Entre a publicidade e o piano de bordel

Uma das frases de que mais gosto, título de um livro, é: “Não conte para a minha mãe que sou publicitário: ela pensa que eu sou pianista de bordel”.

Lembrei dela agora porque conheço poucas profissões que as pessoas adorem odiar tanto quanto a publicidade. O Bia diz que publicidade é merda. O AlterEgo acha que somos anti-éticos por natureza. O André Kenji diz que não servimos para nada.

O André diz que o Brasil não é um país sério porque aqui publicitários são celebridades. De acordo com essa linha, nenhum país desenvolvido é sério, porque todos têm sua cota de publicitários famosos: a Inglaterra tem, por exemplo, Charles Saatchi — um dos maiores incentivadores da arte moderna no país e motivo de minha inveja perpétua por ser casado com a Nigella Lawson, aquela delícia de cozinheira do GNT –, a França tem o Jacques Seguèla, os EUA têm mais que uma cota decente. O André se pergunta qual a utilidade real de um publicitário.

Bem, basicamente, publicidade ajuda o capitalismo a ser melhor, mais competitivo. Ajuda você a saber quais escolhas tem à sua disposição, garante uma das poucas liberdades reais que qualquer ser humano tem: o direito de decidir o que quer. Não é coincidência que um país sem liberdade individual não tem boa publicidade, sem exceções: tem propaganda, geralmente ruim, mas não publicidade.

O André faz ainda uma pergunta simples: em que um publicitário ajuda a vida de seu semelhante?

Pergunta interessante. Em primeiro lugar, publicidade não é assistência social e ajudar o próximo não é, exatamente, sua grande prioridade. Não vou levar em conta propaganda de causas humanitárias nem o fato de que ajuda empresários a ficar ricos, porque empresários nunca são os próximos de ninguém; e alegar que, bem feita, ajuda a criar empregos é demagogia.

Isso implica no ponto que acho mais falho, por exemplo, no argumento do Alter: publicidade é provavelmente uma das coisas mais intrinsecamente honestas que se pode fazer.

Um médico que monta sua clínica para ficar rico e pagar com juros aqueles anos de sacrifício na faculdade diz que está fazendo isso pelo bem da humanidade; um jornalista que veicula notícias de seu interesse diz que é seu dever informar o público; um advogado que recebe uma bolada para defender um monstro pode dizer que é nessas horas que um advogado é mais necessário.

Enquanto isso nós, publicitários, sonhamos mesmo é em ficar ricos, fazer a melhor propaganda possível com a verba disponível, se possível ganhar uns premiozinhos em Cannes e comer as modelos dos nossos comerciais. Nós somos pessoas muito simples. Temos muitos anseios filosóficos, não.

Você sabe que estamos dizendo o que nos pagaram para dizer. Sabe que o nosso objetivo é lhe convencer a comprar o produto ou serviço que estamos anunciando. Temos a obrigação de não mentir, não somente em virtude de códigos de auto-regulamentação e leis, mas porque dizer que um produto faz o que não faz é a melhor maneira de enviá-lo ao cemitério — e eu já posso ver aquela modette se afastando.

(O Alter diz que é aí que está a falta de ética da nossa profissão, não apresentar o panorama completo e as outras opções, como se alguém com juízo fosse pagar para anunciar os produtos dos outros. Então tá. Mas quando você está atrás de um guapo rapaz ou de uma mui formosa dama, você faz questão de dizer que acorda de mau humor, que tem crises periódicas de flatulência, que seu pinto é pequeno e que sua TPM a transforma em uma assassina em potencial?)

Agora um depoimento pessoal. Sou publicitário porque, como já disse antes, a outra coisa que sei fazer bem ainda é considerada ilegal neste país, ou pelo menos imoral. Além do mais, desgraçadamente não sei tocar piano, e nem essa desculpa para a minha pobre mãe eu posso dar. Mas de vez em quando me pego pensando que ser pianista em um puteiro, afinal, pode ser uma alternativa bem agradável.

6 thoughts on “Entre a publicidade e o piano de bordel

  1. Aquilo que eu escrevi sobre publicitários não era sério, somente alguns arrotos intelectuais numa tarde de gripe. Afinal, professores de arte também não servme para nada. 😉

  2. Devo imaginar que existam quintas intenções nesta sua “alternativa agradável”…rs
    Pois imaginar Vc lá,tocando piano e assistindo os outros se dando bem,foge à minha compreensão.

  3. recomendo o filme “como fazer carreira em publicidade”, ou algo assim… um filme em que começa a nascer um outro cara no pescoço do publicitário. tá ali o que eu acho!

  4. Salve Rafael! Taí, nunca pensei na profissão de publicitário como algo do que se envergonhar. Para dizer a verdade, todo mundo (o médico, o advogado, o professor, etc.) trabalham porque disso depende a própria sobrevivência. Algumas profissões podem exibir uma “aura” humanitária, mas fica difícil definir até onde essa pretensão pode ser verdadeira ou apenas uma estratégia de marketing. Se a publicidade ocupa tanto espaço hoje, é porque de certa forma ela atende a algum tipo de necessidade social. Talvez porque a publicidade alimente nas pessoas comuns a falsa ilusão de que, ao usar o produto tal elas não sejam tão comuns assim. Todos nós queremos acreditar que a vida pode ser mais glamourosa do que realmente é. O publicitário que reduz a própria profissão à fantasia de comer modelos de comercial, prêmios em Cannes e coberturas milionárias tenta dourar a sua realidade profissional do mesmo modo que o ginecologista, que um dia acreditou que no seu consultório só entrariam afrodites.

  5. Onde posso encontrar esse livro, sou de portugal!

    “Não conte para a minha mãe que sou publicitário: ela pensa que eu sou pianista de bordel”

    obrigado !

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