Mme. Bovary n'est pas moi

Ainda estou maravilhado com os comentários ao post sobre a vingança da Legião de Onan.

Os dois foram escritos para uma mesma pessoa específica, que inclusive sabe disso e deixou comentários.

Ou seja: era um caso real. Mais que uma opinião, era uma observação de um fenômeno que me parece cada vez mais comum. Isso não significa, claro, que se aplique a todo mundo. Mas os comentários me deixaram com uma certa dúvida.

Mesmo que os dois posts tenham deixado claro que era uma generalização e, como tal, absolutamente imprecisa se aplicada à totalidade das mulheres, choveram comentários femininos revoltados. E o conteúdo da maioria deles foi curioso: não negaram que mulheres assim existem. Em vez disso, basicamente, fizeram um esforço para deixar claro que elas não eram assim.

É uma das razões pelo qual o segundo post (que seria republicado de qualquer forma, mas teve sua publicação adiantada porque, como adivinhou o Donizetti, eu não poderia deixar de colocar um pouquinho mais de lenha na fogueira) foi muito menos comentado. As pessoas simplesmente não se reconheceram nele. E no entanto é apenas outra face da mesma moeda. Mas elas não se reconheceram adolescentes, e então o post passou em brancas nuvens.

O fato é que não entendo direito como se pode negar a primeira e não negar a segunda, já que elas são a mesma pessoa.

Fiquei imaginado a mulherada lendo “Madame Bovary”, quando foi publicado, e reclamando: “Nós não somos assim!”, embora secretamente continuasse a sonhar com um Léon e, às vezes, caindo nas garras de um Rodolphe. Ou lendo “Um Estudo de Mulher”, de Balzac, e o acusando de machista e preconceituoso, ou chamando o pobre Bianchon de frustrado.

Por exemplo, a Daniela Silva, que ultimamente tem pulado de caixa de comentário em caixa de comentário em uma cruzada feminista bastante barulhenta, viu nos comentários um arraso completo deste pobre blogueiro, como se uma alcatéia estivesse mordendo meus calcanhares, e me deu condolências pela minha adolescência. Obrigado, mas eu já disse algumas vezes aqui: a minha adolescência foi muito boa. Talvez o fato de ter começado a trabalhar cedo e ser liderança estudantil durante boa parte daqueles anos tenha quebrado um grande galho. Não sei. Isso não está em questão. Mas a vontade de “vingança” das feministas mais agoniadas é tão grande que as pessoas, às vezes, perdem a noção real do texto e se congratulam com quimeras que julgam ver. Porque algumas pessoas se identificaram com o texto, eu teria que me identificar também.

O comentário mais sensato foi o do Ricardo Antunes da Costa, provavelmente pouco interessado em fazer de posts cavalos de batalha em função de crenças, e vendo as coisas com um distanciamento sábio que seria recomendável para todos.

No fim das contas, e explicações desnecessárias à parte, o fato é que raras vezes ri tanto com um conjunto de comentários como ri agora.

E a razão é uma só.

Eu nunca vi tanta gente passando recibo.

(Mas se mesmo assim a revolta continuar grande, a Ninfeta do Demônio está fazendo uma boa promoção.)

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Ontem este blog começou a veicular anúncios do Google AdSense. A intenção é fazer com que os visitantes via mecanismos de busca, que compõem uma parte expressiva dos visitantes e portanto consomem boa parte da largura de banda disponível, ajudem a pagar os custos de hospedagem.

Por isso, os anúncios só serão veiculados nos arquivos individuais. É uma maneira simples de evitar que os anúncios incomodem os leitores do blog, e dará mais relevância ao que for veiculado.

Excedentes eventuais, nos quais não acredito muito mas que, se aparecerem, serão bem vindos, serão usados para atacar feministas, rir de direitistas, desrespeitar católicos e ofender defensores dos animais.

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Alguém que entenda de Movable Type e de HTML pode me dar uma mãozinha na redefinição dos templates deste blog?

As Adolescentes de Trinta

Quando Balzac publicou “A Mulher de 30 Anos”, um livro de resto absolutamente medíocre, alguém disse que ele deu uma sobrevida amorosa às mulheres, numa época em que era comum se casarem aos 15 anos. Mas se Honoré fosse vivo hoje, teria que escrever outro livro: “A Adolescente de 30 Anos”.

De uns anos para cá as revistas, quando lhes falta assunto, falam do novo homem, da crise por que eles passam. (Falo eles porque ainda sou do tipo antigo; defendo veementemente o direito feminino de ir às ruas lutar pelos seus direitos, desde que deixem minha comida pronta.)

O que as revistas parecem não notar é a crise por que passam tantas mulheres nos primeiros anos do século XXI. Com exceções, uma mulher que chega aos 30 anos solteira começa a sentir um desespero inexplicável, uma espécie de revival da histeria do final da era vitoriana diagnosticada por Freud. É como se sentissem incompletas, como se lhes faltasse algo. A conta que fazem de suas vidas precisa de um fator que nem sempre está lá.

Esse fator é um homem.

São adolescentes aos 30 anos. Não percebem, mas têm o mesmo jeito de olhar a vida que tinham aos 17, como se não houvesse passado tanta água sob a ponte. Sem querer ser cruel, é como se o fato de amadurecerem emocionalmente antes dos homens implicasse uma estagnação depois disso. Chegam primeiro à adolescência e demoram a sair dela — muitas vezes direto para a velhice. Algumas, sem perceber, continuam fazendo aos 30 as mesmas exigências em relação aos seus parceiros que faziam quando ainda estavam na escola e alimentavam paixões imortais pelos garotos mais populares. Mudam apenas detalhes; já não querem um atleta, e sim um sujeito capaz de dividir os encargos da vida com elas ou, mais comumente, alguém “emocionalmente estável” [infelizmente, em 32 anos de vida ainda não vi ninguém emocionalmente estável de verdade, apenas instáveis em repouso]).

O resultado é apenas mais solidão. “Nossa, ela acha que vai encontrar homem na night!”, me disse uma das adolescentes. Enquanto isso, no trabalho não há homens interessantes, e os poucos que há são casados; sempre são. Por um processo de exclusão, vão eliminando todas as possibilidades de encontrarem alguém. Não importa o desespero: elas continuam criando para si torres de Rapunzel absolutamente intransponíveis.

Elas não se parecem se sentir à vontade em seus papéis. Para boa parte delas, a obrigação de independência parece um fardo insuportável a ser carregado. Se os homens foram achacados nas últimas décadas, com a obrigação de mostrarem sentimentos de forma feminina, as mulheres ainda tentam se acostumar a um mundo que deu uma certa igualdade a elas.

Alguém deveria dizer a essas moças umas coisas básicas, que elas deveriam saber.

Por exemplo, que todo o seu relacionamento com o sexo oposto é baseado em códigos que elas definem na adolescência. Muitos adolescentes do sexo masculino labutam anos infrutíferos até descobrirem esses códigos (sem contar, claro, os afortunados que os conhecem instintivamente). Mas depois que descobrem, o jogo acaba. Vira uma brincadeira, em que é necessário dizer apenas a coisa certa na hora certa. (Certo, estou simplificando e há muitas outras filigranas; mas estas são as linhas gerais, e são suficientes para um post em um weblog). Daí tantas mulheres infelizes, que não compreendem ou aceitam o simples fatos de existirem tempos e interesses diferentes entre duas pessoas.

De certa forma, as Adolescentes de Trinta criam seus cafajestes. Depois não sabem lidar com eles, porque ao criarem seu Frankenstein, achavam estar criando o novo Adão. E esqueceram que, entre Eva e Adão, havia uma serpente oferecendo uma maçã.

Originalmente publicado em 14 de novembro de 2003.

Karate Kid

Assisti na TV, há algum tempo, a Karate Kid II, um filme extremamente bobo e de que não gosto nem um pouco.

Mas como até nas piores ostras pode-se encontrar uma pérola, perto do final há uma cena interessante. A mocinha do filme, apaixonada pelo Karate Kid e sabendo que ele vai embora, resolve fazer a cerimônia do chá. No filme essa cerimônia é descrita como uma coisa que se faz quando um casal se apaixona, o que é uma deturpação deslavada. Mas tudo bem, isso não importa.

A cerimônia do chá é um belíssimo ritual, como é quase tudo que diz respeito às relações pessoais de qualquer tipo no Japão, pontuado pela rigidez de procedimentos e respeito às tradições e convenções.

O filme é da era Reagan. Se você acha que o governo Bush é retrógrado é porque não pegou esse tempo; o de Bush é só mais burro e mais inescrupuloso. Os anos 80, nos EUA, viram uma espécie de reação puritana à revolução sexual de 20 anos antes. Por exemplo, eles tinham a mania de distribuir evangelhos em motéis (sempre imaginei a grande utilidade desses livrinhos para um sujeito como o Marlon Brando de “O Último Tango em Paris”, mas não conte isso a eles). Havia uma campanha pela castidade a qualquer preço, “don’t get aroused“, essas coisas.

E então comecei a pensar que, afinal de contas, Karate Kid podia não ser um filme tão ruim assim. Que lindo, que típico de sua época: a substituição do velho, sujo e vil sexo extra-marital por um ritual puro, rígido e sublime que tem maior significado espiritual do que a mera troca de fluidos corporais e eventuais palavras obscenas, essa coisa do Diabo. Karate Kid usava uma metáfora interessante para definir a moral de sua época.

De repente o filme tinha mais profundidade do que a carinha de bebê de Ralph Macchio fazia supor.

Mas aí, encerrada a cerimônia do chá, vem o gesto simbólico e clichê: ela solta os cabelos, num sorriso convidativo e purificado pelo compromisso assumido pelos gestos sincronizados dos dois.

Ah, não. É sacanagem. Não dá para ser feliz desse jeito.

Menos ainda porque exatamente quando o Ralph Macchio, que consegue a proeza de ser mais bobo do que eu, entende o recado e se anima a provar que apesar de todas as aparências ele ainda tem um tiquinho de testosterona naquele corpo raquítico, cai uma tempestade e eles têm que ir embora.

De promessa de metáfora até inteligente de sua época o filme volta ao seu amontoado de clichês, e eu volto à sensação de que fui feito de bobo.

Eu juro: nunca mais penso quando estiver vendo um filme.

Originalmente publicado em 31 de agosto de 2003.

A vingança da Legião de Onan

Para que um homem tenha realmente dificuldades em arranjar mulher, ele precisa ser o infeliz dono de uma combinação perversa: adolescente, sem dinheiro e sem um lugar aonde levá-las. Se não tiver uma dessas variáveis, ele tem grandes chances de se dar bem regularmente.

Isso, claro, lembra a todos nós os péssimos tempos da adolescência, em que normalmente somos obrigados a nos voltar para soluções, digamos, pouco ortodoxas para resolver o problema da carência sexual. Essa fase negra costuma passar a partir do momento em que chegamos à casa dos 20; até lá é um martírio comparável ao de Tântalo, que só o otimismo crônico e ignorante da adolescência consegue fazer suportável.

Mas hoje percebi que todos nós, adolescentes um dia alistados na Legião de Onan, como a batizou Luís Fernando Veríssimo, temos um bom motivo para nos considerar vingados.

A nossa via crucis começa e termina na adolescência, e passamos por ela com mãos calejadas, espinhas na cara e cheiro de perfume barato, de preferência Avon ou comprado naqueles catálogos da Hermes, que nos impregnam a partir das empregadas domésticas que encoxamos nas escadas, nas ruas escuras e debaixo das árvores. Mas a redenção chega assim que passamos a ter um mínimo de experiência e segurança.

E é justamente então que o calvário feminino começa.

Olhe à sua volta. Você vai ver o número cada vez maior de mulheres em torno dos 30, cada vez mais ansiosas e preocupadas porque acham que “não há mais homem no mundo”. Para elas, metade não presta. Outra parte está casada. E o resto tem preferências sexuais ainda mais heterodoxas que as dos adolescentes.

Se — generalizando e correndo o risco inerente a qualquer generalização — uma mulher não está casada ao se aproximar dos 30 anos, a percepção de que suas chances de estabilização diminuem a cada novo dia, a cada nova ruga, a cada aproximação dos seios em direção à terra, a cada nova protuberância de celulite a deixa completamente angustiada.

O pior é que, à medida que o tempo passa, a angústia vai aumentando. Além do que dizem ser a escassez masculina, elas ainda continuam escolhendo bastante — esse não dá porque é baixinho, esse não tem futuro, esse… E, paradoxalmente, quando escolhem, muitas vezes escolhem errado. O resultado é o aumento da descrença no sexo oposto, que infelizmente cresce no mesmo ritmo que a certeza de que é impossível viver sem eles.

Não sei se a miséria do gênero feminino, e sua progressiva vulnerabilidade, é propriamente uma vingança; é algo que não dá para racionalizar. Mas, lá dentro, aquele adolescente com marcas de batom vagabundo no pescoço e os dedos calejados pelas acrobacias sob incontáveis sutiãs dá uma risadinha cruel e satisfeita.

Originalmente publicado em 17 de agosto de 2003

Casablanca

Eu gosto de cinema. Gosto muito.

Mas acho que gosto mais ainda de “Casablanca”.

“Casablanca” nunca liderou aquela lista inglesa de 10 melhores filmes da história (essa lista foi encabeçada por “Encouraçado Potemkim” até 1961, e depois disso por “Cidadão Kane”). Ele é, acima de tudo, um exemplo da maestria no artesanato própria de Hollywood nos anos 30 e 40.

A produção foi complicada. Ronald Reagan tentou conseguir o papel de Rick Blaine. O filme foi sendo escrito e reescrito à medida que ia sendo gravado. Os diálogos foram refeitos inúmeras vezes.

O resultado, por mais caótica que tenha sido sua produção, é um dos filmes mais idolatrados da história. Provavelmente porque, acima de tudo, “Casablanca” é um filme de roteiristas. Tudo bem que o diretor Michael Curtiz é ótimo, que os atores (Bogart, Ingrid Bergman, Claude Rains, Peter Lorre e até mesmo Paul Henreid) são ótimos — mas o que conta mesmo neste filme são os diálogos e o enredo. Com exceção de Shakespeare e da Bíblia, nada é tão citado no cinema quanto “Casablanca”. “We’ll always have Paris“, “Round up the usual suspects“, “Here’s looking at you, kid“, “Play it, Sam“, e tantas outras, são frases que fazem parte do imaginário cinematográfico. As cenas finais ficariam implausíveis em qualquer outro filme, mas em “Casablanca” são críveis e as únicas possíveis. De que interessam os problemas de três pessoas em um mundo louco sob sua maior crise mundial? Aquele diálogo é clássico, e é brilhante.

Mesmo atores que fazem papéis pequenos, como Peter Lorre e seu Ugarte, têm participações definitivas no filme. A cena em que Lorre pergunta a Bogart se ele o despreza (“Se eu pensasse em você, provavelmente desprezaria” é a resposta) é uma das melhores da história do cinema. E provavelmente a minha preferida.

O que faz de “Casablanca” um clássico é o brilho como a trama é conduzida. Todas as cartas estão na mesa, todos sabem qual o próximo movimento, mas ninguém pode fazer nada para impedir o curso da história, num determinismo quase marxista. Não há mistério nas situações. Há suspense apenas nos rumos que os corações dos principais personagens seguirão.

São todos personagens em conflito. Rick é um homem amargurado pela perda de seu grande amor, e que voltou as costas aos seus ideais. Ilsa é uma mulher dividida entre o seu dever — e a admiração platônica por um grande homem — e a grande paixão de sua vida. Renault é um hedonista corrupto que tenta tirar o maior proveito possível de uma guerra que lhe importa pouco, embora se possa suspeitar que embaixo de todo aquele cinismo bata ainda um velho e orgulhoso coração gaulês.

São esses personagens que encontram sua redenção em Casablanca. Antes que o filme acabe, Rick tem de volta seus ideais e a lembrança de uma atitude altruísta e nobre. Ilsa descobre o seu lugar no mundo, e sabe que sempre terá Paris para se lembrar, quando olhar para o lado e vir aquele chato do Laszlo roncando. Laszlo, provavelmente, será mais tarde um burocrata tcheco e um dos responsáveis pela repressão à Primavera de Praga. Renault, na que eu considero a decisão mais difícil de todo o filme, abdica da boa vida em Casablanca para honrar seu orgulho francês e entrar na Resistência. E Ugarte… Bem, Ugarte continua morto.

“Casablanca” é um filme de amor, claro, e é assim que ele é visto em primeiro lugar. Mas, para mim, é principalmente um filme sobre redenção, sobre um acerto de contas com o passado e a definição de novas perspectivas para o futuro.

É isso que faz de “Casablanca” um grande filme, algo mágico. Ao contrário de clássicos como “Outubro”, de Eisenstein, em que é muito fácil explicar as razões pelas quais os admiramos, “Casablanca” requer um pouco mais que isso. Mas quem disse que é fácil explicar por que você se apaixonou por determinada pessoa?

Originalmente publicado em 17 de julho de 2003.

Quando os mortos são os outros

Nada, absolutamente nada justifica atentados como os de Madri. Não há discussão possível. Terroristas são assassinos e são a escória da humanidade.

Mas o que será que justifica as atitudes ambíguas que tomamos diante de atos tão parecidos, só porque aconteceram em locais diferentes e com pessoas diferentes?

A reação mundial ao atentado de Madri é compreensiva e justa, e merece ainda mais que a dimensão que vem tomando. Mas por que não reagimos da mesma maneira massivamente indignada em relação a todos os outros atentados perpetrados em todos esses anos, quando eles aconteceram no Oriente?

Como o atentado em Istambul, por exemplo.

Assim como na explosão do trem espanhol, ali morreu muita gente. Assim como a explosão do trem espanhol, foi um crime covarde cometido por inimigos do gênero humano. Mas além dos protestos de praxe, da indignação de praxe, não houve tantos clamores por justiça quando se tratou de turcos que explodiam pelos ares — e este blog se inclui nessa lista. Tentar explicar a reação mais tímida e menos chocada pelo menor número de mortos é hipocrisia e cinismo: uma pessoa que seja a morrer dessa forma vil e inútil é gente demais.

Provavelmente não choramos pelos mortos de Istambul porque aquele é o mundo de lá. E os mortos de lá não nos tocam tanto, porque nos são estranhos, e talvez no fundo nos sintamos aliviados por serem eles que estão se matando. Aquele povo esquisito é diferente, se veste diferente, fala diferente e parece que pensa diferente. Mas os mortos da Espanha são como nós, são filhos da mesma civilização. Os espanhóis somos nós. Os turcos, sauditas, os iemenitas não são. Eles são os outros. A dor deles não dói tanto em nós.

Triste, mesmo, é perceber que é mais ou menos esse o sentimento que move os assassinos da Al Qaeda, do ETA e de toda e qualquer organização terrorista. Os mortos são os outros. Mas a criança iraquiana que chora hoje após um atentado, por alguma razão que divisões entre os povos não conseguem apagar, chora no mesmo timbre da criança espanhola.

Talvez a nossa reação seja uma variedade do estupor que tomou conta dos americanos após o 11 de setembro: a sensação de que a certeza de que tínhamos de viver em um mundo à parte e mais civilizado foi abatida pelas bombas dos étrangers. Talvez tão importante quando a indignação humana seja o sentimento de que eles são outros, são diferentes, e que portanto estão acostumados à matança, e que não têm nenhum direito de trazê-las para nós.

De certa forma, os assassinos da Al Qaeda estão conseguindo o que queriam: provar ao mundo a mentira de que esta é uma guerra entre Ocidente e Oriente, entre modos de vida antagônicos e inconciliáveis. E que, enquanto os mortos forem os outros, tudo é admissível.

15 de março de 2004

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Este post foi escrito há mais de um ano, um pouco depois do atentado terrorista em Madri. Ontem, com os atentados em Londres, a cena se repetiu.

Mas se repetiu também a mesma postura, a mesma idéia de que o que realmente importa são os mortos de cá, quando enumeraram as tragédias causadas pelo terrorismo — Nova York, Madri, Londres — e esqueceram, mais uma vez, os turcos, os iraquianos, os israelenses e os palestinos.

Não haverá chance de paz enquanto não se deixar de dividir os mortos entre os nossos e os deles.

Um disclaimer e um aviso

Isto é um disclaimer.

Os comentários nos últimos tempos me fizeram pensar um bocadinho sobre o assunto.

Discordo da Horvallis, quando ela diz que blogs devem ser democráticos. Não acho que isso seja necessariamente válido em todos os momentos. Ou mesmo desejável.

Até onde entendo, democracia (se entendida como sinônimo de liberdade de expressão, como parece ser o caso) é alguém ter o direito de falar o que quiser. Isso não quer dizer onde quiser. Se alguém quer me xingar, vá em frente — mas não aqui. Isto não é uma concessão pública. Isto não é sala de espera de posto psiquiátrico conveniado com algum plano de saúde. Eu não pago hospedagem para oferecer um palco aos que, ao contrário da minha santa mãezinha, não me consideram uma bela criação divina. Não seria sequer justo. De vez em quando vejo comentários internet afora reivindicando o direito de falar, no blog dos outros, o que quiser. É um conceito esquisito de democracia.

Aqui aparece de tudo: malucos revoltados com elogios que eventualmente me fazem e cobranças de compromisso social, constatações acerca de minha vagabundagem incorrigível e do fato de a esta altura da vida eu não ter uma profissão. Sem contar os que simplesmente xingam, muitas vezes em português precário. Eu sempre me reservei o direito de permitir apenas os comentários que acho que devem ficar. O critério é absolutamente discricionário: o meu. Não consigo conceber outro lugar onde isso seja tão possível e legítimo quanto aqui. (O Alex já fez um post sobre isso.)

Já do comentário do André Pessoa discordo em um aspecto: pelo que entendi, tenho a obrigação de dar um sentido a um post. Não, não. Eu não tenho nenhuma. Se quiser escrever dez posts seguidos enumerando todos os palavrões que eu conheço, eu escrevo. Se quiser fazer piada de alguém que julgo sem-noção, ou de quem publica aqui algo de que discordo mesmo que esteja na cara que este blog não é de direita nem religioso, eu faço. É isso que me parece que as pessoas às vezes não entendem. Este blog não se propõe a nada com seriedade; sou apenas eu me divertindo. É por isso que ele se chama “Rafael Galvão”. Eu me divirto dando minha opinião, se e quando quero — ainda que ela possa ser deselegante às vezes. Paciência. Do jeito como vejo as coisas, o direito que eu tenho de escrever algo é exatamente igual ao de alguém não ler. Além disso, eu escrevo para mim mesmo, e pago por esse privilégio; ao escrever para os outros eu costumo cobrar.

A única coisa que admito é que, a partir do momento em que abro espaço para comentários, as pessoas têm todo o direito de discordar, embora eu confesse que no meu mundo ideal todo mundo ia concordar comigo — até o sacana do Bia. Mas existe um tom aceitável para isso; são, aliás, regras que já deixei claras há algum tempo. A partir do momento em que acho um comentário desaforado ou engraçado demais — e isso normalmente só ocorre com incautos que caem por aqui de pára-quedas via Google, e que não fazem parte do “corpo de leitores regulares” do blog — eu me reservo todo o direito de debochar do jeito que quiser.

(Eu sinceramente não consigo entender as pessoas que lêem um blog de que não gostam e que deixam comentários ofensivos ou agressivos; são uns bobos com muito tempo na mão e nenhuma capacidade de aproveitá-lo melhor.)

Algo parecido ocorreu quando os Astrólogos de Maria invadiram este blog, pedindo um debate no qual eu jamais entraria por saber que não levaria a nada, em momento algum, porque com fanáticos de direita — e de esquerda, também — qualquer discussão é estéril. A última coisa que este blogueiro pretende é discutir religião, mesmo com pessoas ponderadas. Além disso, embora custe aos zelotes da direita católica compreender, eu simplesmente não os levo a sério. É por isso que morro de inveja do Smart, que tem saco e talento para desmontar com classe, elegância e rigor as bobagens que eles falam — e não recebe comentários desaforados em troca. (Eu não devia escrever isso. Os astrólogos estão processando até a Nasa. E quando Deus está do lado deles, eles só podem ganhar.)

Finalmente, tem a idéia de que sou formador de opinião. Isso me envaidece muito, mas é totalmente despropositado. Este blog tem uma média de 1500 visitas por dia, incluindo as que vêm via Google e que, em sua quase absoluta maioria, nunca voltam — provavelmente porque vieram parar aqui atrás de receitas milagrosas para aumentar o pinto. Não bastam para formar opinião nenhuma (se bastassem eu iria aproveitar: “entrem para a Igreja Rafaélica de Todos os Tostões e me paguem o dízimo”). E ainda que formassem, liberdade de expressão é isso, né? Taí o Bolsonaro que não me deixa mentir.

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Isto é um aviso.

No próximo dia 16 este blog completa dois anos.

Para marcar o aniversário, a partir de amanhã vou republicar aqueles que acho serem os melhores posts do seu primeiro ano. É uma forma de passar a limpo aqueles tempos, quando o blog era visitado por umas 15 pessoas por dia. E uma forma de aproveitar as férias de inverno.

As alegrias que o Google me dá (XXIII)

fotos de homens lindos mexicanos
Corredor 6, seção A, logo depois das fotos de sasquatchs.

como era a adolescência nos anos 80
Era tão chata quanto a de hoje. A diferença é que, além de encher o saco dos outros com seus rompantes de independência, eles ainda usavam calças verde-limão, camisas lilases com ombreiras e ouviam Dr. Silvana cantando “Serão Extra”: “Ela foi dar, mamãe, foi dar, mamãe”.

fotos putas aracaju
Olha aí em cima, tem uma foto minha. Mas deixa eu avisar que cobro caro e que não beijo na boca.

putas que fodem
Não creio haver outro tipo. As que não fazem isso — pelo menos com você — são as filhas delas.

você pode se perguntar se a música está ligada à política e à sociedade desde a época em que a cultura indígena foi morta pelos portugueses e os negros foram presos nas senzalas. por que hoje falam de “piriguetes” “tchans” “lacraias” e “popozudas”?
Rapaz, isso é demais para mim. Mas eu posso tentar explicar uma parte, a parte atual. Porque periguetes são legais, tchans são necessários, lacraias são julgadas engraçadas por alguns e popozudas são maravilhosas.

cegonha perguntas papai mamãe
A cegonha não é chegada num papai e mamãe. Dizem que ela é meio sado-masô.

frases ditas por call marx
Call Marx era um funcionário eficientíssimo de uma empresa de telemarketing. Suas frases ficaram famosas e entraram para o cânon universal. Foi o sujeito que escreveu o “Manifesto do Telemarketing”, que começa assim: “Um espectro vai estar rondando a Europa amanhã”.

mauricio marinho download
Não é gratuito. Tem que pagar. 3 mil.

a versao original de la bamba
Era sobre uma velha xamã mexicana, que andava meio troncha, encurvada para um lado. Mas ela era gente boa.

se essa rua fosse minha
Eu cobrava pedágio.

onibus xoxotinha
Deus do céu, o que é isso? Um ônibus na hora do rush? Quando eu parar de rir eu escrevo um tratado sobre a criatividade popular.

toulouse sexto planeta mitologico
Blog errado, querido. Essas coisas você acha nos blogs dos astrólogos de Maria.

a menina era muito branca e tinha cabelos bem pretos curtinhos. eu não gosto muito de branquela sabe sou chegado é numa negona com aquele bundão bom de pegar peitão farto pra fazer espanhola. mas rapaz ela até que tinha uns peitinhos interessantes. p
Epa, fui eu quem escreveu isso aí. Mas olha, eu tinha colocado umas vírgulas. Quer copiar, copia. Mas não estraga.

como era a vida nas fazendas de cana naquela época
Era doce, mas era dura.

significado frase vá pra baixa da égua
Sabe que eu não sei? Pensando bem, deve a ver com você estar no lugar errado quando o cavalo se aproxima com aquela conversa mole e aquela mão boba…

dicas como era campinas na epoca dos bondes
Desculpe, nada contra a cidade, mas você sabe qual é a fama de Campinas, né? Então presume-se que além dos burros que puxavam os bondes havia outros quadrúpedes.

porque a maioria dos estados brasileiros mais ricos esta perto um dos outros
Porque ninguém gosta de pobre, meu filho. Pobre só presta longe.

qual o comportamento de uma lesbica?
Presume-se que ela tenha preferência por mulheres.

como fazer para o animal deixar fazer sexo com ele zoofilia
Se aproxime da vaquinha com um olhar carinhoso. Tudo começa assim.

os clássicos luzes da ribalta e tempos modernos foram produzidos por qual gênio do cinema
Buster Keaton. Ah, não é verdade? Bem, foi você que começou, dizendo que “Luzes da Ribalta” é um clássico.

musica somos mastruz com leite para baixar
Me respeite. Eu posso cair na sarjeta. Eu posso até ouvir U2. Mas Mastruz com Leite, jamais!

tipos de brincadeiras para catecismo infantil
“Queimando a bruxa”, “Matando o apóstata”, “Torturando o herege”…

não tem o que fazer
É, não tenho. Mas pelo menos estou aqui quieto no meu blog. E você, seu desocupado, que vem para o blogs dos outros?

para entender uma mulher é preciso mais que deitar-se com ela…
É, moço sensível, você tem razão. Concordo em gênero, número e grau. É preciso muito mais. Experimente em pé. Sentado. Ou de quatro.

de onde viemos?para onde vamos?
Lá tem internet?

gente que pensa
Veio ao lugar errado. Eu apenas penso que penso. Há uma profunda diferença, mas como eu só penso que penso não vou explicar isso para você.

preços de blazer o casaco para mulheres
Fui no armário e olhei para os meus — tadinhos, fora de moda, dois botões apenas. Perguntei a eles se era verdade que me enganaram todo esse tempo. E eles disseram que não, que são machos, rapá.

biografia rafael michelangelo
Quanto ao Mimi eu não posso falar nada. Mas a minha tem lá seus momentos.

tudo sobre maicon jackson
Maicon Jackson (pronuncia-se Jáquisson) nasceu em Brejo Santo, Sergipe, em 1984. Sua infância, ali naquele interior esquecido por Deus, foi muito feliz: ele fazia a alegria da meninada e até de um novilho chamado Brioso. Quer mesmo o resto?

o que é homosexual
É um gay analfabeto.

o que representa o caixão do papa
Significa que ele está morto.

onde posso encontrar uma clinica de abortos
Procure nas páginas amarelas. Se não encontrar, eu conheço uma benzedeira que faz esses servicinhos nas horas vagas. E ela usa apenas agulhas de tricô selecionadas.

foto de himen menina virgem
Moleza. Difícil é achar fotos de hímens de meninas não virgens.

onde victor meirelles nasceu viveu sua idade ao morrer cor de seus cabelos olhos algumas de suas mais grandes conquistas etc.
Mais completo, impossível. Parabéns. Eu não vou nem comentar nada, não só porque não sei nada disso, porque tenho certeza de que o Google te respondeu corretamente. O seu erro foi na hora de escolher a página apresentada.

somos brasileiros vamos nos casar e gostaríamos de passar a lua de mel nos estados unido
Já sei: vão aproveitar a viagem para muambar, né? Coisa feia. Mas certo, alguém tem que pagar os custos da viagem.

blogs se a vida lhe der 1000 motivos para chorar de a ela…
…uma banana, diga que ela é uma filha da puta, sente no meio-fio e chore.

sinonimo masculino de ninfomaniaca
Comedor. Como dizia James Brown, “it’s a man’s, man’s, man’s world“…

sobre o obvio na concepcao de darcy ribeiro quem e responsavel pelo atraso historico do pais
Se é óbvio, por que você está perguntando?

simpatia para fazer ele se apaixonar
Visitas semelhantes são comuns por aqui. E a resposta é sempre a mesma: dê, minha filha. Dê muito. Mas dê bem dado, porque senão ele come e vai embora.

rafael galvão adolescencia nos anos 80 foi uma merda
Cumequié? A minha foi legal. Os anos 80 é que foram uma droga. Lá vem esse povo colocando palavras esquisitas na minha boca (e quem foi que perguntou isso ao Google?).

o que estava acontecendo na época que aleijadinho viveu
Ele ia perdendo um dedo, depois um pedacinho da orelha, depois outro dedo…

john lennon how do you sleep?
He doesn’t sleep anymore. John is dead, baby, John is dead.

como é uma vagina fotos
Quando eu parar de rir, te explico.

convivencia com os povos pré cambrianos atuais
Ahn… Certo. Desculpe, mas mais uma vez eu não consegui escrever nada tão engraçado quanto a sua frase. Perdão.

o que a polvora das balas causam danos a saude
É. Causam danos sérios. Contaminação por chumbo. É um problema, rapaz.

como dar o fora numa baranga
É, eu sei. Às vezes a gente faz umas coisas injustificáveis, daquelas que depois nos faz perder minutos preciosos remoendo arrependimento. Não, não precisa se justificar para mim. Não precisa inventar essa história de que estava bêbado, ou confessar que estava numa seca de fazer dó — eu me solidarizo incondicionalmente com você. Não vou fazer perguntas. Mas para o seu caso a única coisa que posso recomendar são os serviços profissionais da GhostLovers, Inc. Despachamos barangas e, se você um dia fizer um upgrade nessa sua vida de mau comedor, também em ninfetas do demônio.

artigos sobre a importancia das camareiras no hotel
É tudo lenda. Tudo. Eu já perdi a conta dos hotéis em que fiquei na vida, dos cinco estrelas aos mais nublados, e posso lhe afirmar que é tudo mentira. Camareiras não dão para hóspedes. Não têm importância nenhuma.

iraldo dando show
Explique-se, Iraldo.

os gregos inventaram muito mais do que as olimpíadas
É. Inventaram o donner kebab e o beijo grego.

modelos gratis de mãe que tem que pagar pensão para filho que mora com o pai
O menino conhece os seus direitos. Vai ser advogado, quer apostar?

tequinologia do nordeste
Meu filho, nós fazemos um jabá impagável. E não há farinha de mandioca melhor que a sergipana.

cronica de saudade pelo falecimento de uma amiga
Coisa feia. Querendo fazer boa figura com a saudade dos outros. Mui amiga, você. Mui amiga.

never fade away biografia não autorizada de kurt cobain
Prefiro esperar pela biografia autorizada, que deve ser escrita pelo Divaldo Franco.

porque os portugueses vieram parar aqui
Porque não tinham o que fazer em Portugal.

modelo apolíneo de redação publicitária
Deus do céu, o que é isso? Eu cresci acreditando que publicidade era uma atividade que exigia um tipo primário de inteligência, como dizia o Roberto Menna Barrreto. Mas aí aparecem esses professores universitários com esse papo de apolíneo. Ai, meu Pai. O que é isso? É esse o problema da universidade: complicam coisas que deveriam ser simples demais. Em vez de aparecer por aqui com essa conversa de “apolíneo”, que parece papo junguiano, vai ler anúncios antigos para aprender a escrever, rapaz. Melhor que procurar modelos prontos.

o preconceito racial acabou?
Pergunte ao Grafite.

resumo da história infantil o patinho feio
Pata pula a cerca e tem um filho feio de um pai bonito. O terreiro inteiro debocha do coitado. Ele vai embora e volta cisne real, e então o terreiro inteiro passa a puxar seu saco e ele esquece que a sua mãe andou brincando por aí. Dinheiro, beleza e fama são um santo remédio.

carta querido papai noel voce deve achar estranho eu te escrever dia 26 de dezembro
E você vai achar estranho não ganhar presente nenhum.

dicas para tirar o himen sozinha
Há milhares de maneiras, minha filha, mas acompanhada é bem melhor.

ponte que liga a frança e a inglaterra contruída em 2004
Ah, foi?

comerciais antigos eu me lembro de voce
Mas eu, não.

como conseguir homens para tranzar
Acho que é só dizer que tá a fim, não é não?

rafael galvao
E meu psiquiatra continua achando que eu sou paranóico. Alguém está me seguindo. E ele não acredita.

O crime da rua Campos

Há algumas semanas — ou meses, que o tempo em um blog é a prova sobralense de que Einstein estava correto — eu falei, num post sobre Aracaju, sobre o crime da rua Campos, coisa de quase 50 anos atrás e que até hoje é o crime mais fantástico já ocorrido em Sergipe.

Parece que as lembranças estão no ar, porque uma revista local, na edição que começou a circular na semana passada, publicou uma matéria sobre o crime. Hoje, em sua coluna no Jornal do Dia, o jornalista Luiz Eduardo Costa publica um comentário a essa matéria.

Luiz Eduardo é uma das pessoas que mais conhecem o crime da rua Campos, pelo menos que eu saiba. A outra é minha avó. A diferença é que minha avó não escreve, ao passo que Luiz é o dono de um dos melhores textos de Sergipe.

Graças à revolta de Luiz Eduardo, que resolveu corrigir a série de erros factuais que encontrou na matéria publicada pela revista (e no post original, sem saber: eu datei o crime de 1954, quatro antes), agora posso atender a um pedido feito por Viva, e contar aqui, através das palavras de Luiz Eduardo Costa, o básico da história do Crime da Rua Campos (ou rua de Campos, como chamam em Aracaju).

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Uma moça sem noção chamada Carina (ou Cláudia) Pinheiro

Carina Pinheiro (cnpinheiro@hotmail.com) — ou Cláudia, ela assina os dois nomes — é uma idiota.

A moça não percebeu que posts antigos são automaticamente moderados, para evitar spam de comentários, problema que assola boa parte de blogs rodando Movable Type e que, de quebra, ajuda a manter imbecis longe dos comentários antigos.

Por isso, resolveu passar boa parte do dia de ontem e da madrugada de hoje falando besteira neste e neste post. Os comentários não apareciam e ela, ainda mais frustrada do que o normal, os repetia, quase ad infinitum. Deve ter se tornado uma brincadeira interessante. Em algum momento ela achou que ia vencer a máquina. Não venceu, e deve ter ido dormir com a certeza de que hoje voltaria ao ataque, enquanto imaginava mais ofensas.

Primeiro, desejou bons fluidos a mim e a alguns comentaristas deste blog:

Olha Rafael, Danielle, Julio, Fernando Henriqe, Lucia, Monica e demais iguais. Vocês devem ser todos uns desocupados sem sentimento. É por isso que temos esta M de país. Desejo para voces a morte de todas as pessoas que vcs amam, se é que voces amam alguem, para verem o que é para um amante de animais saber de seu sofrimento e não poder fazer nada. Como disse alguem aqui, nós amantes de animais atacamos a GLORIA PEREZ com os nossos protestos, e não a Daniela Perez. Ah, e se querem que a gente cuide de criancinhas de rua, CUIDEM VOCES.

Como o comentário não foi publicado, resolveu que sua opinião — se é que se pode chamar esse amontoado de imbecilidades recalcadas e ressentidas de opinião — seria ouvida de qualquer forma. E como não tem mais o que fazer, passou boa parte da madrugada escrevendo comentários que, para sua frustração resultante do parco entendimento, ela não via publicados.

Graças a Deus ninguem me obrigara a conhecer Rafael Galvão, Lucia Mala e companhia. Que gente escrota sem sentimento. Quero distancia de gente como vocês. (…) Eu sei quem enviou a foto, sei até o nome da pessoa, mas voce acha que eu vou entregá-la? NUNCA. Essa pessoa errou na tatica que usou. Por ela não fazer parte de ONG nenhuma, apenas alguem que sofreu muito na vida para defender animais, como todos nós que defendemos sofremos. Em segundo lugar,somos quase todas mulheres, por ter mais coragem que homens como voces para lutar. E não conheco nenhuma que seja uma desocupada. Mas sou radical sim. DESEJO tudo de ruim para aqueles que maltratam ou são a favor de maltratos a animais, porque não existe, nem nunca existirá pior covardia do que a violencia contra animais.

Falta de homem é uma coisa horrorosa. Dizem que dá um nervoso nas pessoas, uma amargura no viver, um travo na boca que nunca é beijada, um tremor no corpo nunca tocado, a pele se ressente das marcas que mãos não deixam. O cérebro passa a destilar bile, numa espécie de inversão anatômica. E provavelmente a Carina ainda não levou a sua posição de “amante dos animais” a ponto de encarar, com o relaxamento e a abertura à novidade necessários, um jumento. O resultado é isso: a moça passa a madrugada de sexta xingando outras pessoas e cometendo atos falhos terríveis.

Mais engraçado é a moça agradecer a Deus por não nos conhecer, mas insistir em se apresentar com tão belo cartão de visita. Neste momento a Lucia Malla está de férias nas Filipinas com o André, perto daqueles bichos de que só ela gosta, como (argh) tubarões. Nem sabe que existe uma pessoa que mora no Rio de Janeiro e passa suas madrugadas de sexta despejando rancor e más vibrações em pessoas que não conhece. A diferença entre a alegria da Malla e a amargura da Carina Pinheiro, pelo menos, me dão a certeza de que os desejos da Carina têm o mesmo valor daquilo que o meu gato enterra.

(O fato de ter passado alguns dias em Salvador, recentemente, e ter voltado de lá com a alma leve de Oxumaré ajudam nisso, também.)

Isso me lembra a postura esquisita que algumas pessoas têm de achar que um blog é um espaço democrático para todos. O blog é democrático, sim, mas para mim. Só. Não deveria ser algo tão difícil de entender. Talvez se eu latisse a Carina entendesse.

Leila querida, eu penso igual a Fulana, inclusive porque já fui assaltada por crianças. Para mim, elas não valem nada e nunca deixarei de comer para dar a elas um prato de comida. Mas já fiz isso diversas vezes por caes e gatos de rua.

Aí eu comecei a ficar preocupado. Admito que não sinceramente, porque estou rindo demais para ficar realmente preocupado com a Carina. Mas ainda assim um pouco temeroso.

Eu não sei o que os homens, talvez a humanidade em geral, fizeram à pobre Carina. Não sei o quanto a machucaram para que tenha tanta raiva. Certo, ela dá uma indicação ao dizer que foi assaltada por uma criança, e daí se pode deduzir de onde vem uma parte da sua misantropia. Mas ainda restam os homens. Eles devem ter sido muito cachorros com ela. Mas se ela tem tanta disposição para falar, seria melhor que deitasse em um divã e falasse para um psiquiatra.

Deve ser uma tática tresloucada desses franco-atiradores ecológicos: se mostrar como o pior que a humanidade pode oferecer, e tentar fazer com que as pessoas passem a desprezar os seres humanos por analogia. Porque se eu fosse julgar a humanidade pela Carina Pinheiro, provavelmente também iria preferir os cachorros.