Racismo

Num dos meus primeiros dias na quarta série, eu e dois amigos, um branco e um negro, tínhamos impedido um menino de bater em outro. Na verdade, eles estavam brincando e a gente entendeu errado, mas isso não importa. Eu estava saindo da escola quando a mãe ou avó dele me parou e reclamou comigo. Além das pequenas ameaças, disse que um menino como eu não deveria andar com aqueles crioulinhos.

Em sua imbecilidade, ela me tomou por duas coisas que não sou. Olhou para mim, na época lourinho, com cara de menino bem criado e morador da Graça, e achou que estava diante de um pseudo-caucasiano racista como ela.

Fiquei chocado com aquilo. Foi a primeira vez que vi um racista assumido em minha vida, e não consegui esquecer até hoje. E se em Salvador era assim, eu imaginava como seria em outros lugares.

Mas esse nojo de qualquer tipo de racismo não é tão forte quanto pode parecer.

Um tio meu é um belo negão de quase 2 metros de altura. Num belo dia de 1985, provavelmente um daqueles em que a gente se dedicava a encher o saco um do outro, ele resolveu apelar para o fato de eu ser um pobre brasileiro confinado aos limites nacionais: “Eu fui para tal país, você não, tal país, você não, tal país, você não” — era uma lista enorme. Eu ouvi calado. Quando a lista dele se esgotou, eu aproveitei: “Pois é. Mas tem um país aonde eu posso ir e você não: a África do Sul.”

Às vezes o racismo dos outros pode ser útil.

4 thoughts on “Racismo

  1. Olá, semana passada o Alexandre Cruz Almeida tocou nesse tema de racismos no blog dele, ele falou de um ex-chefe americano dele que tinha orgulho de ser negro e não admitia o fato de que no Brasil era considerado branco. Muito engraçada essa questão de como nos vemos e como somos vistos pelo grupo. Contei uma história muito boa de um amigo meu “mulato” que achava que era branco e, ainda por cima, era racista.

    Segue a mesma história para você:

    Lembrei de uma história que aconteceu com dois amigos meus nos tempos de colégio. Ambos eram igualmente o que se chamaria de mulato, tinham exatamente o mesmo tom de pele e cabelos crespos. Só que um deles tinha pais que eram tão negros quanto seu ex-chefe, ou seja, eram mais claros que ele e eram ricos. Por causa disso ele se sentia no direito de chamar o outro de negrinho. Um dia, estávamos sentados no teatro do colégio aguardando o início de uma cerimônia. Todos os alunos e professores presentes. O colega que era vítima das brincadeiras chegou atrasado e entrou pela frente, passando onde estávamos sentados, imediatamente foi chamado de “negrinho” em tom de gozação. Só que dessa vez ele reagiu gritando: “Você também é negrinho! Sabia?!” Não preciso nem dizer que ambos foram suspensos, mas, nunca esqueci a cara de espanto do meu colega ao, finalmente, descobrir que também era negro.

    Abraço,
    Roger

  2. Salve Rafael! Conheci seu blog através do Alexandre, gostei muito do que vi e principalmente do seu texto sobre a polêmica em torno da Mesquita na Espanha, por isso estou de volta. Esse seu post sobre racismo tá bem legal, eu não sou um profundo conhecedor da Bahia, passei por Salvador, Morro de SP, Porto Seguro, esses lugares de turista. E ao contrário do que eu imaginava eu senti uma certa tensão racial nesses lugares diferente do que conheço do resto do Brasil, essa sensação me fez pensar sobre o porquê disso. Acho que o fato de os negros bahianos serem mais organizados e “conscientes” de sua condição, e por isso mais assumidamente negros que em outros lugares, cria uma linha divisória na cidade, principalmente em Salvador. Ao contrário de outras cidades brasileiras aonde faz-se de conta que a diferença de cor não importa, em Salvador isso importa sim e parece que incomoda. O que você acha?

  3. Felizmente ele hoje poderia visitar a África do Sul não é Rafael? Eu mesmo não sendo negro nunca teria ido lá quando rolava o Apartheid.

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