Ata de fundação da Brigada Humphrey Bogart

The Lancet, jornal médico inglês famoso em todo o mundo, pediu em editorial que a Inglaterra proíba definitivamente o cigarro em terras do Príncipe Tampax.

É claro que cigarro incomoda os não-fumantes, e a maioria dos tabagistas tenta chegar a um meio-termo na convivência com o resto do mundo. As exigências de não fumar em lugares fechados, e outras do mesmo tipo, são razoáveis e justas.

Mas o rebaixamento do cigarro ao mesmo nível legal da maconha é um abuso que não pode ser tolerado. O principal argumento contrário é que isso, em primeiro lugar, cria um mercado imensurável para o crime. E eu, pelo menos, não consigo me imaginar subindo o Pavão-Pavãozinho para comprar um maço de Kent, provavelmente falsificado no Paraguai e custando 5 vezes mais.

O mais preocupante, mesmo, é que essa perseguição cria um precedente perigoso no cerceamento da liberdade individual, o que parece cada vez mais comum na era Bush. Do jeito que as coisas vão, daqui a pouco vão probir homossexuais de fazerem sexo; e vão arranjar alguma razão científica para isso.

Se o pedido viesse dos EUA não seria uma surpresa tão grande. Uma terra que começou a ser colonizada por gente que se recusava a deixar de perseguir os outros só podia ser assim. Essas atitudes histéricas são típicas dos puritanos, de gente que tem uma visão de vida e exige que o resto do mundo compartilhe dela. Eles não têm mais católicos e judeus para perseguir, japoneses são ricos demais, então restariam os tabagistas, essa escumalha de desgraçados fedorentos.

O que não se poderia esperar é que essa atitude viesse justamente da velha e civilizada Europa. Mas cada vez mais os bretões, em tempos idos um povo orgulhoso e altaneiro, se resignam em ser capachos de sua ex-colônia. Tudo bem. Cada povo tem o destino que merece. Um povo que não gosta da França só podia dar nisso. Não é à toa que uma ex-ministra francesa disse que 1 em cada 4 ingleses dá ré no quibe. Só pode ser falta de mulher bonita. É o clima horroroso. É a comida insuportável — o que dizer de um país cujo prato nacional é o peixe com fritas? Esses desocupados deveriam continuar fazendo suas pesquisas bisonhas sobre o id das baratas em vez de vigiar os pulmões dos outros.

Bem, é melhor parar com isso. Pequenas ofensas e deboches não valem a pena, neste momento em que a liberdade está seriamente ameaçada.

Se é guerra que querem, guerra eles terão. E começo por anunciar, aqui e agora, a fundação da Brigada Humphrey Bogart.

A Brigada Humphrey Bogart será um grupo de tabaco-terroristas, que se quer financiado pela Souza Cruz e pela Phillip Morris, cuja missão é defender a liberdade do consumo de nicotina em todo o mundo. Será baseado em Paris, terra dos Gitanes e dos Gauloises e da Juliette Binoche, e dedicará sua vida a ações terroristas contra esses governos totalitários, inimigos da liberdade e patronos da estupidez persecutória.

Inspirados no velho “Anauê!” dos integralistas, já temos o nosso grito de guerra: “Cof, cof!”. E nada, nem mesmo um enfisema, conseguirá nos impedir de derrotar a opressão.

Os biriteiros derrubaram a Lei Seca nos Estados Unidos. A Brigada Humphrey Bogart defenderá o direito de centenas de milhões de fumantes de exercerem a sua plena liberdade.

E se a guerra recrudescer, estaremos preparados para tudo. Até para atos vis como dar cigarros a criancinhas.

Avante, fumantes de todo o mundo!

À vitória!

Mainardi

Não sei a razão, mas no meu clã não há deficientes físicos. Por outro lado, talvez por alguma lei divina de compensação, a esmagadora maioria é deficiente mental.

Mesmo assim, mesmo sem ter convivido de verdade com essa situação, deu para sentir exatamente o que o Diogo Mainardi sentiu ao tentar matricular seu filho numa escola aqui no Rio, episódio que ele relatou em sua coluna na Veja desta semana e onde, felizmente, dá nome aos bois.

Não gosto do Mainardi, como já disse aqui. Eu o acho um polemista fútil, amante da polêmica pela polêmica. Sou fã é do seu pai, um dos maiores publicitários que o país já viu (“Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”). Mas faz muito tempo que não vejo um artigo com uma capacidade tão grande de provocar indignação, revolta e simpatia.

"Ensina-me a viver"

Cinco da manhã e eis-me em pé, terminando de assistir a “Ensina-me a Viver“.

Eu tinha dúvidas se incluía o filme entre a minha lista de 100 melhores filmes. Revê-lo me fez ter duas certezas: não, ele não está entre os que eu considero os 100 melhores, mas é certamente uns dos 10 que mais gosto.

O filme conta a história de Harold, um garoto mórbido fascinado pela morte — ou melhor, pela idéia de fim –, e seu encontro com Maude, uma velhinha às vésperas de completar 80 anos, que adora a vida. O filme inteiro é sobre como Maude ensina Harold a amar a vida, um amor verdadeiro, gratuito e plenamente consciente de sua transitoriedade. Um aprendizado torto; é curioso que o que atrai Harold em Maude é o fato de que ela também é algo próximo do fim.

“Ensina-me a Viver” é, principalmente, uma celebração da vida, por mais heterodoxa que ela possa ser.

Ideologicamente é um filme típico do início da década de 70, herdeira direta do flower power. Ou seja: apresenta ao mundo, até com certa ingenuidade, uma ética ingênua e idealista, em choque direto com o establishment — que em várias cenas é representado por Nixon, por Freud e pelo papa.

Há algumas cenas antológicas: aquela em que o padre quase vomita imaginando uma relação sexual entre entre Harold e Maude; quando Harold mostra o absurdo da guerra; e as cenas de suicídio de Harold em contraste com a indiferença de sua mãe, já acostumada à “excentricidade” do filho.

O filme não entra na lista de 100 melhores porque algumas seqüências, principalmente no final, são mal resolvidas. Às vezes é difícil crer nos personagens, de tão absurdos que podem parecer. Mas se você desarma o coração, este se torna um filme absurdamente fantástico.

Idéia para um novo blog velho

Assim que tiver tempo, vou começar um novo blog. Algo com tintas de Glauber Rocha.

Vai ser destinado à terceira idade, em direção à qual sigo lenta e inexoravelmente. Será uma visão contemplativa da passagem do tempo, e uma constante reflexão acerca da falibilidade e da angústia humanas diante da proximidade da odiada das gentes.

O endereço vai ser www.kkk.blogger.com.br

O nome vai ser “Keda, Katarro e Kaganeira”.

Mais Paris Hilton

Paris Hilton é o conjunto de palavras mais procurado na Internet ultimamente, e o que mais traz incautos a este blog.

Então deixa eu provocar um pouco mais, colando aqui a transcrição do sketch dela no Saturday Night Live do sábado passado (lá, não aqui):

Tina Fey: Paris Hilton is a name that’s on everyone’s lips these days. Here now in an exclusive interview with Jimmy Fallon in Paris Hilton.
Jimmy Fallon: Thanks for coming on.
Paris Hilton: Nice to be here.
JF: So, we agreed, we won’t be discussing the scandal that’s been in the papers the past couple weeks.
PH: I appreciate that.
JF: We want to find about you, Paris Hilton. Your family…the Hiltons own hotels all around the world.
PH: Yes, in New York, London, Paris.
JF: Wait, there actually is a Paris Hilton?
PH: Yes, there is.
JF: Is it hard to get into the Paris Hilton?
PH: Actually, it’s a very exclusive hotel, no matter what you’ve heard.

Se Paris Hilton tivesse nascido na minha terra, as senhoras de certa idade, experientes em relação à vida, simplesmente olhariam para ela com cara de censura e diriam, balançando tristemente a cabeça: “Se respeite, menina…”

Ao panamá

Que voltem os chapéus.

Chapéus são necessários. Mas isso vai além da sua necessidade óbvia e mesquinha, a mera proteção contra o sol. Que não nos restrinjamos às obviedades, porque o que está em discussão aqui é algo mais que isso; é o que nos faz humanos, é a busca e a necessidade do supérfluo. Não é por serem úteis que chapéus são importantes. É por serem belos.

Ah, que se olhem as fotos de 50 anos atrás. Homens em ternos de linho muçulmanicamente branco, preces vivas a Oxalá e um desafio mudo ao calor dos trópicos, traziam nas cabeças seus chapéus, faziam deles extensões de sua personalidade, e em retribuição amorosa eles moldavam-se com tamanha perfeição ao seus donos que muitos deles não podem ser sequer concebidos com a cabeça descoberta.

Um chapéu deve ser visto como uma gravata; algo cuja única finalidade realmente importante é estética, é diferenciar um ser humano de outro. Não precisa de uma razão de ser, além da certeza de que, delicadamente pousado sobre uma cabeça, é um elemento que revela a superioridade humana sobre o resto da Criação.

Em vez disso, o que temos hoje? O boné. Arremedo mal ajambrado, primo pobre envergonhado de seu passado majestoso, medíocre em sua pala, emblema estúpido dos bebedores de cerveja sem cérebro. Ou ainda o único sobrevivente que mantém uma semelhança razoável com seus antepassados, o Stetson americano, que grita histericamente a um mundo exalando estrume que o seu portador é um vaqueiro.

Esses são bastardos, indignos de sua herança, porque sinalizam que seus donos fazem parte de uma tribo, qualquer tribo. São a negação do espírito do chapéu, porque apontam para o coletivo. O verdadeiro chapéu é símbolo da singularidade, da consciência tranqüila de que não interessa que sejam apenas um grão de areia no Cosmo — porque o que é realmente importante é que é um grão de areia único, seja qual for o seu tamanho. A importância de um dono de chapéu não está nos outros; está em si mesmo.

Que voltem os chapéus — os panamás a zombar do sol, os chapéus de feltro em cores discretas e circunspectas, até mesmo o chapéu coco inglês. As cabeças dos homens foram feitas para algo mais que apenas pensar.

Donzelas em perigo

Uma pesquisa da revista Glamour e da MensHealth.com descobriu, entre outras coisas, que os homens ainda preferem casar com virgens. 63%.

Meninas, vocês se ferraram. Vão todas pro caritó.

Mas calma, ainda há esperanças: as respostas incluem a informação de que 86% dos homens nunca fizeram sexo com prostitutas, 20% já fizeram uma suruba, e a maioria prefere a paz no mundo a ser o feliz dono de um pênis maior.

Portanto, se eles mentiram tanto a respeito dessas coisas, devem ter mentido a respeito da virgindade também.

Vocês ainda estão no jogo.

Dickens

Todo mundo cita Shakespeare. É chique. Eu também cito Shakespeare. A diferença é que eu só sei uma citação: Frailty, thy name is woman, de Hamlet, que uso para toda e qualquer ocasião. O gato morreu? Frailty, thy name is woman. O dólar subiu? Frailty, thy name is woman. O avião passou no céu? Frailty, thy name is woman. Às vezes, num arroubo de pernosticismo pretensamente bretão, falo Frailty, thy bloody name is woman.

Entendo a adoração que nutrem por Shakespeare, concordo com toda e qualquer loa que teçam a ele. É maior que todos eles. Mas Shakespeare está longe de ser meu autor inglês favorito.

Esse cargo pertence a Dickens, sempre pertenceu.

Enxergo mais verdade em Dickens do que na maior parte dos outros escritores ingleses. Quantos Uriah Heep conheci na vida? Quanta gente hipócrita, reptiliana, falsamente humilde enquanto é capaz das maiores torpezas para alcançar seu objetivos? Ou então gente como Mr. Micawber, imerso em dívidas mas sem se deixar abater por elas — nem deixar de fazer novas dívidas com a alegria de sempre? Ou como Mr. Pickwick e seus amigos?

O que é fascinante em Dickens é a sensibilidade que ele demonstra ao falar do povo. Não é aquela coisa paternalista, aquele esnobismo de lorde inglês olhando de cima para os nativos: Dickens fala do que conhece, misturando ternura e ironia em doses milimétricas.

Não é preciso ser o melhor para ser o preferido.

Para não ler o Pato Donald

Nos anos 70 e 80 um livro fez muito sucesso entre o pessoal de esquerda: “Para Ler o Pato Donald”, dos chilenos Ariel Dorfman e Armand Mattelart.

O livro dava uma explicação racional e, claro, marxista sobre o fenômeno das histórias em quadrinhos. Mostrava como cada quadro era imbuído de uma densa propaganda ideológica, e como os arquétipos ali presentes eram aqueles do capitalismo americano.

Claro que o livro estava corretíssimo, e não é isso que se discute aqui.

O que se discute é que, correto ou não, é preciso ser uma pessoa muito, muito chata para ler quadrinhos Disney preocupada com os detalhes ideológicos das histórias. O universo Disney era brilhante, era engraçado — mas sobretudo era interessante e divertido. Pode ser alienação, mas e daí? (se mesmo assim alguém insiste em ser intelectual combativo ao ler o Pato Donald, aqui está uma explicação quase “filosófico-burguesa” para os quadrinhos.)

Eu tinha uma teoria — furada, como todas as minhas teorias — de que “Para Ler O Pato Donald” só podia ser o resultado de uma trauma muito grande na vida de seus autores. Eu imaginava que eles cresceram juntos, com um terceiro amigo. Esse amigo não desgrudava de suas revistinhas do Pato Donald. Em 1972, teria participado do golpe que derrubou Allende, coroando um longo processo de afastamento de seus amigos. Essa era a única explicação que eu conseguia dar para tamanha ranhetice.

Eu não gostaria de sentar em uma mesa de bar com esses dois seres inescrupulosos.