Dilma e o aborto

Dilma caiu na armadilha do aborto e Serra ganhou uma batalha importante. É uma armadilha muito semelhante à que Alckmin caiu em 2006; a diferença é que daquela vez era a privatização.

Já tinha caído antes, na verdade.

Mas na tal “Mensagem da Dilma” sobre o tema, veiculada hoje, ela assumiu uma posição clara, e disse que é “pessoalmente contra o aborto” e defende “a manutenção da legislação atual sobre o assunto”.

O que Dilma deveria dizer é que aborto é uma questão a ser resolvida pelo Legislativo, e se eximir de uma responsabilidade que, afinal, não é sua.

Deveria lembrar a sua própria história e mostrar o que significou, para uma mulher perseguida por uma ditadura sanguinária, ter coragem de gerar uma filha e lutar por ela. O que significou trabalhar para sustentá-la, acompanhar o seu crescimento, estar ao seu lado quando ela estava triste e quando ela estava alegre. Mostrar o orgulho que ela tem pela pessoa que formou.

Dilma deveria mostrar a alegria que sentiu ao pegar, pela primeira vez, o neto recém-nascido em seus braços. Mostrar o valor da família não em declarações que parecem saídas de alguém acuado, mas em seu próprio sentimento e humanidade. A história de Dilma é suficiente para revelar ao Brasil o seu valor como pessoa e como mulher — porque não são mais valores políticos que estão em pauta, mas valores pessoais. E deveria fazer isso de maneira psoitiva, não defensiva.

Maluf fez isso em um comercial antológico. Depois de uma frase infeliz sobre estupro — o famoso “estupra, mas não mata” –, ele reuniu toda a família e deixou claro que não era a favor daquilo. Mostrou que era a favor da família, que valorizava aquilo que tinha — e como um homem que amava tanto a sua família, com tantas mulheres em casa que obviamente amava, poderia ser a favor de algo hediondo como o estupro?

Já vi gente dizendo que não quer vencer a eleição a qualquer preço, e não abre mão de princípios e quetais. Esse é o discurso mais acomodado, mais esnobe que eu conheço. Essa história cai bem em mesa de bar, quando um monte de gente fica dando a explicação que bem entender sobre as razões do sucesso ou do fracasso de uma campanha.

Porque eu quero. Custe o que custar. Com os votos de quem for necessário. Para mim, voto não tem cheiro, não tem cor, não tem sequer ideologia. Voto é voto, e ponto final. O voto de um evangélico tem exatamente o mesmo peso do de um ateu — e Dilma será a presidente de todos, não de um só segmento social. Além disso, tenho como certo uma coisa simples: campanha é uma coisa, governo é outra. A discussão sobre o que deve ser o governo do ponto de vista de uma blogosfera progressista que defende o direito ao aborto, descriminalização da maconha ou coisa do tipo — plataformas que numa campanha eleitoral beiram a imbecilidade e só servem para afastar eleitores — deve ser iniciada no dia 1o de novembro; mas até lá o que importa é fazer o possível e o necessário para ganhar a eleição.

Sob esse aspecto, a campanha de Serra está mais acertada. É um candidato mentiroso, falso, baixo — mas ele faz o discurso que deve ser feito.

Dilma não está fazendo isso. Sua campanha está errada. Se fizeram um primeiro programa eleitoral que para mim — que já vi e fiz mais programas eleitorais que a imensa maioria dos mortais — é o melhor da história, de repente eles resolveram, em pleno segundo turno, privilegiar a informação e a comparação de governos, investindo em um discurso excessivamente racional. Esses são dados que devem sempre estar presentes, claro, mas a esta altura é preciso mais que isso. Não é mais questão de levantar razões para votar ou não na Dilma. Depois de dois meses de campanha na TV e no rádio, as pessoas já sabem o que o governo Lula fez e que Dilma é a candidata de Lula. O que se discute agora é quem é o melhor para sucedê-lo; e essa não será uma escolha feita de modo racional. Comparar governos talvez não seja a estratégia mais eficaz. Ou investir num conceito como o Serra Mil Caras — que sinceramente me parece inócuo.

O que Dilma deve recuperar é a emoção que esteve presente, de maneira magistral e insuperável, no primeiro programa. É a presença de Lula ao seu lado, lhe emprestando o carisma que ela, definitivamente, não tem. E a mensagem deve ser de paz e amor — a mensagem que Lulinha, ainda longe de ser o herói nacional que é hoje, passou em 2002. Dilma deve mostrar que é a garantia de que as pessoas vão continuar cada vez mais felizes, porque comem, porque vão à universidade, porque podem trabalhar, porque vão saber que Lula, através dela, continua olhando por eles.

Não é só a economia, estúpido. É também a emoção.

Enquanto isso, a militância poderia fazer algo que o NPTO está fazendo.

Se o primeiro turno deixou alguma lição, foi a de que as notícias sobre a morte da mídia foram muito exageradas. Foi a sua atuação que conseguiu valorizar Marina Silva (que merece um post e um mea culpa meus) e forçar um segundo turno que parecia remoto quinze dias antes. Não será no Twitter, no Facebook ou nos blogs que a eleição será ganha. É na rua. Se cada eleitor de Dilma se dedicar a conseguir pelo menos um voto nesses quinze dias que restam, nós ganhamos fácil a eleição.

Enquanto isso, para o Helio Jesuíno que veio cobrar post aqui, eu repito o que disse antes: minha guerra ganhei no primeiro turno. E agora com licença que eu vou ali escrever um panfleto para Déda e Dilma, que vai ser lido, ou pelo menos visto, por muito mais gente que os leitores deste blog, que obviamente volta à hibernação.

10 thoughts on “Dilma e o aborto

  1. Eu também cobrei post, porque achei que você já tinha terminado o seu trabalho na campanha. Que bom que o pessoal aí ainda está atento para o segundo turno.

    Concordo com muita coisa do que você falou, mas também acho necessária a fase atual, não para afirmar o que Lula fez, mas para mostrar o que Serra e Fernando Henrique não fizeram.

    De minha parte, também vou pra rua nos próximos dias, porque ninguém ganha eleição mandando mensagem na internet.

  2. Muito bem posto, meu amigo, críticas no tom adequado, que tomara sejam ouvidas e retomem o prumo não diria que de todo perdido, mas meio. E agora termine logo esse panfleto e venho logo tomar os chopes cá no Rio, que já estou cansado de lhe aporrinhar com a minha ladainha, hehe.

  3. Muito boa a reflexão, assino embaixo.
    Quem sabe, sabe de campanha – e você sabe muito!
    Só hoje já ganhei dois votos, penso que é por aí…

  4. O Rafael foi comedido. Apesar de eleitor de Dilma não posso deixar de reconhecer que a propaganda de Serra é melhor no segundo turno. Mas faltam duas semanas e ainda há tempo para melhorar.

  5. Roberson, não sei se foi pela competência da propaganda, mas o Serra convenceu até Hélio Bicudo, fundador do PT.

    “Eu voto no Serra no segundo turno. Com Dilma, teremos um sistema mexicano de continuísmo”…. “Se nós deixarmos a candidata Dilma ganhar nós vamos ter aqui no Brasil, ainda que se diga que não, um sistema mexicano. Um partido comandando o País durante 40, 50, 60, 70 anos, com todo esse passado de corrupção, que vai aumentando em cada momento em que esse mandato se torna maior”… “o continuísmo” do PT na presidência por mais de oito anos “não é democrático”. “A alternância de poder é uma característica da democracia”.

  6. O tucanos são engraçados: aquí no estado de SP, onde já somam 16 anos no poder (eu diria até mais, pois, desde o Franco Montoro – com Serra como secretário da Finanças – é sempre a mesma turminha) não se fala em México, não se fala que “a alternância de poder é uma característica da democracia”.

  7. É Victor, essa é uma boa pergunta. Mas coerência nunca foi um atributo muito forte no meio político (o que não invalida a afirmação, visto que eu, votando no Lula, no primeiro mandato, ou em outros candidatos, daí em diante, sempre defendi a alternância.).

  8. Ô rafael, não foi uma “cobrança”, rapaz! Primeiro porque vc não me deve nada; seggundo porque sei do teu envolvimento com o Deda aí em Sergipe. (Aliás, parabéns pela vitória de primeira …).
    Apenas senti falta de tua verve ferina na campanha nacional na qual tantos blogueiros estavam envolvidos.

    Nada contra o justo repouso do guerreiro …

    Quaanto à falta de ’emoção’ não credito isso à direção da campanha. Não é a da Dilma, mesmo…
    Acho até que foi o CElso de barros no npto que fez uma definição ótima dela: guerrilheira nerd!

    Panfletei e bandeirei muito aqui no rio e só agora , no final do segundo turno, é que a coisa começou a esquentar. Ainda assim não chegou à metade da empolgação de heróicas campanhas de outrora. (e,confesso, eu mesmo já briguei com muito mais garra …)
    Enfim, amanhã é o dia, vamos ver o bicho que dá.

    To confiante

    Abraço

  9. Helio,

    Quase imediatamente depois do post, talvez até antes dele ser publicado, os programas da Dilma acertaram o tom. Ficaram excelentes, com tudo na medida certa.

    E ontem, no debate, a Dilma venceu. 🙂

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