Ecologia e hipocrisia

Dia desses, assistindo a um programa sobre criação comercial de chinchilas na TV Senai, apareceu uma senhora de uma dessas ONGs dizendo que suas objeções à atividade, cujo fim é a produção de peles, eram morais. Acrescentou que era diferente da criação de gado, à qual implicitamente aferia um nihil obstat.

E aí eu me confundi. Venho tentando desde então, mas ainda não consegui ver a diferença moral entre matar uma vaca ou matar uma chinchila. Ambos são seres vivos e nenhum deles gostaria de morrer.

É compreensível e louvável que protestem contra o assassinato de filhotes de foca ou baleias. É perfeitamente justificável a consciência da necessidade de respeito ao equilíbrio ecológico e à vida selvagem; nem tanto pelos animais ou plantas, mas pela sobrevivência humana. Mas quando se trata de criação comercial, uma atividade iniciada e controlada pelo homem, há mesmo alguma diferença entre vacas, chinchilas e jacarés? Eu não consigo ver nenhuma, além do fato de que chinchilas são bichinhos fofinhos e vacas têm olhares bovinos e babam — o que, numa interpretação freudiana bem liberal, fornece a justificativa para a condescendência desses ecologistas: elas lhes lembram suas imagens no espelho e portanto é OK matar as pobrezinhas. Uma espécie de masoquismo projetado.

Se criamos animais para o matadouro, que diferença faz se vamos aproveitar sua carne ou sua pele? Garanto que para o bicho diante do cutelo não faz nenhuma diferença. Parece sensato afirmar que esses limites morais são justificados pela necessidade humana. Mas ninguém, por exemplo, precisa comer carne. Ela fornece proteína? Soja também. Entupa-se de soja, portanto. Carne de soja. Leite de soja. Queijo de soja. Os Rolling Stones bebem leite de soja, por que não os mortais comuns? De fato, as pessoas podem passar suas vidas inteiras comendo apenas soja. Não há necessidade objetiva de carne, assim como não há de casacos de pele.

Mas coerência não é atributo desses ecologistas radicais, baseados em distorções pseudo-humanistas que acabam adquirindo os contornos de uma religião neo-pagã e materialista.

Para eles é eticamente aceitável matar uma vaca, mas não uma chinchila. Esse pessoal, com sua moral fácil e hipócrita de classe média urbana, não percebe sequer que o manejo de uma vaca é muito mais cruel e desumano que o de uma chinchila.

Imaginai-vos, dileta leitora, tendo vossas mamas apertadas duas vezes por dia. E não vos alegrai pensando que é o toque macio ou a mordida apaixonada do vosso amante: são as mãos ásperas e rudes de um vaqueiro desempenhando sem delicadeza uma tarefa automática. Isso, claro, se tiverdes a sorte de ser escolhida para a produção de leite tipo C; porque se quiserem tirar leite A de vossos úberes, ah, minha nega, então enfiarão vossas tetas em uns aspiradores implacáveis sem nenhum sentimento. E, por favor, não deixeis que eu vos fale de inseminação artificial. É pior, mil vezes pior que a posição humilhante que assumis diante de vosso ginecologista. Voltai ao carinho de vosso amante, e hoje à noite, aninhada em seus braços, não deixeis que um calafrio percorra vosso corpo ao lembrar-vos do pobre canal vaginal da vaca diante do aplicador comprido com o sêmem do touro; nem do reto, mais pobre ainda, diante do muito longo braço do tratador, que guiará o aplicador até o útero da vaca e, caso necessário, desobstruirá seus intestinos. Esquecei tudo isso e tomai um leitinho.

É graças a uma desconfiança inevitável em relação a esse relativismo moral que só confio em ecologistas vegetarianos. Por enquanto. Porque quando descobrirem que o príncipe Charles tem razão e as plantas têm sentimentos, eu só vou confiar em ecologistas mortos de fome.

E por tudo isso um dos meus sonhos é comprar um casaco de peles, mesmo achando-os terrivelmente cafonas, apenas para desfilar diante desses ativistas que ficam jogando tinta nos outros. Estaria, claro, devidamente acompanhado de uns quatro guarda-costas de excelente porte e péssima índole, apenas para vê-los dando um cacete nos idiotas quando emporcalhassem meu casaco. Se esse tipo de ativismo é a nova religião, está mais do que na hora de lhes dar um mártir.

Originalmente publicado em 15 de fevereiro de 2006

10 thoughts on “Ecologia e hipocrisia

  1. Existe um tipo de ecologista que só come frutos que caem. Da wikipedia: “Some fruitarians will eat only what falls (or would fall) naturally from a plant, that is: foods that can be harvested without killing the plant.”

    Sinistro….

  2. Mas, se pensar bem, os frugivoristas estão roubando o fruto que serviria de adubo para a terra. Deveriam eles também ser penalizados? hehehe

    Também percebo esta incoerência apontada por você. Entre chinchilas e vacas, não existe muita diferença. Ambas são, como você mesmo disse, seres vivos e querem justamente isso: continuar como seres vivos. Agora, a defesa de alguns animais em extinção vai além da simples defesa do ser vivo (não estou falando das chinchilas, criadas em cativeiro). É, na verdade, a defesa de uma geração humana. É um fim aparentemente altruísta, mas, como todo objetivo altruísta é também egoísta: visa evitar inserir o homem como causador da extinção de mais um ser vivo.

  3. Não sei se é verdade, mas já li em algum lugar que, para evitar que se danifiquem posteriormente, as peles das chhinchilas são arrancadas com os animais ainda vivos. Talvez esteja aí a diferença para a senhora. Se não for assim, acho que nada justificaria o aparte dela.

  4. a pele faz todo sentido pro esquimó, como fez a carne pro homem em algum dado momento de nossa historia, sem ter mais oq comer
    e inumeros outros alimentos são ricos em proteinas, como por exemplo, um singelo amendoim ou mesmo o nosso bem e véio “fejão”
    oras pipocas
    e quer mais? vou insistir
    esses “ativistas” e os que fizeram o “cansei”, pra mim têm o mesmo senso de sentido: nenhum

  5. O mais acertado é fazermos casacos e outras peças do vestuário humano com a pele das milhões de crianças que morrem de fome e doenças por todo o planeta.
    Teria uma “vantagem”: Não haveria a necessidade de mata-las. Já viríam mortinhas e prontas para o “consumo”.
    Strix.

  6. Eu poderia me considerar ambientalista(não acredito que seja algo que alguém se classifique, é só um modo de ver as coisas), e só queria apontar um pequeno detalhe…

    Já vi muitos desses hipócritas sim… inclusive acho ridículo vegetarianos e esses que só comem frutas que caem… de todo o modo comer carne e qualquer derivado é natural.
    A questão é que qualquer um com senso ambientalista real também é contra matar as vacas. Não falo de não comer carne, e sim das condições de matadouros. Tanto o é que existe(embora não no Brasil, até onde eu saiba) produtos, inclusive carne, com selos e marcas próprias que não utilizam desses meios desumanos de abate. Claro que são muito mais caras, visto a produção extremamente limitada.

    Agora, mesmo nesses casos se mata o animal. E? Matar para comer é uma coisa, e comer não é nada supérfulo. Eu não vivo sem comer, e você? Mas eu vivo sem pele de chinchila…

    Sobre a soja e etc: somos onívoros. Está na nossa natureza dietas sortidas que incluem a carne. É só notar o instinto humano, mesmo comendo soja o corpo ainda sente falta de carne. Enfim, cada um julga como quiser.

    Só me declarei porque vejo um monte de hipócritas supostamente ambientalistas inventando de não matar animais por esse e aquele motivos, sem raciocinar direito. É tudo uma questão do que é necessário. E no caso de matadouros e chinchilas, nenhum dos dois o é.

  7. Isso mesmo! Todos nós, a partir de hoje, comeremos apenas ‘carne’ de soja! Nenhum outro animal será abatido para alimentar seres humanos, eles apenas perderão seu habitat natural para que tenhamos cada vez mais espaço para plantações de soja, oras! Viva os Zoológicos!!
    Morte à medicina e à evolução tecnológica!!
    Suicídio coletivo, já!
    Blargh! Peudo-ambientalistas fedem.

  8. sim existe a denuncias que a pele da chinchilaé tirada com ela viva;não sei se são todos que fazem isso .Mas agora depois dessa não consigo mais tomar meu nescau :'(

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