sabe de nada, de nada. De nada. É só outro idiota. E de idiotas o mundo está cheio, é contra eles que Jack nos protege.
Só não gosta de Jack Daniel’s quem nunca fez nada errado; quem nunca se arrependeu de nada. Quem nunca viu uma mulher chorar na sua frente, por sua causa, e só sentiu enfado; quem nunca jurou um amor que não sentia por causa de um rabo maravilhoso e peitos que precisavam ser engolidos por sua boca; só não gosta de Jack Daniel’s quem nunca puxou os cabelos dela sabendo que ela ia gostar, quem nunca deixou o seu colo marcado de vermelho como quem diz você é minha. Só não gosta de Jack Daniel’s quem nunca ouviu “desse jeito você acaba comigo”.
O resto não vale a pena. O resto é Logan, nome que não merece sequer um sobrenome, bastardo que é.
Por isso não, Adriano. Jack Daniel’s, não. É mister John Daniel’s para você. Marque hora com antecedência. E então pode falar mal o quanto quiser, porque ele não vai se importar.
Republicado em 04 de agosto de 2010
Por que tenho as melhores amigas do mundo
— Rafa, eu costumava freqüentar essa igreja aos sábados.
— É?
— É. Eu era católica aos sábados. Vinha com meu pai.
— E aos domingos?
— Eu era protestante, com minha mãe.
— Segunda a sexta?
— Ah, aí eu era vadia.
Fluxo de consciência
Delicatessen mar vista colchão pé direito sutiã gambiarra anéis esmalte rachadura branco resina umbigo cóccix queda rosa história calor Rita mesa pé riachuelo mão provocação ônibus beijo.
Canto de amor e desamor para Maroca
Eu não sabia quem era a Maroca. Sabia apenas que mora perto de mim, mas não perto demais, e sabia também que sua voz chegava fraca até mim.
Não sabia nada sobre ela, ainda não sei, e quando me apresentei dei nome falso para que ela não soubesse quem era este seu admirador secreto. Preferi amar Maroca assim, oculto e em silêncio, uma espécie de Cyrano frouxo na penumbra diante de sua Roxana: “A causa disso tudo, eu sei como explicá-la: é no meu coração que vos recebo a fala; meu coração é grande, é fácil de encontrar; pequena é a vossa orelha, e custa a procurar; a minha fala sobe… a vossa vem de cima…”
Desde o início me apaixonei pelo seu nome; só a paixão justifica que alguém cite Ronstand. Maroca. Poucos nomes tão brasileiros, tão antigos; talvez apenas Rita, Rita que tem gosto de jaboticaba. Maroca: Maria chamada pelo apelido com carinho pela tia, talvez uma tia que ainda mói café em pilões caseiros. Maroca é nome de passarinho, nome leve como um coleirinha. Maroca chamada assim pelas amigas, todas em blusas brancas abotoadas até quase o pescoço, com golas de renda e olhares que não são oblíquos porque só quem tem olhar oblíquo são as Capitus da vida, pelo menos é assim que me parece.
Maroca é um nome que só lembra coisas boas, como um retrato amarelado de família feliz pendurado na parede do quarto da avó.
Maroca era adorável porque não era egoísta, porque dividia o pouco que tem. E foi assim, por sua generosidade e desprendimento, que a Maroca cativou este pobre blogueiro. Uma generosidade tão grande que até me fez escrever a palavra “cativar”, palavra que só me lembra livros ruins lidos por misses.
Mas a Maroca mudou, como uma moça numa música de Chico Buarque. Ela está diferente, e por isso este post de desabafo. De repente ela deixou de ceder aos meus apelos, deixou de me mostrar os seus tantos encantos, passou a fingir que eu nem existia; e a Maroca sabe, como eu sei, que o desprezo é pior que o ódio, porque o desprezo é a não-existência, é o vazio; e além da Maroca, nada conseguia sobreviver ao vácuo.
Maroca se tornou igual ao Marcos e ao Tonzé, que também moram perto de mim e dos quais eu não tinha nada a falar, além de lamentar seu egoísmo e sua incapacidade de partilhar. É com raiva e desalento que escrevo isso enquanto bebo os últimos goles do meu copo de Jack Daniel’s: para ver se esqueço a Maroca. A Maroca que de repente jogou fora o que tinha de angelical e de bom, que virou uma pessoa pequena como o Marcos e o Tonzé. Maroca me decepcionou, me fez sentir como um marido apaixonado que vê sua mulher lhe dizer, com a frieza daqueles em quem não existe mais amor, que ele não significa mais nada para ela.
De repente eu não tinha mais wi-fi em casa, porque a vagabunda da Maroca resolveu fechar a sua rede.
Ah, Maroca, quer saber? Eu não te amo mais.
Republicado em 02 de agosto de 2010
Em Aju tudo se sabe
Acabei de saber que, além de um casamento oficial, eu tive outros dois “não-oficiais”.
Só não me disseram quem foram as duas infelizes, as pobres coitadas que tiveram que me aturar. Mais estranho ainda porque não lembro de um porre tão prolongado que me fizesse esquecer esses dois “casamentos”.
Sabe Deus quantas besteiras já fiz na vida, mas não costumo repeti-las. Muito menos duas vezes.
Agora eu quero saber quem foram elas. Porque preciso tomar uma atitude, agora mesmo.
Se forem feias vou fazer questão de desmentir esse boato torpe. Eu só caso com mulher muito bonita, porque meu coração é fraco, fraco, eu amo como as criancinhas e como o Bandeira.
Se forem bonitas, vou querer saber nome e telefone. Acho que vou tentar uma reaproximação, uma boa noitada, para lembrar os velhos tempos. Porque, afinal de contas, grandes histórias de amor não podem terminar assim.
15 respostas para a Vivien Morgato
A Vivien fez uma pergunta no penúltimo post:
(levantando a mao) posso perguntar? por que um dos blogueiros mais inteligentes (vc, caso nao tenha entendido…daaaaa) dessa tal de blogosfera ainda teima em pagar de adolescente punheteiro??
Ô, Vivinha… Faz assim comigo, não. Eu gosto tanto do Mãe Joana… Mas vamos lá, deixa eu responder.
1 – Porque minha idade mental é de 2 anos, e o doutor já disse que não aumenta.
2 – Porque eu posso não ser mais adolescente, mas…
3 – Porque, como o Alexandre lembrou, algumas verdades são universais.
4 – Porque eu sou um sujeito muito complexo.
5 – Porque eu não sou um sujeito sério.
6 – Porque eu sou um caso sério.
7 – Ah, essa estranha dicotomia ibérica entre inteligência e trabalhos manuais…
8 – Porque a Jolie é realmente melhor que o Tarantino. Eu acho.
9 – Pior é o Alex, que gosta de pé.
10 – Mundo de merda. O Bia escreve um livro chamado “Sexo Anal” e é o gênio da nossa geração. Eu respondo uma pergunta, uma simples pergunta, e viro adolescente punheteiro.
11 – Porque, como publicitário, eu dei um conselho válido mesmo que isso me custe respeitabilidade.
12 – Porque propaganda é a alma do negócio. O Alex pede pés e recebe. Então…
13 – Falta dessas coisas é um horror, sobe para a cabeça e aí nego fica assim, só pensando nisso…
14 – Porque eu gosto de cachorras. Jolie é nome de cachorra.
15 – Porque eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim, Rafaeeeeel…
Republicado em 29 de julho de 2010
Resoluções de Ano Novo
Fui convocado para responder a um même pelo Mauro e pelo Rodrigo.
Vamos lá: é uma listinha de resoluções de ano novo. Eu nunca faço essas resoluções. Fora a festa, o Ano Novo é só o dia seguinte ao 31 de dezembro. Mas eu pensei, pensei e resolvi arranjar algumas coisas que gostaria de fazer em 2007. Não são propriamente resoluções porque se eu não cumpri-las, não vou ficar mais triste por isso. Mas valem a intenção.
1 – Colocar no ar, novamente, o site sobre os 100 melhores filmes de acordo comigo mesmo. No ano passado o blog começou a sair do ar quando bateu nas 3000 visitas diárias e eu tive que apagar o coitado, junto com os arquivos por categoria deste blog. Se ele voltar, vem diferente: em vez da lista pura e simples e algumas linhas sobre cada filme, o site se transformaria em um blog, com posts de verdade e informação de verdade sobre os filmes, cada filme um post, e com espaço para comentários (obviamente moderados, que eu detesto quem cobra democracia na casa dos outros). Além disso, seria a hora de tirar alguns fimes e colocar outros.
2 – Começar a fazer neste blog um projeto que já tem anos: uma série de posts sobre a discografia dos Beatles, colocando em um lugar só informações como compositor solo ou principal, datas e circunstâncias de gravação e mixagem, letras, acordes, quem toca e canta o quê, comentários gerais sobre cada canção dos Beatles, arquivos MP3 dos orginais de covers gravados pela banda, do Please Please Me ao Let it Be. A discografia póstuma não me interessa; talvez apenas um último post com as canções inéditas compostas por eles e lançadas ao longo dos anos, como as do projeto Anthology. Precisaria também do espaço para os arquivos MP3.
3 – Parar de mudar o layout do blog o tempo todo.
4 – Fazer layouts melhores para o blog (o que entra em contradição com o item anterior, mas tem uma razão de ser: pelo menos uma dessas resoluções vai se cumprir).
5 – Finalmente comer a Kidman e a Zeta-Jones. Essa tá empacada há tempo demais. Mas este ano a coisa anda.
Chatô
Trechos do livro “Morte no Estuário”, de Hunald de Alencar, romance publicado em 1995 que conta com personagens reais e se passa na Aracaju dos tempos do golpe de 1964.
Chatô me chega da Gazeta, babando seu continental sem filtro, bebe do meu rum e diz: Alencarzinho foi preso e todo o pessoal do MEB. Fala e fala o quanto pode. A Gazeta vigiada. Seu Orlando está uma fera. Já levaram o Zé Rosa. Mais de trinta. Mais de quarenta, peça outro bacardi. Tem nego já sendo transportado para a Bahia, me dá um cigarro aí. Estou chateando, não? Pois se estiver, estou. Mas a culpa não é minha. Província udenista pra caralho! Obrigado, mano velho. Vou voltar lá pro jornal. Vou escrever o que não deixam publicar. Cuidado, poetinha. E se vai Chatô, noticioso e assustado, pois o que não pode sair nas páginas da Gazeta, aqui vem e é notícia. Some na noite, alto, os ombros meio curvos de tanto se debruçar catando na máquina cada letra mais exata por onde possa passar um rastro que seja do que seja proibido. Naquela noite, Chatô foi, ele mesmo, sua própria notícia.
(Pág. 67)
Sempre fumei muito pouco. Chatô fumava os dele e os meus. (…) Confiava na inteligência de Chatô, catando letras na velha Remington, papel jornal, espaço três, fita apagada, mesmo assim aflorando idéias naquela cabeça sobre os ombros curvos, a cada dia Chatô me parecendo mais alto. Parei no armazém do seu Vade. Deixei fiado mais uma média e uma carteira de cigarro — uma não, duas que hoje eu ia explorar a inteligência de Chatô.
(Pág 83)
Lá no jornal, seu temperamento [de Orlando Dantas] era uma mistura de pai e patrão a cobrar a disciplina, nem mesmo admitindo que um colega chamasse o outro pelo apelido:
— Chatô! Que Chatô, Ivan [Valença]! Carlos Alberto é o seu nome!
(Pág. 87)
Quanto tempo o tempo tem
Deixa eu tentar explicar o que tem sido esse último mês.
Sexta, dia 22, eu finalmente consegui arranjar tempo para fazer um anúncio urgente que tinha sido pedido (com insistência desgradável para um baiano como eu) desde o dia anterior.
Eu parei num balcão, pedi uma caneta emprestada à atendente, rabisquei o anúncio no verso de um panfleto, peguei o número em um celular, liguei do outro e ditei o coitado.
Crianças, não tentem fazer isso em casa. Essas coisas fazem um mal danado à saúde.