Oi, Plataformista. 🙂
Discordar é legal. Eu vivo discordando. Mas acho que, infelizmente, gosto tanto que acabo sempre discordando de quem discorda.
Quanto ao “se”, você tem razão. Mas eu gosto de pensar que a história é uma sucessão de “ses” que se tornaram realidade. Parece poético. Independente disso, a importância da Revolução Americana é inegável. Ela não é exatamente menos estudada que a Francesa; é apenas menos estudada aqui. Tem uma coisa engraçada que dizem a respeito da banda Velvet Underground, considerada uma das mais influentes do rock: quase ninguém comprou o disco de estréia deles — mas todo mundo que comprou montou uma banda. O mesmo vale para os Estados Unidos. Bolívar se inspirou, por exemplo, no exemplo americano. Que também inspirou a Revolução Francesa.
Além disso, não se deve confundir a ignorância crassa do americano médio com os princípios da Constituição deles. Primeiro porque a informação é assim mesmo, corre dos países mais desenvolvidos em direção aos fins de mundo; não é uma via de mão dupla. Você sabe dizer, de primeira, qual a capital do Burundi? É, eu também não. Não sabemos porque não nos interessa, porque essa informação não faz diferença para as nossas vidas cotidianas, ou mesmo para o que consideramos intelectualmente relevante. Para os americanos, tanto faz se a capital do Brasil é Buenos Aires: é tudo um buraco pitoresco só. Até hoje só houve duas ondas de “brasilianismo” nos Estados Unidos, no pós-guerra como reflexo da política de boa vizinhança, e com a explosão da bossa nova após o show no Carnegie Hall, provavelmente a mais influente. Houve também uma tentativa de colonização da Amazônia no século XIX, mas isso é outra história.
Quanto aos princípios consitucionais, aí é outra conversa. É preciso comparar o momento da Declaração de Indepedência com a situação da Europa na época. Para começar, é fácil esquecer que originalmente os Estados Unidos eram uma experiência totalmente nova. Basicamente, estavam mais próximos da Comunidade Européia, com uma série de Estados — no sentido de países — federados do que, por exemplo, do Brasil (cuja república originalmente se chamava Estados Unidos do Brasil e tinha, em vez de governadores de estado, Presidentes; mas já era um sistema totalmente deturpado em relação ao original), ou mesmo dos próprios Estados Unidos atualmente. Esse espírito só foi acabar definitivamente quando Lincoln rasgou a constituição e impediu a secessão dos estados do Sul.
E tem a questão da liberdade. Para a época, aquilo era o máximo a que se podia aspirar, e mesmo hoje são princípios absolutamente válidos. Aquele era um lugar onde não se precisava de autorização para ir e vir, onde a liberdade de iniciativa era tolerada e incentivada. Não tinha nada a ver com Estados militarizados como a Prússia, por exemplo.
Com o tempo vai-se dando mais ênfase ao outro lado da história. Por exemplo, a abertura dos territórios onde hoje é Oklahoma (tem um filme do Tom Cruise e da Nicole Kidman que fala sobre isso; o filme é uma droga, tanto do ponto artístico como histórico, mas ilustra bem o caso) sempre foi propagandeada como uma prova da democracia e liberdade americanas. Aí vem o outro lado e diz: “é, mas só funcionava para quem tinha cavalos ou carroções”, ou seja, para a classe média em diante. Os dois lados não deixam de estar certos. Mas o fato é que é um sistema muito mais democrático, por exemplo, que o sistema de capitanias hereditárias brasileiro, que até hoje tem seqüelas. Ou o sistema aristocrático europeu, que acabou implodindo após a Revolução Francesa.
Aí pela metade do século XIX Marx dizia que os Estados Unidos poderiam oferecer uma alternativa interessante. Certamente não era a respeito do sistema econômico que ele se referia, e sim ao conceito de liberdade.
É fácil dizer que é um país hipócrita, principalmente depois que os EUA entraram em sua fase imperialista a partir de Ted Roosevelt. E hoje até que é, mesmo; o que assusta é que a onda neo-conservadora, que vem desde Reagan, tenha perdido toda e qualquer vergonha de mascarar sob um véu de humanismo seus interesses econômicos. Mas mesmo isso não deve nos fazer esquecer que a idéia de liberdade individual acima de qualquer coisa é uma conquista histórica muito, muito importante.