Assim que vim morar em Sergipe, no começo dos anos 80, um comercial da Telebrás falava de Canindé do São Francisco — cidade onde hoje está a Usina Hidrelétrica de Xingó. O município sergipano mais distante da capital, situado no alto sertão, na esquina com a Bahia e Alagoas, finalmente ganhava acesso à telefonia, pouco mais de 100 anos depois de sua invenção. Esse era o nível do desenvolvimento da região.
Passaram-se dez anos e então, aí pelo começo dos anos 90, eu costumava ir regularmente à cidade, passar fins de semana na fazenda de um amigo. Aprendi a reconhecer a região e a caatinga. Mas depois fui embora de Sergipe, não vi mais Canindé, não vi mais caatinga e nem essas coisas de sertão.
Passei pela cidade novamente no começo de 2004, e mencionei o fato neste blog para fazer um agradecimento extemporâneo. Aquele sertão que eu conhecia razoavelmente continuava basicamente o mesmo, apenas com as melhorias naturais do tempo. Ao longo das estradas que hoje compõem a Rota do Sertão, e cortam boa parte do sertão sergipano, as paisagens urbanas se mantinham mais ou menos as mesmas de 1992. Cidade após cidade, a mesma miséria, a mesma sensação de fim de mundo. Claro que naqueles 11, 12 anos a região tinha crescido. Mas era um crescimento inercial, o crescimento natural e mínimo de todo lugar abandonado por Deus. Lembro de estar parado num povoado de Canindé e observar um homem forte passando na rua. Era o meio do dia. Fiquei impressionado ao perceber o que a falta de oportunidades fazia com aquelas pessoas: gente que pela constituição física estava acostumada ao trabalho duro, mas condenada a vagar pelo meio do povoado por falta do que fazer.
Agora vejo um artigo da jornalista Eliane Cantanhêde falando da ascensão do Brasil à posição de sexta potência econômica do mundo. Falando mal, obviamente: ela se pergunta que desenvolvimento é esse, se a pobreza está em todo lugar, e usa o Nordeste como exemplo da miséria que esses governos incompetentes não conseguiram resolver.
É um padrão de comportamento típico de certos setores da imprensa: a notícia é boa, não traz nada negativo, mas há que fazer um pequeno esforço e ver como se pode falar mal; com jeitinho sempre se descobre que é possível fazer um comentário desagradável, e se a gente procurar vai ver que o país continua a mesma merda de antes, na verdade até pior. Jornalistas de oposição — e o termo é usado aqui propositalmente — parecem ter complexo de viralata, e se o copo não estiver completamente cheio tem que estar totalmente vazio.
De qualquer forma, eu não sei o quanto a Cantanhêde conhece o Nordeste, para falar assim com propriedade da evolução da região. Mas ao usá-lo como exemplo para questionar a qualidade e mesmo a veracidade do desenvolvimento brasileiro, ela mostra desconhecer, se não a realidade, a história recente do torrão natal do ex-presidente Lula.
O artigo da Cantanhêde me fez lembrar que passei por Canindé e por aquele povoado novamente há umas duas semanas. E para isso precisei atravessar outras cidades — aquelas mesmas que até cerca de oito anos atrás pareciam paradas no tempo.
Eu não impressiono com muita coisa, porque já me acostumei a fingir que a idade me dá o direito de ter uma atitude blasé diante da vida. Mas eu fiquei bobo, genuinamente embasbacado. Em menos de sete anos construiu-se um mundo completamente diferente. As cidades cresceram absurdamente, a ponto de algumas delas se tornarem praticamente irreconhecíveis para mim. Os sinais de desenvolvimento se espalham por elas: lojas de material agropecuário, redes locais de lojas de móveis — o comércio floresceu de uma maneira que me deixou de boca aberta. É outro lugar. O que antigamente eram variedades indistintas do fim do mundo, hoje são lugares possíveis de se morar. Além disso um detalhe curioso: assentamentos de Sem-Terra — Sergipe tem um dos melhores programas de reforma agrária do país, se não o melhor — estão dando origem a novas cidades.
Muito desse desenvolvimento se deve à ação do governo de Sergipe, que inverteu o mecanismo político ao intervir diretamente nos municípios e levando para o interior um tipo de desenvolvimento que, até pouco tempo atrás, estava restrito à capital. Mas o principal elemento de transformação do sertão foi o Bolsa Família, o Luz para Todos, os investimentos federais.
Ver as cidades do Alto Sertão sergipano me lembrou que costumamos — eu inclusive — falar do Bolsa Família e de outros programas do Governo Federal a partir de um ponto de vista urbano. Se isso não é um erro, agora estou convencido de que é insuficiente. Por mais benefícios que o BF tenha trazido para as cidades médias e grandes, não é nada que se compare ao efeito redentor alcançado nos lugares mais miseráveis como o sertão. É imensurável, mas estapafurdiamente óbvio.
É por isso que é tão estranho o parágrafo final da Cantanhêde:
O que está em pauta não é (só) o ritmo da economia e o complexo equilíbrio entre crescimento mais baixo e inflação debochada, mas principalmente a qualidade do desenvolvimento. Há que se discutir por que, para que e para quem o Brasil assume ares de potência.
Então, dona Cantanhêde, deixa eu explicar uma coisinha para a senhora: o que fez a diferença nesses anos — e agora, depois de ver o que aconteceu com o sertão nesses últimos anos, tenho mais certeza do que nunca — foi justamente a qualidade do desenvolvimento promovido pelos governos Lula e Dilma Rousseff. Não há novidade nisso, mas jornalistas de oposição como a senhora parecem se recusar a entender, não importa quantas vezes isso lhes seja repetido e demonstrado. Foi justamente porque a qualidade do desenvolvimento mudou que nossa economia conseguiu aguentar os trancos da crise econômica mundial e ultrapassar a inglesa. É, aquela mesma que por sua vez continua recitando o ideário que a senhora acha bonito.
O artigo da Eliane Cantanhêde me lembrou algo mais legitimamente nordestino do que suas impressões: um trecho de “Karolina com K”, uma das obras primas de Luiz Gonzaga. Mais especificamente o trecho em que Karolina, doidinha para ir embora do forró e ficar sozinha com o seu sanfoneiro, vê o pessoal indo atrás deles e comenta: “Olha, Gonzaga! Puxa mesmo que a cabrueira vem aí atrás, parece que eles tão querendo botar gosto ruim no nosso amor!”
Karolina não sabe, mas a cabrueira continua agoniada, botando gosto ruim nas coisas que não consegue compreender nem aceitar.
Prezado blogueiro
Não compartilho do ponto de vista da jornalista. Este argumento “ninguém se lembrar dos comedores de calango do nordeste” já deu o que tinha o que dar, se é que algum dia teve algo para dar mesmo.
Porém, a louvação do PIB alcançado não é grande coisa, mesmo. E isso não quer dizer que critico Lula e Dilma – FHC é tão culpado quanto eles pelo atraso ainda existe, ainda que mais merecedor de elogios pelo resultado em que nos encontramos.
A verdade é que, como dizia aquela peça publicitária, é possível contar muitas mentiras falando apenas a verdade.
Nosso IDH é vergonhoso. Nosso grau de infraestrutura também. Nossa educação sequer merece ser chamada assim, de educação.
Que as riquezas circulam por aqui não há dúvida. Que, como não poderia deixar de ser, a urbanização vai se espalhando, também não. Mas o brasileiro ainda carece do mínimo para uma vida digna – instrução, saneamento, transporte, segurança, saúde. E a atividade econômica também precisa de muitos melhoramentos – transporte, desburocratização, racionalização da carga tributária.
Portanto, ainda que a jornalista da Folha não tenha contribuído ao debate, a elogia e a euforia não se sustentam. Ainda estamos subjugados pela corrupção, pela incompetência e pelo improviso.
Antes aqui fosse a Suiça, a Austrália, talvez até o Chile. Entre IDH e PIB, prefiro aquele.
LINDO. Obrigadaço!!!
fui a joão pessoa semana passada. a cidade sofreu um boom de desenvolvimento, nos últimos anos, que fez minha namorada gaúcha comentar que tudo na cidade parecia novo, limpo e bem-organizado.
quando fomos no hotel globo (tradicional ponto turístico da cidade), uma pessoa de um estado que não pude identificar soltou a seguinte pérola para um conterrâneo: “nós sulistas trabalhamos pra que essas pessoas gastem!”.
parece que os daqui de baixo (tou morando no paraná agora) perderam realmente o bonde da história e não conseguem aceitar que o eixo da economia mudou de lugar. então preferem colocar a culpa em um governo que não os trata a pão de ló.
o artigo dela é realmente muito ruim e de má vontade. mas o desenvolvimento urbano no país carece de planejamento e de boa administração.
as grandes capitais do nordeste, salvador, recife, se tornaram infernais como as grandes capitais do sul, só que com ainda menos infraestrutura.
já as capitais menores do nordeste hoje dão um banho em qualidade de vida, mas sem planejamento estão trilhando o caminho dos mesmos erros dessas cidades que cresceram mal.
Os números dão conta de que o Nordeste tem crescido mais que o Brasil.. cerca de 1% a mais. Além, é claro, da visão mais pontual e concreta, para além dos números que não deixa transparecer as mudanças que você aponta.
Agora, trata-se de uma apropriação (sempre) oportuna de uma crítica legítima. Claro, cada coisa a seu momento, é excelente que tenhamos atingido esse ponto.. mas alguém menos leviano e interessado poderia bem indicar, no mesmo espírito, que a empolgação com o novo status não pode mascarar as enormes conquistas que ainda temos que alcançar — infelizmente nós ainda vivemos num país das aparências, onde coisas boas podem e são costumeiramente usadas para mascarar e atenuar coisas detestáveis (e onde mesmo as melhores mentes se deixam enganar por tais expedientes).
Caio, jv e Leo,
Não é o caso de dizer que isso aqui é uma Suíça. Na verdade, é justamente por não dar para esperar que de repente tenhamos o IDH da Suíça que o artigo da Cantanhêde traduz uma grande má fé. Além, é claro, de ela simplesmente ignorar a evolução disso aqui nos últimos 10 anos.
Por isso o elogio é merecido, sim. Porque a diferença entre o antigo Nordeste — ou pelo menos o antigo Sergipe — e o novo é impressionante. Foi isso que me deixou bobo ao correr o serto depois de tanto tempo. E é isso que a Cantanhêde questiona ao se referir à “qualidade do desenvolvimento” que nos fez chegar à tal sexta posição econômica.
Porque é justamente essa “qualidade”, ou melhor, esse modelo, que faz a diferença. É porque os eixos mudaram que o Brasil continuou a crescer, mesmo com a crise. Esse é o ponto chave na diferença das políticas de desenvolvimento de Lula/Dilma, por exemplo, e o que veio antes. O Caio está completamente equivocado ao colocar FHC e Lula/Dilma no mesmo saco dizendo que uns são tão culpados quantos o outro– e ainda tirando o do FHC da reta. Eu achava que esse discurso já tinha sido provado errado desde 2008.
Ainda não é perfeito? Nem de longe. Ainda há miséria, e muita. Ainda há muita gente que não tem e não terá oportunidades de melhorar de vida. O jv lembrou o caos urbano que o desenvolvimento trouxe a cidades como Salvador e Recife (eu acho que mais Salvador que Recife, jv; a cidade hoje é intolerável), e a possibilidade de isso se estender a cidades como Aracaju, Natal, etc. Não se trata, novamente, de dizer que isso aqui é a Suíça. Nem o post disse isso. A questão é que o desenvolvimento foi aceleradíssimo nesses últimos anos, graças à mudança de paradigmas.
E além disso, certamente não é com a “qualidade” proposta nos programas eleitorais que o marido da Cantanhêde faz que isso vai melhorar ainda mais.
Onde já se viu o Brasil ser a quinta economia do mundo!!!
Ainda mais com um presidente semi-analfabeto e uma ex-guerrilheira no comando.
Imagina!!! – Se com um presidente multi escolado, verdadeiro farol cultural, éramos só a 15ª?!
Bóra já voltar pro fim da fila!!! Apaguem todo esse crescimento econômico e o sorriso da cara.
Meus e minhas, Eliane Catanhêde, cumpre um papel inglório de manter acesa as velas do velório tucano enquanto seu putrefato corpo ainda permanece insepulto.
Prezado Blogueiro
Vislumbro uma discrepância de escalas no seu ponto de vista. Não é de se esperar que o Brasil tenha o IDH da Suiça, e sustentar coisa do tipo revela má-fé. Mas é adequado comemorar que o PIB brasileiro ultrapassou o inglês e aproxima-se do francês, ainda que isso não signifique qualidade de vida. Não, não, isso é equivocado. São dois pesos e duas medidas, muito convenientemente manejadas.
E, sim, FHC tem muito mais méritos pelo estágio econômico que nos encontramos do que Dilma e Lula. Tivessem estes precedidos aquele, estaríamos mergulhados na inflação, no caos administrativo e no atraso.
É bastante interessante ver “jornalistas de oposição” usando o nordeste pra tentar criticar a política atual. Essa mesma imprensa pintou o mapa colorindo os estados distintamente na época da eleição, “culpando” o nordeste por eleger Dilma (um “jornalista” da Globo estava visivelmente abatido com resultado). Na época a desinformação (sim, afinal a maioria dos brasileiros, não apenas nordeste e norte, elegeu Dilma presidenta) fez borbulhar o sangue de gente como Maiara Petruso (alias, alguém tem notícia?).
meu caro blogueiro,
pela primeira vez acesso seu blog, e assim o fiz por acaso, já que fui direcionado através de um link. essas coisas da tecnologia que não tenho competência suficiente para entender a fundo. e por ser a primeira vez não conheço a sua ideologia,as sua trajetória, nada. Mas já posso concluir que vc está falando de um outro nordeste. não desse aqui onde eu moro. eu moro no nordeste, no maranhao ..isso mesmo na terra do sarney, dono do mar. e por aqui meu amigo, em que pese a constante propaganda dos governos – federal e estadual – a coisa não está facil. fosse eu um conhecedor profundo da obra de gonzaga, declamaria mil estrofes falando da crítica situação daqui. mas recorro ao maranhense de pedreiras, parceiro de Gonzaga, chamado joão do vale. Escute ‘CARCARÁ” e DEPOIS VENHA CORRENDO PRA CÁ. venha dar uma olhada de perto neste OUTRO nordeste. esse nordeste do SINA DE CABOCLO, que diz mais ou menos assim”Eu sou um pobre caboclo, Ganho a vida na enxada.O que eu colho é dividido Com quem não planta nada”, finalizando meu caro, acho que você está certinho, mas não critique a escritora…ela também está coberta de razão.
gostaria
Eliane Cantanhêde disseminou pela Folha de SP o medo com a “crise da febre amarela”.
Uma senhora idosa, que jamais pensou em sair da cidade de São Paulo, vacinou-se.
E essa senhora idosa morreu em decorrência da vacina indevida e desnecessária.
Alguém acha que Eliane Cantanhêde sente remorso ?
Alguém acha que Eliane Cantanhêde mudou seu comportamento ?
Eu não entendo… parece que a imprensa acha que engana muita gente, mas a maioria está vacinada quanto a esse tipo de artigo. Se eles falassem sobre a abertura escancarada de cursos de medicina que os dois presidentes (Lula e Dilme) estão promovendo (mas cursos com péssima qualidade) e será um dos grandes e únicos fiascos do governo do PT, talvez aí surtiria algum efeito…. mas escrever desta forma como ela fez já não surte mais tanto efeito… mas, sei lá, as vezes ela acha isso mesmo..
caraio …. quem é o marido da catanhêde?