Macróbios

Só há uma explicação para a suspensão das pensões dos velhinhos com mais de 90 anos pela Previdência Social, e certamente não é a oficial.

Eles devem estar tentando ver se os desgraçados, que insistem em continuar vivos após o fim do prazo de validade, morrem logo, do coração. Ou de desgosto. Ou de qualquer coisa, contanto que morram de uma vez.

Bildungsroman

Jeová nasceu em uma família simples no Oriente Médio há uns 5 mil anos.

Apenas mais um deusinho, um entre tantos, indistinto em meio a uma variedade de outros deuses.

Com um pouco de imaginação pode-se imaginar como foi Sua infância, a construção dos ritos, do princípio de arcabouço dogmático.

Os filhos de Abraão se reproduziam como coelhos, e a família virou tribo e a tribo acabou virando nação.

E então Jeová cresceu e virou Deus.

Satyricon

Quando eu eu era pequeno e comecei a ler sobre a decadência de Roma numa velha enciclopédia Delta Larousse de História, aquilo me deixava profundamente triste. Era melancólico ver o maior império que o mundo já tinha visto desmoronar daquela forma. Era triste ver Cômodo como sucessor de Otávio.

Mas pensando bem, deve ter sido justamente aquele período de decadência e corrupção em que foi melhor viver em Roma. Uma sociedade rica e sofisticada a ponto de se permitir todo e qualquer desregramento, todo e qualquer supérfluo. Para aqueles privilegiados que podiam viver Roma de verdade, aquele pode até ter sido o pior dos tempos. Mas foi, com certeza, o melhor dos tempos.

Nero e Roma em chamas

Eis um personagem que me fascina: Nero. Enquanto outros imperadores romanos são interessantes apenas pelo nível de ridículo e degradação a que conseguiram chegar, como o travesti Heliogábalo, ou pela loucura do poder, como Calígula ou Caracala, Nero é uma das personalidades mais complexas de que ouvi falar, e provavelmente uma das mais injustiçadas.

O primeiro motivo pelo qual gosto daquele gordinho é Agripina. O pobre do Nero tentou matar sua mãe duas vezes: primeiro fez com que o navio em que ela estava afundasse; a desgraçada nadou até terra firme. Então Nero mandou Herculéio e Obarito darem um jeito na velha: uma paulada e uma estocada deram finalmente conta do serviço.

Um sujeito capaz de matar a própria mãe (embora quase em legítima defesa) tem que ser, se não admirado, pelo menos respeitado.

O segundo é o fato de que nenhum outro imperador foi tão caluniado quanto ele. Até do incêndio de Roma o culparam. Nero foi tão pichado por uma razão simples: grande estadista, fez um governo demagógico e populista, e ao tentar agradar excessivamente ao povo, caiu em desgraça junto à elite de Roma.

Mas a verdadeira razão pela qual ele passou à história do jeito que passou foi o incêndio de Roma, e a culpa que teria colocado nas costas dos cristãos. E foram eles, os cristãos, que deram a Nero a fama monstruosa que perdura até hoje.

A história cristã — ou seja, a história dos vencedores — conta que os cristãos foram perseguidos por Nero, e esse mito ficou. Não há nada mais deturpado do que essa versão. Roma era o paraíso da tolerância religiosa; alguém já viu a sede de um império ser sectária? Historicamente, quem tem a mania de perseguir os outros são os cristãos, com sua fixação em fazer proselitismo o tempo todo e exigir que mesmo aqueles que não querem a Salvação vejam a Luz. Mania chata, essa. Uma olhada no que sobrou dos autos após o incêndio mostra que, se alguns cristãos foram considerados culpados por Nero, acertada ou erradamente, a perseguição não se estendeu ao grupo como um todo (em 64 São Paulo estava na cidade e sequer foi investigado, por exemplo). Além disso, o êxtase público que alguns fanáticos demonstraram em ver a nova Sodoma em chamas era bastante suspeito.

Os cristãos, em sua luta para chegar à proximidade do poder romano, assumiram muitas de suas opiniões; e a opinião romana sobre Nero, com certeza, era das piores. O resultado foi um rei que, embora longe de ser decente, não chegava a ser o Anticristo como alguns julgaram, e que passou à história como o bandido que não era.

Mas pensando bem, poucas imagens são tão fantásticas e belas como aquela de Nero tocando harpa iluminado pelas chamas que lambem a sua cidade. E daí que seja mentirosa? Tem toda a beleza da loucura, da devoção à arte, daquela estilização extrema a que o ser humano pode chegar em sua apreciação estética do mundo.

Talvez, lá fundo, a história tenha feito justiça a Nero. Ars gratia artis.

Daniel Boone

Durante a segunda metade da década de 70, eu tinha um seriado preferido: “Daniel Boone”.

A última vez que vi um episódio de “Daniel Boone” foi em 81. Mas nunca esqueci os nomes dos personagens, e nem mesmo dos atores (com a vergonhosa exceção do ator que fazia Mingo, um cantor relativamente famoso em sua época chamado Ed Ames; só pode ser racismo). Lembrava até da música: “Daniel Boone was a man, yes a big man, with an eye like an eagle and as tall as a mighty oak tree…

O Daniel Boone do seriado, claro, tinha pouco a ver com o original, um sujeito cuja vida foi interessantíssima, tanto no papel determinante na expansão americana quanto nos processos por desonestidade a que teve que responder. Eu tampouco sabia que a razão do seriado tinha sido a febre nacional que Davy Crockett havia causado nos EUA, na década anterior, por causa de um filme em que o próprio Walt Disney, produtor, tinha escolhido Fess Parker. (O verdadeiro Davy Crockett, herói nacional, foi morto no Álamo, enquanto os americanos tentavam roubar o Texas dos mexicanos.)

Mas naquela época isso não importava absolutamente nada. O que importava é que aquele seriado era o melhor da TV, para mim. Mesmo correndo o risco de ser piegas ou bobo, até hoje considero os valores ensinados pelo seriado como extremamente válidos. E ainda que não fossem, tudo o que eu queria ser era um novo Daniel Boone, usar um daqueles chapéus de pele de racoon e ter aquela ruiva belíssima, Patricia Blair, como mulher.

Aquele era um tempo diferente, sem dúvida. E hoje, quando vejo o o público tendo que se limitar a crônicas da histeria trintona urbana como Friends ou aos Bob Esponjas da vida, acho que a minha infância foi abençoada.

Comentários sobre os comentários sobre os judeus

Bem, tem alguns comentários que eu queria fazer sobre os comentários do post seriado sobre os judeus, que não caberiam naquele espaçozinho.

Plataformista, o que torna o Holocausto algo singular não é o número de judeus mortos, mas o fato de se montar uma máquina bem azeitada com a única finalidade de matar um povo, pelo único crime de serem de uma etnia específica (lembre-se que ser judeu diz menos respeito a religião que à sua noção de nação e etnia). A escravidão no Novo Mundo matou mais gente, no total, mas seu objetivo não era a eliminação dos negros, e sim seu aproveitamento econômico.

A idéia de se matar seres humanos, naquela escala e de forma industrial, é única na história da humanidade.

Além disso é sandice dizer que negam a civilização como ela é. Independente de sua crença religiosa, Plata, você carrega a tradição e os valores judaico-cristãos nas suas costas, queira ou não. Eles são a civilização ocidental.

Quanto às guerras entre árabes e judeus, se não me engano a primeira agressão partiu dos árabes (não tenho certeza; posso estar errado). O que vem depois é conseqüência. O que torna Israel um Estado odioso — e ultimamente um Estado racista e genocida que não deixa nada a dever ao III Reich — é a forma como vem se comportando desde a ocupação da Cisjordânia. A propósito, os judeus estavam ali desde antes da criação de Israel, antes que esse assunto venha à tona. Têm todo o direito de estar ali.

Ao mesmo tempo é meio irritante, mesmo, essa idéia de que judeus são eternas vítimas e sempre bonzinhos; há alguns ecos disso no que o Alter diz. Não são. São gente como eu, e eu não sou bonzinho. Nos últimos 50 anos essa propaganda pró-judaica vem tomando corpo (ajudada por Hollywood, claro; dê uma olhada na ficha técnica de qualquer filme para entender a razão destes parêntesis), e é tão inverdadeira como as bases sociológicas do anti-semitismo nazista.

Paulo, se a gente conclui que o cristianismo é bom porque dura 2 mil anos, além do que o Alter falou posso concluir também que a escravidão como um conceito socialmente aceito também é boa, porque vem durando muito mais que isso, né?

De qualquer forma, o cristianismo não durou tanto tempo somente por sua força como sistema dogmático ou justeza divina, mas porque politicamente os cristãos foram inteligentes e perseverantes. Enquanto os judeus não faziam proselitismo, os cristãos decidiram que todos deveriam ser cristãos. Inclusive Constantino. Principalmente Constantino. Além disso, em seu furor evangelizador, o cristianismo patrocinou e deu justificativa moral à expansão européia, como se pode ver pelas cruzadas, pelo genocídio dos índios brasileiros, pela conquista dos astecas, e tantos outros exemplos. A habilidade cristã em chegar ao poder político é o principal fator determinante de sua permanência.

(Antes disso, no entanto, vem um dos meus heróis, São Paulo, provavelmente mais importante que Jesus na história do cristianismo. Mas isso já é assunto para outro post.)

Como jogar um livro fora

Durante muito tempo tive um sentimento meio calvinista em relação a livros. Se eu começava a ler tinha que terminar, não importava quão ruim fosse o livro em questão.

Foi preciso Salman Rushdie para me libertar dessa maldição.

Não sei se alguém ainda lembra, mas em 1989 um livro de Rushdie, The Satanic Verses, foi condenado pelo aiatolá Khomeini e seu autor marcado para morrer, porque o consideraram ofensivo ao Islã.

No Brasil o livro só foi lançado no meio da década de 90, provavelmente por covardia. Mas Portugal editou o livro naquele mesmo ano; eu comprei em 90.

É preciso explicar uma coisa: o livro foi traduzido no Brasil por “Os Versos Satânicos”, culpa de algum repórter meio analfabeto em inglês, e a tradição ficou quando o livro foi finalmente traduzido aqui. Acontece que verse, em inglês, significa também versículo — como os da Bíblia. E era esse o significado original do livro: “Os Versículos Satânicos”. Foi traduzido assim em Portugal.

As pessoas podem acusar Khomeini de qualquer coisa, menos de que ele era burro. Ele percebeu a verdade, e qualquer leitor desavisado percebe também nas primeiras 30 páginas do livro: a intenção de Rushdie era provocar, mesmo. O livro inteiro era uma grande provocação. É ofensivo a Maomé e a praticamente tudo o que diz respeito ao islamismo.

Claro que nada justifica a atitude de Khomeini. O cristianismo, por exemplo, agüenta insultos piores tranqüilamente. E a liberdade de expressão é um direito sagrado no Ocidente. Mas nunca é demais lembrar uma lição que mamãe me ensinou: nunca cutucar uma onça com vara curta.

De qualquer forma, “Os Versículos Satânicos” foi uma obra libertadora em minha vida. Lutei, enfrentei briosamente aquele livro — mas aí pela página 100 eu simplesmente não agüentei. Tive que confessar que aquele era um dos livros mais chatos que já lera em toda a minha vida, a começar pelo estilo, uma derivação bastarda de Joyce e Faulkner. E pela primeira vez em toda a minha vida desisti conscientemente de um livro. Como dizia Dorothy Parker, “este não é um livro para ser posto de lado. É para ser jogado fora, com toda a força”.

É. Eu devo muito a Rushdie. E sempre agradeço a ele quando me defronto com um livro ruim. Para alguma coisa aquele feioso tinha que servir.

Sweet November, uma era depois

Doce Novembro” é o remake de 2001 de um pequeno grande filme de 1968, “Sweet November“. Fã da primeira versão, evitei ao máximo assistir à refilmagem. Mas a curiosidade falou mais alto.

Sweet November falava de uma mulher, Sara Deever, que a cada mês se dedicava de corpo e alma a um homem que ela julgasse ter problemas. Ela conhece Charlie Blake, um pequeno industrial workaholic, e pasam o mês de novembro juntos. Obviamente Charlie Blake se apaixona por Sara, e fica sabendo que ela age assim porque tem uma doença incurável e essa foi a forma que encontrou de fazer o máximo do tempo que lhe sobrou, de sobreviver na memória daqueles que a conheceram. Mesmo apaixonada por Charlie, Sara continua em seu projeto de (resto de) vida. O filme termina com Charlie indo embora enquanto Sara recebe o seu dezembro. Ele é forçado a respeitar a vontade de Sara. E finalmente compreende o que tudo aquilo significou, para ele e para ela.

A versão atual teve seu título traduzido literalmente, enquanto o original ficou conhecido por aqui como “Por Toda a Minha Vida”. E, pelo menos no começo, tem até alguns pontos melhor resolvidos que o original, e durante essa parte as atualizações da trama são aceitáveis. Mas o filme não demora a cair no excessivamente piegas, no velho cinemão de Hollywood.

Eu não queria ver o remake porque achava inacreditável que, em 2001, um filme sobre amor livre fizesse algum sentido. Se “Por Toda a Minha Vida” era um dramalhão, como querem alguns, ao menos estava perfeitamente inserido no contexto de sua época, em que se questionava a moral sexual vigente. Querendo ou não, “Por Toda a Minha Vida” defendia um ponto: o de que sexo podia ser bom e saudável, mas não era, decididamente, a coisa mais importante do mundo. Para um mundo que saía da moral hipocritamente rígida dos anos 50, era algo que fazia todo o sentido.

33 anos depois houve uma inversão em tudo isso, e para pior. Desde o início, a questão sexual é tratada com cuidado excessivo. Por exemplo, Sara não pega um homem diferente a cada mês. É uma forma de preservá-la, de torná-la menos promíscua — o que, por si só, mostra que o enfoque é totalmente diferente do original.

O filme mostra também o início do fim de Sara, deixando claro Nelson Moss será o último homem em sua vida. Se nos anos 50 era importante ser o primeiro, nos anos 2000 importante mesmo parece ser o último — o porto seguro, o fim da jornada. A morte de Sara Deever santificará o seu amor.

Essa é apenas uma inversão da moral sexual dos anos 50, e não uma transformação real, como pretendida durante a revolução sexual. De certa forma, a visão do século XXI é tão conservadora quanto a da era Eisenhower. Talvez mais. É isso o que torna “Doce Novembro” um filme ruim. É uma enorme traição ao filme original, e a destruição de tudo o que fazia daquele filme algo curioso e interessante.

(O filme, o original, é um dos meus preferidos. Mas Roger Ebert não pensa assim. O New York Times também não. A Rolling Stone também não. Pensou em mais alguém? Pois é, ele também não gostou.)

A maresia da Piovani

Luana Piovani é o que os anglo-saxões chamam de media whore — alguém incapaz de peidar sem que haja um repórter por perto.

É assim que um grande número de artistas sustentam suas carreiras e, no fundo, não é nada tão ruim (nem importante). Mas o bafafá em torno do uso de maconha pela moça é curioso. Já teve gente querendo que ela fosse presa por apologia ao uso de drogas.

Sem contar o seu mau gosto (que me perdoem os chincheiros, mas maconha fede e emburrece) não custava nada lembrar que o ex-presidente Fernando Henrique também fumou. Clinton também — mas esse não tragou. Depois Clinton se dedicaria à fina arte de apreciar um charuto, mas essa é uma outra história.

Ser baiano

Achando graça em um post da Dani, em que para dizer que ser recifense é ser isso e aquilo ela investe desnecessariamente contra a velha e boa baianidade, dizendo que ser recifense é “ter orgulho de dizer que o sonho do baiano é ser carioca e o do cearense é ser pernambucano”.

Pois é, Dani. A verdade é que a gente não sabe o que é ser baiano, porque normalmente temos outras coisas para adiar, e nossos próprios umbigos para admirar. Dizem que o Rio é lindo; mas em nossa sabedoria, sabemos que lindo mesmo é uma neguinha da bundinha empinadinha, quebrando numa roda de samba na Engomadeira.

Mas vamos lá, vamos tentar definir. Ser baiano é… Ser baiano é… Olha, minha preta, deita aqui do meu lado, faz um cafuné em mim e depois a gente pensa no assunto, tá?

Ou não.