Robertinho do Recife

O mais engraçado é que, numa eleição mambembe d’O Globo para elegerem os melhores guitarristas brasileiros, aconteceram os mesmos erros.

Tudo bem; Pepeu Gomes conseguiu um digno empate em primeiro lugar com mais 4 guitarristas. Mas o total esquecimento de Robertinho do Recife é uma injustiça imperdoável. Só porque o rapaz é maluquinho de pedra.

E Armandinho. Como alguém pode esquecer Armandinho é um mistério para mim.

While my guitar gently weeps

A Rolling Stone publicou uma lista dos 100 melhores guitarristas da história. O primeiro lugar, óbvio, fica com Hendrix, seguido de Duane Allman, B.B. King, Eric Clapton, Robert Johnson e Chuck Berry.

Até aí a lista está corretíssima. É depois disso que os erros absurdos começam. George Harrison vem em 21o, atrás de gente como o mundialmente desconhecido Richard Thompson. Só para lembrar: George foi o guitarrista solo da banda mais influente de todos os tempos. Sendo ou não genial, só por isso foi um dos guitarristas mais influentes de todos os tempos, e ponto final.

A lista de gente boa que vem atrás de mediocridades é impressionantemente alta. Dick Dale em 31o, Pete Townshend em 50o, David Gilmour em 82o, Eddie Cochran em 84o, Angus Young em 96o.

Django Reinhardt sequer aparece. E John McLaughlin, provavelmente o guitarrista mais importante do fusion, vem lá atrás, como uma humilhação não merecida.

Mas o que mais dói em mim, mesmo, é ver Scotty Moore em 44o. O sujeito, guitarrista de Elvis no tempo em que The Pelvis fazia a diferença, foi um dos mais inventivos guitarristas do rock and roll. E no entanto alguns idiotas acham que Brian May é melhor e mais influente do que ele.

Deve vir logo uma lista dos 100 maiores baixistas. E deixa eu avisar uma coisa: só admito que Paul McCartney perca o primeiro lugar para John Entwistle, do Who, ainda que não concorde com isso. E mesmo assim porque essas listas são sempre pessoais.

Por que Benedita deve pedir para sair

Os jornais de hoje trazem como manchete a acusação do advogado da ministra Benedita da Silva de que a Comissão de Ética do Governo não é composta por gente com autoridade moral suficiente para dar lições de ética à ministra, aquela que resolveu orar na Argentina enquanto metia a mão no Erário.

Há algo de muito errado quando um membro de um governo coloca em dúvida a honestidade dos outros. O advogado de Benedita, que tem procuração legal para agir em seu nome e portanto é Benedita, chamou todos de desonestos. Por muito menos os “radicais livres” foram defenestrados.

As outras acusações do advogado são curiosas, coisas de advogado burro que não sabe até onde ir. A mais engraçada diz mais respeito ao seu senso de ética que à sua inteligência: “Fizeram um incêndio, um verdadeiro escândalo por uma quantia ridícula de R$ 3 mil de uma viagem a Buenos Aires.”

Alguém deveria dizer a esse advogado que, em primeiro lugar, essa quantia que ele chama de ridícula é mais do que dezenas de milhões de brasileiros conseguem ganhar em um ano de trabalho duro. E que não é o valor que importa: é o fato de esse dinheiro não pertencer a Benedita, e sim ao povo brasileiro. Eu, por exemplo, não simpatizo muito com a idéia de ela usar o meu dinheiro para dar suas oradas. Sempre achei que os evangélicos já tinham bastante dinheiro, aquele que tiram do bolso dos ot… ops, fiéis. Não precisam roubar o meu.

Um governo que se diz ético não pode se dar ao luxo de ter entre seus integrantes alguém que tem o péssimo costume de achar que dinheiro público pode ser usado para fins particulares, desde que seja um “valor ridículo”.

Se já esqueceram, é bom lembrar que não é a primeira vez que Benedita faz essa mistura pouco saudável entre dinheiro público e assuntos de sua igreja. Quando era vice-governadora ela cometeu a mesma confusão. O pior é saber que ela faz isso não por ser ignorante e não saber que o Brasil é um Estado laico, mas sim porque sabe muito bem qual é seu principal reduto eleitoral.

Por tudo isso, pela palhaçada que está cometendo e pela capacidade de se complicar ainda mais, Benedita deveria sair do governo.

Mamonas Assassinas

Estava ouvindo os Mamonas Assassinas hoje. Eu realmente gostava daquela banda. “Pelados em Santos” foi uma das músicas mais engraçadas que ouvi nos últimos anos. Qualquer pessoa que saiba o que é povo se reconhece naquela música, ou conhece alguém que é assim. Ou “Chopis Centis”: “A felicidade é um crediário nas Casas Bahia” é brilhante.

Os Mamonas eram engraçados e leves, escatológicos às vezes. Eram deboche puro, e não tentavam se levar a sério, como por exemplo o cearense Falcão, que faz questão de deixar claro que está fazendo uma caricatura do brega e que é um sujeito inteligente e preparado.

Eu não costumo sentir a morte de gente famosa, e sempre há algo engraçado na cobertura da mídia. A de Senna me garantiu risadas para uma semana — não por ele (as piadinhas de humor negro só apareceram algum tempo depois), mas pelo bando de desocupados que lotou as ruas durante seu funeral, como se fossem as suas mães naquele caixão. Mas o picadinho de mamona me deixou triste. E foi quando eu percebi que Tom Jobim, afinal, estava errado quando disse que brasileiro não gosta de quem faz sucesso.

Gosta, sim. E gosta muito. A comoção causada pela morte dos Mamonas foi porque eles eram jovens, faziam muito sucesso e tinham um futuro pela frente. Todo mundo gostava deles, mesmo que não gostassem de sua música. E gostava porque eles mostravam que era possível fazer sucesso traduzindo um pedaço do espírito do brasileiro, ainda que debochando justamente desse povo. Pelo menos aparentemente, eles eram o vizinho do lado que tinha se dado bem.

Do que o povo brasileiro não gosta é de gente metida que parece se achar melhor do que ele. E disso Tom não sabia.

Mandarim

Em “O Pai Goriot” Balzac faz seu personagem Rastignac passar por um pequeno teste ético.

Imagine que nos confins da China há um velho mandarim. Ele é muito, muito rico. Agora imagine que, com apenas um pensamento, você pode matar o velho e herdar toda a sua fortuna.

Você pode racionalizar como quiser. Ele é muito mau. Muito velho. Muito doente. Sozinho. Ninguém jamais descobrirá que você foi o responsável pela sua morte.

A questão é: você mataria o seu mandarim?

E a quem interessar possa: eu já estou no qüinquagésimo oitavo mandarim.

De advogados e outros animais

Sempre achei que a principal razão para não ter concluído o curso de direito era o fato de me achar honesto e ético demais para ser advogado, juiz ou promotor.

Ou porque sempre achei que o exercício do direito (com D maiúsculo, como querem os “operadores do direito”, como se esse detalhe fosse dar dignidade à sua profissão) exigia a mais rasteira das inteligências, que basicamente consiste em não estragar o que os outros fizeram antes de você.

Mas agora, pensando nisso, descobri que há um outro motivo para a minha antipatia: o desprezo com que a raça trata o português. Pior: pensando que estão sendo brilhantes quando estão apenas sendo pernósticos e obtusos.

O português é uma língua gostosa como uma mulata do Pelourinho, feita para ser tratada com carinho e doçura, em diminutivos carinhosos; e não com mesóclises que mais parecem um estupro.

Logo no começo da faculdade fui obrigado a ler o livro (quer dizer, pedaços do livro) de um sujeito chamado Carlos Maximiliano. Esse macróbio é idolatrado no curso de direito, mas só porque advogados são antas ignorantes: Carlos Maximiliano foi quem arranjou o casuísmo legal que possibilitou a Getúlio Vargas mandar Olga Benário para o forninho na Alemanha de Hitler. Ele era conhecido como o “príncipe dos hermeneutas”; eu não perdia uma chance de chamá-lo de “príncipe dos apedeutas”.

Em vez de escrever, o retardado resolvia dar aulas de arcaísmo e de conhecimento da língua portuguesa. Ele não era só canalha; era um chato, e isso é pior, muito pior.

Como minha passagem pela faculdade foi pouco comum, não agüentei o dia em que minha professora leu um trecho daquele livro insuportável, em que o desgraçado se referia a ser “ofuscado pelas nuvens” de alguma coisa. “Professora, esse príncipe dos apedeutas escreve difícil, mas é burro como uma porta. Nuvens não ofuscam. Nuvens obnubilam”.

Acho que ela nunca entendeu o ponto que eu tentava defender.