Furacão digital

Um artigo de Stephen Manes na PC World fala sobre o meu tema favorito: copyright na era digital.

Como quase todo artigo que tenho lido, ele resume tudo a uma questão de certo ou errado. E, como quase todo mundo, passa longe do verdadeiro centro da questão.

É preciso que se entenda uma coisa: o compartilhamento livre de arquivos não é uma questão de certo ou errado. Ninguém perderia seu tempo discutindo se um furacão é certo ou errado; normalmente basta reconhecer que é uma força da natureza, que é inevitável e se conformar com os seus efeitos. Entretanto perdem tempo tentando aplicar esses conceitos éticos à troca de arquivos.

Qualquer pessoa minimamente sã que acompanhe a indústria de entretenimento sabe que a troca de arquivos é algo incontrolável e que veio para ficar. É um furacão, e discutir sua ética é inútil.

Mais spam

Uma olhada no caderno de informática do Globo de hoje e a impressão que se tem é a de que isto aqui vai acabar graças ao spam.

Isso quer dizer uma coisa: que o pessoal dos jornais está recebendo spam demais. Normalmente é assim: enquanto a violência fica restrita aos morros ninguém se preocupa; mas basta ela descer para o asfalto que a coisa assume, imediatamente, proporções monstruosas. E então é preciso, rapidamente, uma atitude firme das autoridades. Faz parte.

No caso do pessoal que agora pede providências imediatas contra o e-mail não desejado, é compreensível. Seus e-mails são públicos, e devem receber uma quantidade insuportável de spam todos os dias.

Alarmismo à parte, o problema é mesmo sério. Se alguém tiver o azar de ter seu e-mail incluído numa dessas listas de e-mails vendidas a quaisquer mil-réis nas ruas, está condenado a perder o seu e-mail. Eu já perdi dois. E aprendi como fazer para combater essa praga.

Roman Holidays

Estava assistindo a “A Princesa e o Plebeu”, com Audrey Hepburn e Gregory Peck. Sempre achei o filme uma bobagenzinha agradável, mas desta vez fiquei impressionado com a cena final, sutil e inteligente.

Antigamente eu achava que aquele punhado de filmes que pareciam catálogos turísticos da Europa, e que proliferaram nos anos 50 (“Candelabro Italiano” é um bom exemplo ruim), faziam parte de uma estratégia do Plano Marshall, assim como aquela investida no Brasil, como “Você Já Foi à Bahia”, de Disney, fazia parte da Política de Boa Vizinhança.

Às vezes a gente inventa umas teorias complicadas para evitar ver o óbvio. Aquilo era pouco mais que a fascinação natural por uma civilização mais antiga e mais avançada — e incomensuravelmente mais bela. No máximo pode-se levar em consideração a abertura de um novo mercado.

Mas pensando bem…

…acho que a partir de agora só me refiro ao “cinema nacional” como cinemanacional. Pelo jeito que falam dele parece uma entidade à parte, uma espécie de meta-cinema. Como se o simples fato de ser brasileiro fizesse dele algo diferente para todos, brasileiros ou bárbaros.

Não que eu não goste de cinemanacional. Gosto, e muito. Há muito tempo percebi que só no cinemanacional vou ver alguém tomando café em copo de geléia de mocotó. E é essa identificação imediata, essa sensação de se ver na tela, que faz dele algo único. O Canal Brasil é hoje a única razão para alguém assinar a Net.

Mas isso é importante para mim, brasileiro e paraíba. Para um tailandês o tal café em copo de geléia vale tanto quanto o que o meu gato enterra. A estupidez de ver um valor universal em algo especificamente brasileiro já nos deu tragédias como aqueles trambolhos pós-Cinema Novo, financiados pela Embrafilme, mas nesses tempos de ufanismo e “Brasil Grande” encontra solo fértil.

Enquanto isso, espero o abençoado dia em que o cinemanacional, essa entidade superior ao reles entendimento humano, tomará de assalto as salas de exibição de todos os países do mundo.

O Tropicalismo como sinônimo de insanidade

A diferença entre Caetano e Gil é que, embora ambos não tenham absolutamente nada a dizer, Gil diz o mesmo nada com mais e mais complicadas palavras.

Mas anteontem o nosso ministro da Cultura arrebentou a boca do balão. Num ataque de ufanismo desbragadamente delirante, afirmou que se depender do governo o cinema nacional vai dominar o mundo em alguns anos. Ela acha que as verbas da Petrobras vão desbancar a máquina de Hollywood.

Deve fazer parte das atribuições do cargo dele, essa coisa meio insana. Ou então é desbunde tropicalista tardio.

Edith Head

Entendo tanto de moda quando de biogenética.

Mas mesmo assim tenho cá minhas teorias. E a mais engraçada delas é a de que o estilista mais influente do século XX não foi Chanel, Saint-Laurent ou Dior.

Foi uma mulher chamada Edith Head.

É improvável que muita gente a conheça. Durante muitos, muitos anos, ela foi a responsável pelos figurinos dos filmes da Paramount. Uma olhada na filmografia dela no IMDb resulta em mais de 400 filmes. Acho que nenhuma outra costume designer fez tantos filmes como ela.

Ao escolher as roupas que as estrelas usavam, ela fazia com que as mulheres automaticamente as imitassem. A influência de Hollywood nesse campo nunca pode ser subestimado; basta lembrar que, quando Clark Gable apareceu sem camiseta por baixo da camisa em It Happened One Night, as vendas caíram vertiginosamente, e o costume começou a acabar.

Edith Head pode não ter sido uma estilista no sentido estrito da palavra, e certamente não inventou nada. Mas ao dizer como as estrelas de Hollywood se vestiam, ela automaticamente dizia como os Estados Unidos e o mundo deveriam se vestir. E isso é ser influente.

Tenho a impressão de que, sem que Edith Head adotasse o seu estilo, Chanel não conseguiria a influência que tem.

Mas, como disse, eu não entendo nada de moda.

A velha dama indigna

A Julia citou Agatha Christie.

A mim, essa lady não interessa há muito tempo. Já fui leitor dela; é difícil não se entreter com os jogos de xadrez que ela monta.

Acontece que a Dama do Crime é, pelo menos para mim, uma fraude. Descobri isso quando resolvi que iria decifrar — com provas concretas e pseudo-científicas — o crime de um dos seus livros (acho que “A Extravagância do Morto”).

Para compensar a falta de presença real na cena do crime, decidi que poderia fazer anotações e voltar as páginas quando quisesse. Me armei com caneta, papel, e passei umas cinco horas lendo um livro que normalmente me tomaria pouco mais de uma.

E no final descobri que era impossível provar a identidade do assassino, porque o detalhe que constituía a prova definitiva (uma pedra inadequada à jardinagem) não era descrita no livro; só Miss Marple sabia, porque também fazia jardinagem, e ela não fez questão de contar a nenhum leitor.

Aquele foi o último livro de Agatha Christie que li em minha vida. Não foi tão difícil deixar a 171 de lado; àquela altura eu já achava que o romance “de detetive” inglês é muito inferior, pelo menos como literatura, ao noir americano, depois de gente como Hammett e Chandler.

Mas ela tem alguns aspectos interessantes, apesar da fraude que acho que é. Agatha Christie é um dos mais perfeitos exemplares de uma sociedade que desapareceu com a II Guerra Mundial.

Aquela era uma sociedade estratificada ao extremo, amarrada a uma variedade absurda de convenções sociais praticamente intransponíveis. Daí o excesso de “impostores” na obra de AC, como se fosse um lembrete de que as classes mais altas jamais tolerariam que o seu lugar fosse usurpado por membros das classes inferiores. É curioso ver como, principalmente nos livros de Miss Marple, as convenções sociais desempenham um papel importante na trama e, principalmente, na solução dos crimes.

Essa sociedade acabou com a reforma educacional da Inglaterra logo após a guerra, que garantiu educação de qualidade para os proletários, e com a própria evolução do capitalismo na ilha de Ricardo Coração de Leão. Seus restos sobrevivem ainda hoje na Câmara dos Lordes e em outras aberrações políticas e fundiárias inglesas.

E, claro, no Tampax de Camilla Parker-Bowles.

A velha e boa sacanagem

Houve um momento em que achei que fazia parte da geração que havia descoberto a sacanagem. Isso deve acontecer com todo adolescente, achar que está reinventando o mundo simplesmente porque está descobrindo coisas que ignorava. Faz parte da pretensão ignorante da idade.

Achava que, por exemplo, o acesso a filmes pornô representava o ápice da sacanagem no mundo ocidental, sem perceber que desde que o homem aprendeu a desenhar nas paredes das cavernas fazia questão de registrar seus eventos sexuais.

No blog do Lau segui um link para o Sade Bibliografia. O mais interessante é uma coleção de ilustrações eróticas (lembre-se, erótico é tudo aquilo que nos outros é pornográfico) que datam da Era Moderna.

Vendo essas ilustrações fico rindo da pretensão de todos nós. Belchior lamentava a inexorabilidade de acabarmos como nossos pais. Mas, a julgar pelo que dizem as imagens, sorte de quem conseguir isso.