Pequena lembrança sobre uma aspirante a publicitária

Uma vez uma estagiária me pediu que recomendasse alguns livros sobre propaganda.

Pensei em dizer que em vez de livros sobre propaganda ela devia ler mais literatura, poesia, história, arte, qualquer coisa. Propaganda se alimenta feito vampiro da realidade e da vida cotidiana; quando come apenas a própria carne se torna anêmica.

Mas, coitada, ela não iria durar muito na agência e achei que talvez o conceito lhe fosse inaceitável. A juventude tem uma arrogância ignorante que me fascina e irrita, ao mesmo tempo; acho que ela, com a cultura geral incipiente que parece endêmica na juventude, iria olhar para mim e se perguntar como aquele cretino podia ganhar tão mais que ela.

(Duvido que essa menina tenha ido longe: um dia eu estava na sala da criação, cantando uma musiquinha dos Raimundos, “Selim” [“eu queria ser / a calcinha daquela menina / pra ficar bem perto da vagina / e às vezes até me molhar”, entre outros versos cândidos]. Ela ficou horrorizada. Sua expressão era a de quem não sabia o que estava fazendo naquele antro de indecências.)

Então dei a lista. Acontece que eu mesmo não sou um grande leitor de livros sobre propaganda; tenho livros melhores e mais importantes para ler, uma fila que está sempre aumentando, por mais que o atendimento seja eficiente.

Se fosse para ler apenas um livro, que fosse Ogilvy on Advertising. David Ogilvy é um dos dois grandes publicitários da história (o outro é Bill Bernbach), responsável por tudo o que está aí, inclusive o falso glamour que hoje em dia cerca a atividade. É um livro agora inexistente em português (foi lançado aqui como “A Publicidade Segundo Ogilvy”), e se ela preferisse ler na língua pátria, comprasse então “Confissões de um Publicitário”, basicamente um rascunho feito 20 anos antes.

O outro livro realmente interessante não era bem sobre publicidade: “Marketing Direto”, de Bob Stone. O resto era resto, e ela poderia escolher o que lhe conviesse: acho que indiquei “Fazer Acontecer”, do Julio Ribeiro, o livro do Alex Periscinotto, (infelizmente ainda não conhecia o interessantíssimo “E o Outro Vacilou”, em que Roger Enrico, da Pepsi, conta como conseguiu bater a Coca-Cola), “Criatividade e Propaganda”, do Duailibi e Simonsen, e “Tudo o Que Você Queria Saber Sobre Propaganda Mas Ninguém Tinha Paciência Para Explicar”.

E, claro, os anuários. Mas dei um conselho bem cínico: que ela corresse dos anuários brasileiros, como o do CCSP. Porque se é para copiar, vá direto à fonte: One Show, New York Art Director’s Annual e o D&AD Annual inglês. Copiar a cópia não leva ninguém a lugar nenhum.

Isso já faz alguns anos. Duvido que ela tenha comprado qualquer desses livros. Devia estar entalada com semiótica (provavelmente a coisa mais cretina e mais inútil que já inventaram, e Barthes certamente está pagando no caro no inferno por seu crime) e sociologia e filosofia, e esperando que um valente se dispussesse a casar com ela e tirá-la daquela vida, onde pornógrafos ficavam cantando músicas sujas diante de gordinhas inocentes.

Ainda a velha e boa discussão sobre propaganda

Alter, não lembro de ter falado que porque alguns médicos não prestam a medicina é ruim; não há falsa analogia aqui. É como dizer que, pelo fato de a maioria dos advogados ser desonesta, o Direito deve ser abolido. Ah, não.

Mas essa não é a questão principal. Pelo que pude entender, você considera a publicidade por não mostrar o lado ruim do produto anunciado. Acontece que essa não é sua função. E qualquer pessoa que leia um anúncio sabe disso. Se fosse, o nome não seria publicidade: seria jornalismo. E mesmo assim, jornalismo de um tipo cada vez mais raro: analítico, investigativo. Publicidade é outra coisa. Quanto a mostrar o lado bom da concorrência… Você acha justo — aliás, justo não, mentalmente são — pagar para elogiar a concorrência? Você faria isso? Aliás, alguém vai dizer que você é aético porque, ao cantar uma mulher, você omite alguns detalhes pouco lisonjeadores sobre você? Duvido.

Acho que essa questão sequer devia ser discutida, porque a liberdade de expressão e de concorrência são princípios básicos da Constituição.

Além disso, o que há de aético em um comercial que diz simplesmente “Conjunto estofado: X reais”? Isso é informação pura (e, geralmente, má propaganda no que diz respeito à criatividade); o que a caracteriza como publicidade é o fato de ser veiculado mediante pagamento. Isso, sim, é falsa analogia. Ou eu não tenho o direito de falar o que quero, e de usar um espaço que você me vende para isso?

A publicidade seria aética quando mentisse, dizendo que determinado produto tem qualidades que não tem. Isso é proibido por lei, e ainda que não fosse, qualquer publicitário sabe que fazer isso é praticamente declarar a morte do produto.

Mas é claro que há momentos em que se faz publicidade de produtos ruins. E por isso ela é aética? Não. Um advogado é aético por defender um criminoso? Um médico é aético por tentar salvar um latrocida ou um matricida? Nem de longe. É a sua função, está na base dos pilares da sociedade e que ele a desempenhe da maneira mais eficiente possível. No caso da propaganda, o máximo de que você pode acusá-la é de parcialidade — sendo que essa é a sua própria natureza. Quem deve ser imparcial é o jornalismo. Raramente o é, mas as pessoas preferem bater na publicidade.

É curioso que, se um médico se esforça ao máximo para salvar alguém que ele despreza, ele é considerado um herói. Mas se um publicitário tenta descobrir todo e qualquer ângulo positivo em um produto ele é aético. De novo: ah, não. Não vale definir um padrão para médicos e outro para publicitários.

Mas eu dei a entender que os CRM não são muito afeitos a padrões éticos, sim.

Veja só: o CONAR age imediatamente quando uma denúncia contra um anúncio ou comercial é feita. Quantos anúncios foram tirados do ar por ferirem a ética publicitária? Um exemplo são as brigas constantes entre Antarctica e Coca-Cola. Na verdade, o CONAR elaborou regras éticas rígidas para a publicidade antes mesmo da existência de lei a esse respeito. É isso que ele significa: Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária.

Enquanto isso, a regra dos CRM, em que pesem alguns exemplos contrários, não é essa, e você sabe disso. A expressão “máfia de branco” não nasceu à toa. Não é que todos os médicos sejam ruins; ninguém é louco de dizer isso. E ninguém com um mínimo de juízo vai crucificar um grupo apenas pela atitude de alguns. Mas quando se fala no CRM não se trata de médicos individualmente, e sim da entidade que teoricamente deveria fiscalizar a atividade. O fato de aparecer um ou outro médico condenado — e aqui eu não estou levando em consideração processos na justiça comum –, geralmente porque foi um caso que chegou à imprensa, não quer dizer que ele seja eficiente; não é verdade que a maioria dos casos termina em pizza? Amigos médicos me contam casos que seriam hilários, se não fossem praticamente criminosos; mas mesmo eles evitam se meter com o CRM. Ah, signore Bonasera, por que o signore não veio falar comigo antes? O signore desprezou a minha amizade…

Acho que o único aspecto da publicidade que mereceria algum debate sobre sua ética seria o marketing político, por ser mais delicado. Mas aí vale uma outra analogia, falsa ou verdadeira: se um médico salva a vida de um homem e ele sai do hospital para cometer os crimes mais hediondos possíveis, isso quer dizer que o médico é aético? Acho que não. Ele apenas cumpriu sua função social. Assim como um publicitário não pode responsabilizado se um candidato promete algo que não pretende cumprir; e assim como um eleitor não pode ser responsabilizado acreditar nessas promessas e votar nele.

E antes que eu esqueça: quero esse exemplo de morte decorrida em função de má propaganda.

(P.S.: Por curiosidade, aqui tem um artigo sobre ética e propaganda de remédios. E aqui um sobre propaganda e política.)

As alegrias que o Google me dá (I)

Colocar um medidor no blog tem suas vantagens. Arranjei uma nova diversão: ver as palavras que trazem incautos para cá, a partir dos sites de busca.

O tema preferido, claro, é sacanagem; isoladamente a campeã é “Paris Hilton”. O que tem de gente querendo ver a magrela verdinha dando para o namorado não tá no gibi. Depois vêm buscas sobre assuntos judaicos, como “ritos de passagem na adolescência dos judeus” (e eu pensando que era só o bar mitzvah…).

Se as coisas continuarem assim vou mudar o nome deste blog para “Palácio do Prazer do Rabino Rafael”.

O resto varia entre o curioso, o engraçado e o bizarro:

gay colocando objetos no cú
Desculpe, mas este não é um blog gay. Aliás, boa questão: existe estética gay? Além disso, escrever “cu” com acento é de mau gosto ainda maior que a tal frase. Conversando com uma amiga sobre isso, cheguei a uma definição que me agrada: “Assento é o que fica embaixo do cu, e acento é o que fica em cima do cu dos analfabetos”. (Desculpe pelo momento escatológico, mas não deu para resistir.)

fotos de travestis da tailandia
Eu nunca tinha visto nada parecido. Se esse sujeito arranjou fotos de travestis tailandeses, eu quero ver também. Deve ser engraçado. A propósito, um pouco de cultura inútil: no começo da década de 90, havia 800 mil relações sexuais com prostitutas tailandesas por dia.

fotos de garotos punheteiros
Diagnóstico do sujeito que fez essa procura: pedófilo, viado e voyeur.

fotos eróticas de indios
Ué? Darcy Ribeiro não tinha morrido?

taquigrafia em goiânia
Taquigrafia. Goiânia. Meu Deus, a que ponto o juízo de um ser humano pode decair?

tampax, penteado, ñ tem preço
É a mais esquisita combinação de palavras que já vi, eu juro. Mas o que não tem preço, mesmo, é o que deve passar pela cabeça desvairada desse sujeito.

vídeos pornô década de 70
Um saudosista. Um sujeito definitivamente melancólico, em busca do tempo perdido enquanto vê as colegiais passando diante dele, sentado numa cadeira de balanço na porta de casa.

nua recife vinganca fotonua recife vinganca foto
Blog errado. Sugiro o da Dani. Mas desconfio que ela não tenha escancarado suas vergonhas por vingança. E isso tem mais cara do saudoso Notícias Populares do que de blog de gente de bem.

mulher samambaia nua
Sem comentários, porque eu não consegui entender patavinas.

adoro ser chupada
É, minha filha… As outras também… As outras também.

historias e contos de lesbicas e incesto
Certamente quem procurou isso é homem, e com um complexo de Édipo mal-resolvido. Era melhor procurar um bom psicanalista. Mas engraçado, mesmo, é o anúncio que vem na página que mostra os resultados:

blog satanas anticristo demonio pensamentos
Vade retro, Satana! Deus é grande e é pai, não é padrasto! Sangue de Cristo tem poder!

toques evangelicos de celular
Tá em falta, amigo, mas posso te conseguir um belo arranjo de Sympathy for the Devil, serve?

blog “são paulo” male 31-35
Essa descobriu um jeito novo de catar homem na Internet: através dos seus blogs. Faz sentido. Pelo menos ela fica sabendo o que o sujeito pensa, como é seu dia-a-dia… Só não dá pra saber se ele tem pinto pequeno. Fica a curiosidade, no entanto, para saber como ela aborda o sujeito: “Me mostre seu blog que eu mostro o meu”? “Nossa, que blog enorme!”? “No meu blog ou no seu?” Ou “Yes… Oh, yes… Oh, c’mon… Yes! Yes! I’m bloggin’! I’m bloggin’!“?

Rafael Galvão
Quem procurou por esse nome, entre tantos outros, tem sérios problemas psicológicos para resolver.

Seis degraus de separação

Um dos jogos mais interessantes que se pode jogar sozinho é o “Seis Degraus de Separação”.

Consiste na aplicação da teoria de que você está separado de qualquer outra pessoa no mundo por no máximo seis níveis. Ou seja: mesmo que você nunca tenha visto Fulano pessoalmente, você conhece Sicrano que conhece Beltrano que conhece Fulano.

Até agora não consegui encontrar uma falha nessa teoria, pelo menos no que diz respeito a pessoas famosas.

E, transferindo esse jogo para o tempo, em vez do espaço, consegui chegar a D. João VI. Minha avó chega a Napoleão.

O que faz um bom blog

O Gothamist é o equivalente online (resguardadas as proporções de importância, relevância e etc.) à New Yorker. Ou seja, um blog sobre Nova York, aquela cidade amada e remodelada pelo bom Osama.

Dia desses eles fizeram uma lista sobre o que faz um blog ser bom.

A lista tem a cara de Nova York: exigente, dona da verdade, muito esnobe. Mas é bem interessante.

Nossos campos de concentração

Costumamos falar da hipocrisia americana em relação à liberdade; não cansamos de execrar o racismo deles.

E no entanto a gente esquece dos campos de concentração que Brasil criou durante a II Guerra Mundial, como Tomé-Açu para os japoneses, e no resto do país para alemães e italianos. Em Pernambuco foram forçados a trabalhar nas indústrias da família Lundgren, aquela das Lojas Pernambucanas.

Os americanos perseguem, mas depois discutem o assunto. A gente persegue e depois todo mundo finge que não aconteceu nada. Afinal, este é o país da tolerância, onde todos somos iguais.

Pobres meninos ricos e a ética protestante do trabalho

A Veja desta semana traz uma matéria sobre um documentário de um dos herdeiros da Johnson & Johnson. O documentário ridiculariza os pobres meninos e meninas ricos, cuja vida excessivamente fácil os leva a existências vazias e sem propósito.

Moral da história: só o trabalho dignifica o homem.

Parece que a ética calvinista nos contaminou a todos. Uma vida só é válida se é economicamente produtiva. Não trabalhar, não fazer parte da cadeia econômica é uma desonra e uma humilhação.

O mundo chegou a um estado lamentável, pelo visto. Porque se puxarmos um pouco pela memória, vamos lembrar que o ócio já produziu a melhor parte do conhecimento nos séculos anteriores à revolução industrial. Montesquieu não dava expediente em um escritório.

A combinação de ócio e dinheiro pode resultar em belas coisas. Pode dar grandes mecenas, como no passado; pode tornar possível a alguém realizar grandes feitos, de qualquer tipo. Ou alguém pode simplesmente se dedicar à contemplação, a compreender a vida. Ninguém mais tem tempo para isso.

Além disso, por que trabalhar, se não é necessário? Isso é tão lógico. No entanto, por causa daquele alucinado do Calvino, as gentes se consomem em culpas e falta de propósito, como se simplesmente viver não oferecesse propósito suficiente. Um dos milionários do documentário resolveu sua crise existencial indo suar num campo de petróleo durante dois anos. Isso quer dizer que, provavelmente, um pai de família passou dois anos sem ter como colocar comida na boca de seus filhos simplesmente porque um desocupado resolveu ter pruridos de consciência.

Eles parecem não compreender a profundidade da frase de McCartney: “Eu quero dinheiro. Dinheiro para não fazer nada, e dinheiro para o caso de querer fazer alguma coisa”. Para eles, o dinheiro não é libertação. E essa é a maior ofensa que se pode cometer contra o capital.

Por incrível que pareça, quem deu mais indícios de ter compreendido essa verdade foi o pai do diretor, que a reportagem da Veja ridiculariza como “um sujeito alienado que passa os dias pintando”. Em nenhum momento, quando o filho perguntou o que fazer da vida, ele apelou para um medíocre “vá trabalhar”. Sua sugestão foi a de um esteta: “colecione documentos raros”. A verdade é que esse senhor “alienado” compreendeu que a sua condição lhe possibilita fazer algo maior e mais abstrato pelo espírito da humanidade, livre dos grilhões da necessidade de subsistência.

É por isso que durante muito tempo fui fã de Jorginho Guinle. Vi uma entrevista dele ao Roberto Ávila, no fim dos anos 90. Já quebrado, sem dinheiro, ele não demonstrava nenhum arrependimento por ter esbanjado toda a sua fortuna. Em sua cara, parecia estar escrito: “Vivi como quis, uma vida que ninguém teve”. O dinheiro podia ter ido embora, mas foi embora com uma suavidade e uma joie de vivre que um Antônio Ermírio de Moraes, por exemplo, jamais vai ter.

Mas talvez o que tenha me deixado realmente fã do sujeito foi a constatação de que ele não tinha nada de especial. Não era brilhante, não era bonito, era um sujeito até meio apagado. Era um nada. Devia sua vida espantosa ao simples fato de ter dinheiro e não sentir culpa em se aproveitar disso. Sua honestidade era contagiante.

Dia desses vi uma declaração em que ele finalmente demonstrava um laivo de arrependimento. Diz que errou os cálculos de quanto ia viver, gastou tudo antes do que devia e hoje almoça de favor no Copacabana Palace. Há agora um travo de amargura em suas palavras.

Ah, Jorginho, você podia ter resistido um pouco mais.

A gente somos Primeiro Mundo

Entrevista de José Genoino a O Globo do último domingo:

O GLOBO: As críticas à expulsão dos quatro parlamentares partem até de intelectuais estrangeiros, como Noam Chomsky.
GENOINO: Não entendo por que alguns intelectuais europeus não compreendem que você não tem democracia sem regras (…).

Pensei em avisar a Genoino que Chomsky é americano. Mas não vale a pena: fazer isso e perder essa agradável sensação de que fazemos parte do Primeiro Mundo, e evitar que acabemos achando que Buenos Aires é a capital do Uruguai?