Clássicos do cinema nacional: "Oh! Rebuceteio"

Primeiro foi “O Diabo no Corpo”. Marco Bellocchio pegou o livrinho maravilhoso de Raymond Radiguet e o transformou em um filme chato e pretensioso, em 1986. Mas não foi o enredo do filme que causou escândalo: foi uma cena em que Maruschka Detmers se esbalda (em termos) em sexo oral, apregoada na época (provavelmente de maneira equivocada) como a primeira explícita em um filme que se pretende sério.

Depois — há pouco tempo, 2003 — foi a vez de The Brown Bunny, filme de Vincent Gallo que, num arroubo de “audacidade artística” (sic), se propôs a derrubar os muros que separam o cinema sério da pornografia pura. Conseguiu seu objetivo: causou polêmica e conquistou algumas páginas de jornal.

(Na verdade houve outro antes desses: “Império dos Sentidos”, de Nagisa Oshima. Mas é um bom filme japonês e, pela polêmica que filmes bobos causam sempre que arranjam um truque de marketing, não parece mais ser reconhecido como um precursor melhor.)

O fato é que “Oh! Rebuceteio” é melhor que todos esses filmes que se pretendem polêmicos.

Dirigido em 1984 por Cláudio Cunha, “Oh! Rebuceteio” é o nosso Oh! Calcutta e o nosso A Chorus Line, com uma pitada de “Garganta Profunda”. O filme mostra os ensaios de uma peça de teatro experimental — tendência muito em voga nos anos 70 e início dos 80 e, graças a Deus, esquecida. A peça é uma criação coletiva e bastante sexo, bastante explícito, é inserido no filme como instrumento de criação e de desenvolvimento para os atores.

A pergunta a ser feita é: o que distingue “Oh! Rebuceteio” de bobagens como The Brown Bunny, pelo menos no que diz respeito à “decência” como cinema? Na minha opinião, nada. Em “Oh! Rebuceteio” o sexo está inserido em um contexto específico. É apresentado como parte necessária da trama. É limitado aos ensaios, e na estréia da peça não há mais sexo explícito. Ele só pode ser compreendido, portanto, como parte do processo de criação da peça.

O aspecto intelectualmente secundário do sexo no filme é ilustrado na seqüência em que, diante de uma cena no palco que faz os outros atores se masturbarem incontrolavelmente, o diretor da peça, interpretado pelo próprio Cláudio Cunha, manda os espectadores do filme se masturbarem também. Deve ser um tanto difícil alguém conseguir tal feito olhando para a bela face hirsuta de Cunha. Ele não se leva demasiadamente a sério, nem pretende fazer do seu filme uma tese de pós-doutorado, e o resultado é relativamente surpreendente.

O filme acaba apresentando algumas questões até razoáveis sobre o conceito de teatro e sobre o processo de criação por parte dos atores. Não é bem o que Stanilavsky esperaria, mas é válido mesmo assim. Certo, a abordagem é paródica, debochada e um adepto do teatro experimental poderia até chamá-lo de preconceituoso. Mas essas são características que sempre fizeram parte do cinema brasileiro, por representarem uma parte significativa do nosso caráter nacional, embora os cineastas da retomada tenham resolvido colocá-las para escanteio porque não lhes parecem suficientemente dignas — ou suficientemente européias –, algo típico de uma elite cultural que prefere se imaginar em Manchester do que em Ipanema. O fato de ser uma paródia escrachada não o torna pior que “O Diabo na Carne”. No mínimo o torna melhor que um filme ruim como A Chorus Line.

Que se defina “Oh! Rebuceteio” como filme de sacanagem. Mas, nesse caso, que se inclua os outros também. E, finalmente, o que realmente interessa: as atrizes de “Oh! Rebuceteio” são muito melhores no babado do que as gringas. E só isso já deveria ser um grande mérito.

Originalmente publicado em 3 de março de 2006

3 thoughts on “Clássicos do cinema nacional: "Oh! Rebuceteio"

  1. Descobriram, agora, que livros que contém sexo e violência são emagrecedores (tá na BBC). Tem um lá com 800 páginas que faz o leitor perder 1.200kcal. Show, hein? 🙂 Imagine quantas calorias seriam perdidas ao assistir a esse “Oh! Rebuceteio”.

  2. Palpiteira,

    Tem viés na pesquisa. Esse livro aí emagrece só do leitor ter que carregá-lo.

    Rafex,

    Muito boa análise. Aguardo agora a sua visão de “Bacalhau!” (que, dizem, já existia em semente em “Limite”). 🙂

    Falando nisso: o “Rebuceteio” passa nas noites tardígradas do Canal Brasil? Já vi muitas pérolas por lá, mas essa nunca.

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