Crime e Castigo

Eu comprei “Crime e Castigo” junto com outro livro de que tinha ouvido falar muito, “O Apanhador no Campo de Centeio”. Um sebo de Salvador, a Livraria Brandão, famosa por seu acervo e pelos preços absurdos que cobra.

Levei os dois livros para a agência e lá mesmo li “O Apanhador”. Bobagem, pura bobagem. Continuei sem compreender o que aquele livro tinha para ser tão admirado pela geração que eu adorava. Eu tinha 18 anos, idade em que teoricamente se é mais sensível ao que o livro diz. Eu devia ser um insensível. Caulfield era só um menino mimado metido a engraçadinho. Se tivesse estudado na minha escola tinha levado muita porrada para deixar de ser besta.

Aí comecei a ler “Crime e Castigo”.

Vários posts, em vários blogs, já falaram com mais propriedade sobre o espírito do livro. Eu li há tanto tempo, e já estou tão atrasado em meu post, que dificilmente escreveria algo que ninguém escreveu.

Mas tem uma coisa de que não esqueço.

À medida que eu ia me aproximando do assassinato da velha usurária, minha respiração ia ficando mais difícil. Meus olhos ficavam mais abertos. A boca caía, espantada, como se eu não acreditasse que aquilo era possível, que alguém pudesse escrever daquele jeito.

Eu nunca tinha visto uma cena como aquela. Nunca.

Que se discutam as idéias, os temas, o final insosso e reacionário do livro. Nada disso é capaz de obscurecer o brilho com que aquela cena foi escrita. E no final das contas é isso que faz um romance, não necessariamente as idéias que ele defende.

O tempo passou e Dostoiévski foi desbancado do posto de meu escritor favorito por um francês que escrevia movido a café para escapar das dívidas que sua megalomania lhe trazia. Muitos, muitos livros foram lidos depois dele. Mas nunca, em todos esses anos, eu me vi boquiaberto diante de uma cena como a do assassinato da velha usurária.

13 thoughts on “Crime e Castigo

  1. Nossa, que coincidência! Olá Galvão, certamente você não me conhece, venho lendo seu blog regularmente já há dois meses e confesso que virei leitor assíduo, pois gosto muito do que e de como você escreve, já que tenho eu cá minhas pretenções literárias. Assim, minha admiração se mistura com um pouco de inverja pelo seu telendo e erudição. Agora que já me apresentei vou falar da coincidêcia. É que estou justamente agora lendo Crime e Castigo pela primeira vez e estou fascinado pelo livro. Ainda não terminei, mas já posso dizer qual é minha passagem favorita até então. Não é o assassinato da velha, que realmente é muito bom, mas acho que o Fiodor se supera, pelo menos para mim, no trecho em que ele conta a morte do Marmieládov diante da família, especialmente Sonia, que é prostituta. Não sei se você é do tipo que acha isso frescura, mas eu tive de me esforçar para não chorar nesse trecho (estava no ônibus). Fiquei bastante emocionado com esse trecho que é, até agora, um dos melhores que já li. É isso. Um abraço.

  2. o trecho da acusação (“assassino!”) no passeio público é o melhor.

    quanto ao apanhador… meu… cara… bicho… é como elvis ou os beatles: 50 milhões de fãs não podem estar errados, véi. vc leu com 18 anos e o livro não bateu? virge!

  3. fiquei emocionada só de ouvir você descrevendo como se sentiu.Adoro me sentir assim quando leio, ainda que a história não seja a melhor e o autor seja muito criticado.
    Também ouvi mto falar do “Apanhador no campo de centeio”…achei q deveria ser um bom livro…
    …Vc conhece “Pergunte ao pó”?é que li um trecho e fiquei interessada mas ainda não li o livro….

  4. Livro doutrinário com final reacionário; mas tem passagens memoráveis, que faz dele um dos livros que mais gosto; minha passagem favorita é a da acusação no passeio público. Tava tão envolvido na leitura que parecia que eu matara a velha e “o operário efeminado” tava chamando de assassino a mim. O livro me capturou na passagem do sonho na praça, com a morte do cavalo. E além da morte da velha, os diálogos com o detetive são os pontos altos do livro.

  5. Biajoni, não li O Apanhador, mas acho que 50 milhões de fãs podem tar errados sim. Por que não? Os exemplos óbvios que me ocorrem são O Mundo de Sofia, Harry Potter, Stephen King e Paulo Coelho.

  6. eri: leia o livro, leia sim… o rafa não gostou, tudo bem, ele também não gosta de lou reed!
    ;>)
    ismael: existe uma diferença ENORME entre ser fã do APANHADOR e ser fã de qualquer produto cultural apoiado no marketing e no fenômeno momentâneo… mas é o que eu falei pro eri: leia, por favor! aí você me fala!

  7. isamel, livro doutrinário com final reacionário é descrição que cabe como uma luva ao apanhador no campo de centeio… quando li rapido, achei que estava falando dele… ô livro mais conformista, sô!

  8. Biajoni, caí nesse blog justamente porque tava procurando mais coisas sobre O Apanhador…. fazia tempo que eu não lia nada que eu gostasse tanto! Resolvi escrever pra defender um autor de primeira. Num primeiro momento a gente pode até achar o livro um pouco “besta”, mas identifico no livro a passagem dos sonhos de adolescente para a realidade adulta! Terminei de ler o livro e queria ler mais! O engraçado é que na mesma semana assisti uma peça do Dostoiévski e aqui estou, num blog onde se discuti dois escritores que me fascinaram!!!!!
    PARA QUEM NÃO LEU O APANHADOR VAI A DICA: LEIAM! A LEITURA É TÃO RÁPIDA, QUE NÃO PODEM CRITICAR SEM AO MENOS TER LIDO!!!!!

  9. “Levei os dois livros para a agência e lá mesmo li “O Apanhador”. Bobagem, pura bobagem. Continuei sem compreender o que aquele livro tinha para ser tão admirado pela geração que eu adorava. Eu tinha 18 anos, idade em que teoricamente se é mais sensível ao que o livro diz. Eu devia ser um insensível. Caulfield era só um menino mimado metido a engraçadinho. Se tivesse estudado na minha escola tinha levado muita porrada para deixar de ser besta.”

    Uma coisa é você não ser capaz de compreender o porquê de o livro ser considerado um clássico. Uma outra coisa muito distinta é ele SÊ-LO e você achar-se capaz de julgá-lo de outra forma.

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