Erros de translação

Eu gosto de ver erros de tradução nos filmes dublados ou legendados em português. São aqueles erros tão crassos que é impossível não perceber, porque geralmente são traduções literais ou simplesmente adivinhadas (“é, eu acho que essa palavra quer dizer isso…”).

Alguns são clássicos. Traduzem she wouldn’t say por “ela não diria”, many happy returns por “muitas voltas felizes”, congratulations por “congratulações”.

Mas anteontem vi um novo: deception por “decepção”.

Não faço idéia das condições de trabalho dos tradutores. Mas quaisquer que sejam, duvido que consigam justificar tanta bobagem.

Mais um contra os currais

Há algum tempo eu taquei um post aqui reclamando dos currais em que os departamentos de criação das agências de propaganda haviam se transformado, com todo mundo junto num salão só. O que deveria favorecer o fluxo de idéias na verdade (pelo menos para mim) havia se transformado em um nivelador. Por baixo.

Pois agora alguém finalmente se manifesta contra os currais: e esse alguém é Nizan Guanaes. Numa entrevista à Top Magazine, ele disse que isso não funciona para ele. Porque distrai, confunde.

É tão bom não ser uma voz sozinha no deserto.

O homem que se dizia chamar Waldih

Numa livraria na Rua do Ouvidor, babando incontrolavelmente sobre “Retratos da Bahia”, de Pierre Verger (fãs de Cartier Bresson Sebastião Salgado, vocês precisam conhecer a beleza ensolarada de Verger).

Ele chega e discretamente pergunta se eu não sei de um lugar onde precisem de garçom. Não, não sei; é melhor procurar em restaurantes que eles podem te indicar.

Contato feito, agora é hora de desfiar a história. Ele é desenhista. Veio para o Rio trabalhar com uma arquiteta, mas algo deu errado e ele está na rua há 3 dias. Entrou em um restaurante e pediu um prato de comida em troca de trabalho, mas o dono do restaurante disse a ele que isso é coisa de cinema.

Ele é de Recife, diz. Pergunta se sou carioca; e ao saber que sou baiano diz que o povo do Rio é muito ruim, frio, não é, quase-conterrâneo?

Ele me mostra o verso de uma carteira de identidade para mostrar que é pernambucano. O nome que consta ali é Waldih.

Ele se lamenta da sorte, diz que é uma humilhação para alguém como ele, e então dou a ele tudo o que tenho na carteira: 3 reais e algumas moedas. E então ele vai embora, grato.

Provavelmente vai embora rindo por dentro, achando que enganou outro otário.

Conheço bem o sotaque pernambucano; é o único sotaque brasileiro que acho feio, com seus “tu visse”. E o sotaque do Waldih, decididamente, não era de Pernambuco. Era sotaque do sul do país, o que inclusive combina com seu tipo físico, italiano de olhos claros.

Por outro lado, não conheço malandro que não seja documentado. Trabalhadores podem se dar ao luxo de andar sem documentos, mas malandro sempre tem uma carteira de trabalho, uma carteira de identidade, uma receita de remédio para provar que está falando a verdade. O homem que dizia se chamar Waldih tomou o cuidado de não me mostrar a foto da carteira de identidade.

Mas a verdade é que a conversa e a verve do homem que se dizia chamar Waldih valia, e bem, os 3 reais que ganhou. Assim como “Retratos da Bahia” vale os 140 reais que custa.

Steve Jobs

Já faz algum tempo que vou, de vez em quando, no blog de Steve Jobs.

Quer dizer, chamar aquilo de blog é elogio: é uma colcha de retalhos auto-elogiosas em excesso, às vezes francamente agressivas. Jobs age como se a Apple tivesse mais que seus 2 ou 3% de market share, ou no mínimo como se ele estivesse se expandindo, o que não é bem o caso. Ou como se a Apple ainda estivesse na vanguarda do desenvolvimento tecnológico, o que também não é o caso.

Mas bem ou mal o sujeito ainda é um gênio. E embora eu acredite tanto no futuro da venda de música quanto acredito no curupira, ele teve uma idéia bastante interessante.

Se bem que talvez ainda mais interessantes sejam as sugestões dadas pelos leitores.

Nossa História

Usando o slogan do Tiro e Queda, tem biscoitos finos para as massas nas bancas.

A Biblioteca Nacional lançou a “Nossa História”, uma revista sobre história brasileira. Muito boa, didática e com uma escolha apropriadíssima de temas. Melhor ainda: como é provavelmente subvencionada pela Viúva, custa apenas R$ 6,80.

Por exemplo, a matéria de capa do primeiro número é “Brasil de todos os pecadas — Sexo e transgressão nos tempos coloniais”.

Só para dar um gostinho, eis um destaque da matéria: “Alguns diziam que tinham mesmo que fornicar, pois o Diabo haveria de fornicá-los no Além, sendo necessário compensar de antemão”.

Tão formosa justificativa para a putaria jamais se viu.

Beatles again

De acordo com a Rolling Stone, estes são os 10 maiores discos da história do rock and roll.

1. The Beatles, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band
2. The Beach Boys, Pet Sounds
3. The Beatles, Revolver
4. Bob Dylan, Highway 61 Revisited
5. The Beatles, Rubber Soul
6. Marvin Gaye, What’s Going On
7. The Rolling Stones, Exile on Main Street
8. The Clash, London Calling
9. Bob Dylan, Blonde on Blonde
10. The Beatles, The Beatles (The White Album)

O engraçado é que é extremamente semelhante a todas as outras listas feitas regularmente ao longo dos anos. Eu naturalmente discordo dela: colocaria o Abbey Road no lugar do Rubber Soul. E certamente os Stones têm discos melhores que o Exile, chato apesar do que dizem. Eu prefiro o Let it Bleed.

E o que o Clash tá fazendo aí?

Rio 40 Graus

O calor que sufoca esta cidade torna o meu pescoço pegajoso de suor e leva meu humor a níveis perigosamente baixos.

Hoje não tem post, porque só consigo pensar que morar no Alaska talvez não seja tão ruim assim. Em vez disso, tem uma crônica de Rubem Braga, velha de maus bofes e esclerosada às vésperas de completar 70 anos, que traduz melhor do que o que eu poderia o que estou sentindo neste momento.

Ao respeitável público

Chegou meu dia. Todo cronista tem seu dia em que, não tendo nada a escrever, fala da falta de assunto. Chegou meu dia. Que bela tarde para não se escrever!

Esse calor que arrasa tudo; esse Carnaval que está perto, que vem aí no fim da semana; esses jornais lidos e relidos na minha mesa, sem nada interessante; esse cigarro que fumo sem prazer; essas cartas na gaveta onde ninguém me conta nada que possa me fazer mal ou bem; essa perspectiva morna do dia de amanhã; essa lembrança aborrecida do dia de ontem; outra vez, e sempre, esse calor, esse calor, esse calor…

Portanto, meu distinto leitor, minha encantadora leitora, queiram ter a fineza de retirar os olhos desta coluna. Não leiam mais. Fiquem sabendo que eu secretamente os odeio a todos; que vocês todos são pessoas aborrecidas e irritantes; que eu desejo sinceramente que todos tenham um péssimo Carnaval, uma horrível quaresma, um infelicíssimo ano de 1934, uma vida toda atrapalhada, uma morte estúpida!

Aproveitem este meu momento de sinceridade e não se iludam com o que eu disser amanhã ou depois, com a minha habitual falta de vergonha. Saibam que o desejo mais sagrado que tenho no peito é mandar vocês todos simplesmente às favas, sem delicadeza nenhuma.

Por que ousam gostar ou aborrecer o que escrevo? O que têm comigo? Acaso me conhecem, sabem alguma coisa de meus problemas, de minha vida? Então, pelo amor de Deus, desapareçam desta coluna. Este jornal tem dezenas de milhares de leitoras; por que é que, no meio de tanta gente, vocês, e só vocês, resolveram ler o que escrevo? O jornal é grande, senhorita, é imenso cavalheiro, tem crimes, tem esporte, tem política, tem cinema, tem uma infinidade de coisas. Aqui nesta coluna, eu nunca lhes direi nada, mas nada de nada, que sirva para o que quer que seja. E não direi porque não interessa; porque vocês não me agradam; porque eu os detesto.

Portanto, se a senhorita é bastante teimosa, se o cavalheiro é bastante cabeçudo para me ter lido até aqui, pensem um pouco, sejam bem-educados e dêem o fora. Eu faço votos para que todos vocês amanheçam amanhã atacados de febre amarela ou de tifo exantemático. Se houvesse micróbios que eu pudesse lhes transmitir assim, através do Jornal, pelos olhos, fiquem sabendo que hoje eu lhes mandaria as piores doenças: tracoma, por exemplo.

Mas ainda insistem? Ah, se eu pudesse escrever aqui alguns insultos e adjetivos que tenho no bico da pena! Eu lhes garanto que não são palavras nada amáveis: são dessas que ofendem toda a família. Mas não posso e não devo. Eu tenho de suportar vocês diariamente, sem descanso e sem remédio. Vocês podem virar a página, podem fugir de mim quando entenderem. Eu tenho de estar aqui todo dia, exposto à curiosidade estúpida ou à indiferença humilhante de dezenas de milhares de pessoas.

Fiquem sabendo que eu hoje tinha assunto e os recusei todos. Eu poderia, se quisesse, neste momento, escrever duzentas crônicas engraçadinhas ou tristes, boas ou imbecis, úteis ou inúteis, interessantes ou cacetes. Assunto, não falta, porque eu me acostumei a aproveitar qualquer assunto. Mas eu quero hoje precisamente falar claro a vocês todos. Eu quero, pelo menos hoje, dizer o que sinto todo dia: dizer que se eu os aborreço, vocês me aborrecem terrivelmente mais.

Amanhã eu posso voltar bonzinho, manso, jeitoso, posso falar bem de todo mundo, até do governo, até da polícia. Saibam, desde já, que eu farei isto porque sou cretino por profissão; mas que com todas as forças da alma eu desejo que vocês todos morram de erisipela ou de peste bubônica.

Até amanhã. Passem mal.