Cena baiana III

Outubro de 1995.

Volto à agência esperando pegar o meu dinheiro e ir embora, depois de um freelance de um mês em que tudo deu absolutamente, completamente errado, e eu estava estafado e devendo a mim mesmo dezenas de horas de sono. Quem diz que baiano não trabalha não sabe o que é isso: chegar à agência às seis da manhã de domingo (vindo da farra, certo, mas ninguém tem nada com isso) e só sair de lá na sexta, às sete da noite, dormindo duas ou três horas por dia, como aconteceu em uma daquelas semanas.

Mas eles ainda têm uma provação para mim, que o meu lugar no céu só vai conseguido depois de muito sacrifício. Lomanto, prefeito de Jequié, quer que um redator vá até lá. Qualquer um. Não é nada grave, nada importante, mas ele quer, ué. E uma das funções de uma agência de propaganda é puxar o saco do cliente até ele gritar.

Eles têm urgência. Eu e o atendimento vamos para o Dois de Julho, pegar um táxi aéreo.

A gente entra em um Bandeirante. Eu nunca tinha andado em um avião tão pequeno, e acho estranho ter que andar abaixado, a proximidade do piloto, a caixa térmica fazendo as vezes de aeromoça.

O Bandeirante, que provavelmente tinha pertencido à FAB, liga os motores. Primeiro o da direita, e a hélice gira ao máximo. O avião treme como se tivesse visto alma penada, talvez o fantasma de Amelia Earhart. “Isso não vai dar certo”. Agora o da esquerda, a mesma tremedeira. “Esta porra vai cair”.

O avião levanta vôo, e no fim das contas é uma viagem até interessante. Ele voa baixo e eu aprendo o que é um avião de verdade. Nada daqueles Boeings cheio de traquitanas. Aquilo é leite pasteurizado.

Já estamos pousando em Jequié quando, sem aviso — sempre é sem aviso –, o avião embica para cima. Não lembrei de encomendar a alma a Deus naquele momento, não lembrei de nada além do proverbial puta que pariu. Mas entre os grandes orgulhos de minha vida está esse: eu não borrei as calças.

Fazemos a volta, repetimos os procedimentos de aterrissagem, e finalmente pousamos. É quando me explicam a razão do arremetimento repentino: havia crianças brincando na pista.

Quando saímos do avião o filho do prefeito está nos esperando. É ele quem explica melhor o que aconteceu.

Antigamente o zelador do “aeroporto” tinha uma bicicleta. Quando avistava um avião chegando, e via que crianças brincavam na pista, ele pegava a bicicleta, ia até lá e afugentava a criançada. Mas haviam roubado a bicicleta do zelador.

Só não me explicaram que o Bandeirante tem um problema de construção que faz o seu motor fundir fácil demais em casos de retomadas um pouco mais bruscas que aquela.

Em terra firme, ouvimos o prefeito, anotamos as modificações, fomos para o lançamento de um shopping e voltamos para Salvador à meia-noite.

De ônibus.

Originalmente publicado em 23 de fevereiro de 2005

3 thoughts on “Cena baiana III

  1. Esta foi por pouco mesmo, não é bom brincar com a sorte , mesmo na terra do senhor do Bom Fim, rs

  2. Queria mandar um abraço pela campanha vitoriosa do Deda aí em Sergipe.

    Acompanhei com aflição a marcha das apurações para senador, e vi que o Zé Eduardo chegou a ficar na frente. Infelizmente o resultado não se confirmou, mas parabéns pra ele também.

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