Clichy

De vez em quando fico pensando que, algum dia, quando estiver cansado de rodar bolsinha, eu gostaria de abrir um sebo. Deve ser um modo agradável de ganhar a vida; pelo menos seria para mim. A calma, a tranqüilidade, o trabalho agradável de avaliar livros não como literatura, mas como objetos me deixaria feliz, acho. Sebos me interessam bem mais que livrarias.

Ainda mais porque tenho a impressão de que a maioria dos livreiros não conhece bem o material que têm nas mãos. Costumam confundir livros velhos com livros antigos, e há uma grande diferença nisso. Parecem cobrar mais por livros com capas mais bonitas. E no entanto, perdem oportunidades únicas.

O grande problema é que é nessas oportunidades que está o meu grande defeito, manifestado de forma diversa dos deles, aquele que faz desdenhar dessa perspectiva de futuro como absolutamente impraticável.

Há alguns meses eu estava em um sebo de Niterói. Depois que conheço o acervo de um sebo, costumo olhar principalmente a parte da frente, onde sempre se pode encontrar livros decentes por preços como um, dois reais. Era ali que eu estava, tentando ver se entre aquele monte desorganizado de pocket books havia algum policial que valesse a pena comprar.

Foi quando vi um livro chamado Quiet Days in Clichy. Peguei e procurei o nome de seu autor: Henry Miller.

Não sou fã de Miller. Tenho uns dois ou três livros dele, se tanto. Longe de ser meu escritor favorito. Mas aquele livro parecia interessante, mesmo que eu não o conhecesse.

Abri o livro e havia algumas pranchas com belas fotografias. Era uma edição bem cuidada, papel excelente, apesar de o livro estar um pouco baqueado. Fiquei curioso e procurei as informações editoriais.

O livro tinha sido publicado em 1957, acho, pela Olympia Press, de Paris. E dizia ser “a first and original edition“.

O fato de ser publicado por uma editora francesa me interessou. Era do tempo em que Miller estava banido dos Estados Unidos. Não confiei muito na informação sobre a edição, mas pelo preço — 3 reais — eu podia muito bem me arriscar. Comprei o livro e, quando cheguei em casa, corri para o computador em busca de informações sobre ele.

Aquela era mesmo uma primeira edição legítima, e seu preço está cotado em torno de 1,500 dólares. Meu exemplar deve valer bem menos, porque não está nas mais perfeitas condições. Mas ainda vale, e bem, uns 800 dólares. Pelo menos é um pouco mais que o dólar que me custou.

Enquanto isso, o mesmo sebo — onde depois comprei por bem mais que isso um livro ruim dos Beatles, por ter sido o primeiro livro sobre eles que comprei na vida e tinha perdido — cobra preços altíssimos por exemplares que mal valem o papel em que foram impressos. Isso acontece — geralmente em menor grau de gravidade — com praticamente todos os sebos que conheci.

Meu exemplar de Quiet Days in Clichy está no Rio, enroladinho em plástico. Vale um bom dinheiro, mas é justamente aí que reside a minha grande incompetência, aquela que me tira do horizonte a possibilidade de deixar o trottoir de uma vez e finalmente me estabelecer em um lugar qualquer, levando a vida pacata dos pequenos comerciantes: eu não pretendo vendê-lo, porque o orgulho de ter um livro que custa 1,500 dólares vale muito mais que isso. E isso não se pode explicar, muito menos evitar.

7 thoughts on “Clichy

  1. que texto bonito…
    “abri o livro e havia algumas pranchas com belas fotografias.”
    uma vez abri um livro e, pelas belas fotografias, resolvi ler. o melhor é que não me decepcionei. a perda do encanto com um livro com fotografias daquelas é muito triste.

    “Meu exemplar de Quiet Days in Clichy está no Rio, enroladinho em plástico. Vale um bom dinheiro, mas é justamente aí que reside a minha grande incompetência, aquela que me tira do horizonte a possibilidade de deixar o trottoir de uma vez e finalmente me estabelecer em um lugar qualquer, levando a vida pacata dos pequenos comerciantes: eu não pretendo vendê-lo, porque o orgulho de ter um livro que custa 1,500 dólares vale muito mais que isso. E isso não se pode explicar, muito menos evitar.”

    ainda bem.

  2. Esquisita essa mania de guardarmos certos objetos. Tinha compulsão por guardar bagulho, até que decidi tornar minha vida mais simples e hoje avalio a real necessidade dos objetos, mas é óbvio que eu também guardo alguns objetos pelo puro prazer de tê-los. Um tempo acreditava que tudo o que eu precisava era de uma mochila…
    Ciao.

  3. O pior que pode acontecer a quem roda a bolsa é a paixão pelo cafetão, que tira tudo e só deixa as ilusòes. Teu cafetão são os livros. É o amor que nunca seca.

  4. Miller é meu preferido e li tudo dele – menos o quiet days que parece não ter saído no brasil. Vi o filme recentemente, do Chabrol – mas não é GRANDES COISA. O meu preferido do TARADO é “Um Diabo no Paraíso”, fininho, de edição única no Brasil e eu tenho um exemplar – que tá emprestado, foi bom me lembrar. Mas tenho também a primeira edição no Brasil de “A Sangue Frio”, do Capote, que saiu pela Abril. Mas deve ter TROCENTOS no mercado…

  5. Olá

    Tenho um livro antigo que gostaria de vender,ele está em inglês.

    VEM EM UMA CAPA DURA ,E SE ENCAIXA EM OUTRA CAPA COMO UMA CAIXA.

    O LIVRO É.

    THE KASIDAH OF HAJI ABDU , BY SIR RICHARD BURTON AND DECORATED BY VERA BOCK

    THE PETER PAUPER PRESS

    VIENNA,NOV. 1880

    THIS EDITION OF THE KASIDAH OR DISTICHS OF HAJI ABDU HAS BEEN SET IN THE BASKERVILLE ITALICS AND PRINTED ON ARCHER AND VICTORIAN PAPERS.THE ENGRAVINGS HAVE BEEN MADE FROM MISS BOCK`S DRAWINGS BY THE STODDARD ENGRAVING CORPORATION.

  6. Lindo o seu texto! Mas acredite que fazer dos livros a sua profissâo, nâo é assim tant o reposante como imafina, numa sociedade em plena mutaçâo.

    Tenho imensos livros antigos em minha casa, alguns deles bem raros que se cola à pele… và la saber porquê?

    Gostaria de conhecer o valor dos mesmos mas nâo sei como.

    Serà que me pose informar dum site ou serviço que me possa ajudar?

    Ah: é verdade… Vivo na cidade onde Miller escreveu o livro de que nos fala.

    Um abraço!

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