Editorial

A Julia tem me sugerido colocar um contador de visitas neste blog.

Nunca.

A razão é bem simples. Na hora em que eu souber quantas pessoas vêm até aqui (meu ego gosta de imaginar milhares de pessoas vindo regularmente e se retirando em silêncio), ele deixa de ser o que deveria.

O fato é que nunca gostei muito de blogs. “Hoje saí com o Pê, comentei que o cabelo da Quê tá horrível, ri muito com a Pê”. As vidas dos outros, mesquinhas e pequenas como a minha, definitivamente não me interessam. É por isso que aqui neste blog há tão pouca informação pessoal.

Passei a escrever este blog para poder tirar da cabeça, ou registrar de alguma forma, uma série de bobagens em que penso diariamente. Um comentário para mim mesmo. Disseram que ele é eclético; na verdade é anárquico, no pior sentido da palavra. É só um amontoado de idéias desconjuntadas e mal-cozidas, só isso.

(Quase 150 posts depois, eu mesmo ainda não sei direito o que é este blog. Não é um diário online; tampouco um blog jornalístico. Provavelmente é apenas Rafael se dando o direito de ser cabotino quando quer, contando muitas vantagens e poucas desventuras [inversamente proporcional à vida real], escrevendo o que quer na hora que quer.)

Mas com um contador isso acabaria. Por vício profissional, talvez mesmo de caráter, eu passaria a escrever para as pessoas que viessem aqui. Tentaria descobrir quais os posts preferidos e me ateria a esse estilo. Não que isso fosse uma decisão consciente, mas depois de tantos anos escrevendo para convencer os outros, isso é inevitável. Além disso, se eu finalmente percebesse a verdade — 3 visitantes por dia — ia acabar revoltado e jogando tudo para o ar.

O blog continua sem contador, Julia.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil…

Falei daquele grande canalha, o Pessoa, e lembrei de um trecho de “Poema em Linha Reta”: “Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado para fora da possibilidade do soco”.

Há muitos anos eu ia sempre a uma cidadezinha do interior de Sergipe, Canindé do S. Francisco, onde fica a usina hidrelétrica de Xingó. Ia porque lá eu era rei: “o neto do dono da ‘rádia’ “. Não era neto, era amigo e discípulo, mas isso importava pouco.

E os forrós da região eram movimentados.

Só quem conhece a situação de ser forasteiro bonitinho e aparentemente poderoso em um cu de mundo pode saber o que isso significa. Você entra no salão e dá uma olhada. Você não se pergunta em quem vai dar em cima; você se pergunta quem vai comer, só isso. Não há dúvidas, só certezas. O único cuidado é saber se a felizarda está desacompanhada; do contrário você pode terminar a noite com uma peixeira delicadamente alojada em suas tripas.

Nesse dia fiz como sempre. Olhei em redor e escolhi. Um pouquinho de dança, um pouquinho de conversa, e lá fui eu embora.

Algumas horas depois voltei. De novo: uma olhada, uns passos de dança e uma saída providencial.

A noite estava tão boa que não custava nada tentar a sorte mais uma vez. E assim lá volta este pós-adolescente esfomeado. Já era dia claro e mais uma vez o ritual se repetia. Uma olhada e uns passos de dança.

Mas enquanto eu dançava e iniciava a litania de convencimento, um sujeito empurrou outro ao meu lado. O cabra foi ao chão. Quando levantou, uma peixeira brilhava em sua mão.

Foi tudo muito rápido. Olhei para a mulher que estava comigo e pensei: “Foda-se.” Larguei a moça nas mãos do acaso e saí correndo.

É. Sabe o Álvaro de Campos? Eu saco o cara.

A revolta de um neo-malê

João José Reis acaba de estragar um projeto meu.

Para quem não conhece, o baiano J. J. Reis é um dos maiores historiadores brasileiros, principalmente no que se refere à escravidão na Bahia. Há quase 20 anos ele escreveu um livro chamado “Rebelião Escrava no Brasil”, em que contava a história da Revolta dos Malês em Salvador, em 1835.

A Revolta dos Malês foi uma das mais importantes rebeliões escravas da história do país, em que os negros muçulmanos, culturalmente superiores aos seus donos, tentaram fundar um califado em plena Bahia. A rebelião durou menos de 5 horas, mas foi mais do que importante na definição do futuro brasileiro, já que a repressão a ela extinguiu praticamente todo traço da cultura muçulmana no país. Se eles tivessem vencido — ou mesmo se não houvesse a revolta, e a conseqüente repressão — o país seria diferente.

Quando li o livro, há dois anos, me veio imediatamente a idéia de escrever um roteiro sobre a insurreição. Afinal, dentro do renascimento do cinema brasileiro a Bahia não tem nenhum filme. E a revolta daria um filme maravilhoso.

Obviamente, o projeto dependia de várias questões: contatos, dinheiro, etc. Por isso, só comecei a escrever o roteiro, que abriria com duas crianças brincando lado a lado, uma branca e outra negra, para logo depois mostrar que a harmonia racial na Bahia era apenas ilusão. Também tinha uma cena final definida — uma escrava rebelde sobrevivente desfraldando um alá. Ao todo, isso dava umas quatro linhas.

Mas agora o JJ resolve estragar tudo relançando a sua obra, por outra editora e com 3 vezes o tamanho original.

Sei não, mas acho que o meu filme dançou. Com essa publicidade é bem possível que a Revolta dos Malês venha a se tornar mais conhecida, e algum baiano que não eu, com mais contatos, fará o filme.

Estou revoltado com o JJ. Vou fazer 4 cortes no meu rosto e sair pela UFBa gritando “Viva Nagô!” até achar aquele sacana.

Vivendo e aprendendo

Eu uso o Netscape há 8 anos. Achava que sabia tudo. Mas foi preciso a minha filha, de 4 anos, para me ensinar que a barra de espaços funciona como uma espécie de “page down”.

Quando eu digo que ela é muito mais inteligente que eu, as pessoas duvidam.

Eu e meus computadores

Eu tenho um nível alto de dependência do computador. Não digo que sou um sujeito totalmente “wired” porque não tenho um palmtop com conexão à Internet via satélite, mas a verdade é que minha vida, em grande parte, depende do computador.

Alguns exemplos: eu trabalho aqui, de um jeito que não poderia antes. Já aconteceu várias vezes de criar uma peça aqui, fazer o layout, aprovar por e-mail, encomendar as imagens e mandar para o jornal também por e-mail. Um processo que até há alguns anos levaria dias para ser realizado foi feito em poucas horas. Consegui alguns jobs, como campanhas eleitorais, exclusivamente através de e-mail.

Me comunico com minha filha através de uma webcam, com minha mãe por e-mail; converso com amigos em vários Estados preferencialmente por e-mail ou instant messaging; se quisesse poderia até arranjar namoradas aqui. O limite seria a pura e velha sacanagem, mas tem gente que até isso encara. Deve haver um monte de teclados melecados por aí.

Eu me informo aqui. Todas as manhãs recebo newsletters do New York Times, da CNN, do Financial Times, da BBC, e de alguns sites de propaganda, negócios e tecnologia. Leio minhas revistas preferidas — Wired, Business 2.0, Atlantic Monthly, Business Week, agora a New Yorker — na Internet. Se quisesse poderia ler livros inteiros aqui.

Me divirto aqui. Basicamente ouço música no computador, baixada da Internet, e jogo aqui também (o mesmo jogo há 7 anos, Quake; eu devo ser um demente alucinado). Vejo filmes aqui também (já aconteceu de ver filmes aqui antes que fossem lançados nos cinemas do Brasil, mas não é lá muito recomendável).

A questão é que existem maneiras diferentes de lidar com o computador. A maior parte das pessoas que conheço usa da forma mais básica, que apenas torna um pouco mais fácil a execução de tarefas rotineiras, como escrever ou elaborar uma planilha; às vezes até atrapalha. Uma intermediária agrega novas formas a processos antigos, potencializando a produtividade; e, finalmente, o nível mais avançado de interação cria necessidades e costumes novos. Acho que estou nessa.

Lucky Strike

Uma das razões para eu não gostar realmente de nenhuma cidade do Nordeste além de Salvador, descubro agora, é o quanto é difícil achar minha marca de cigarros por aqui.

E não é sequer uma marca rara: o velho e bom Lucky Strike, White. E assim, de vez em quando me vejo obrigado a fumar Carlton ou Free. Como se não bastassem as proibições cada vez piores, ainda tenho que aturar esse desrespeito ao consumidor.

Uma pequena explicação

O título deste blog não é só uma frase com uma cadência minimamente interessante. Ele tem uma razão e ser.

São pensamentos mal passados porque nenhum deles é o que se pode chamar de uma exposição completa. Nenhum está perfeito, nenhum reflete absolutamente o que eu teria a dizer sobre o assunto.

É uma forma de aproveitar a natureza urgente do gênero, incompleta.

Ocupações

Mas a Júlia acertou em um ponto: eu não tenho porra nenhuma para fazer aqui, na Terra do Sol, eu que odeio sol e calor, como todo gordo que se preza. Detesto areia, também.

De qualquer forma, arranjei o que fazer hoje. Minha carteira de motorista é daqui; só tirei porque minha ex-mulher, às vésperas de parir, não podia mais ser minha motorista. E a habilitação venceu há poucos dias. Aproveitei que estava aqui para renovar.

Só tem um problema: eu só posso renovar no Rio.

Como ajudar

Fazendo compras no InfoCentro.

A moça de um stand, sem que eu tenha feito sequer menção de parar, pergunta, ansiosa para vender alguma coisa: “Posso ajudar?”

Definitivamente, isso me irrita.

Chego a abrir a boca para responder com uma malcriação:

“Pode. Me pague um boquete.”

Ainda bem que mamãe me deu educação e me ensinou a controlar a língua.