Kinemanacional

Vendo os números que o kinemanacional amealhou ano passado, tem-se a impressão de que ele está chegando à maturidade. Nos últimos anos retomou uma parcela do público que teve na era da Cinédia e da Atlântida, e recriou uma cultura que, se ainda não é francamente favorável, é extremamente eficiente em dirimir o preconceito que durante anos acompanhou os filmes made in Brazil.

Os números podem levar a crer, também, que a política de incentivo está correta e não deve ser mudada.

As duas impressões estão erradas.

Claro, o kinemanacional melhorou esplendorosamente a partir da segunda metade dos anos 90. E está descobrindo a sua linguagem própria, livre dos excessos hollywoodianos e “cinemanovísticos”. Já não precisa fingir que engodos como “O Quatrilho” são geniais, porque conseguiu produzir grandes filmes. Descobriu também que a diversidade temática e narrativa é uma bênção. Mas esse é um processo lento, que ainda está no começo. 5 bons filmes por ano ainda não são o suficiente.

Não há nenhuma dúvida de que a política de incentivo estatal foi fundamental para a “retomada”, como chamam. Se por um lado é esquisito que o Estado financie o cinema indiretamente, enquanto permite a empresas fazerem propaganda com dinheiro público, por outro acertou ao tirar do governo o poder de decisão sobre quem pode e quem não pode fazer cinema. Pode não ser o ideal, mas é um grande passo à frente.

(A propósito, sou uma das poucas pessoas que concordaram desde o início com a extinção da Embrafilme por Collor. O que na época viram como mera vingança de Collor e Ipojuca Pontes contra a rejeição pelo meio artístico foi, na verdade, a rasteira na muleta que fez com que o aleijadinho tentasse aprender a andar. Extinguiu um sistema viciado que ao misturar política e arte tinha levado o cinema ao buraco.)

Mas à medida que o kinemanacional vai se fortalecendo, e apagando o preconceito que o cinema novo e a Embrafilme criaram no povo brasileiro, vai ficando cada vez mais incompreensível que potências como a Globo se aproveitem do erário para produzir. É preciso que se crie novas formas de financiamento, porque esse sistema começa a dar mostras de que já cumpriu a sua função histórica.

Obviamente, revogar pura e simplesmente a lei do Audiovisual, Rouanet ou Sarney — ou seja lá como ela se chama agora — seria uma tragédia e jogaria por terra tudo o que se conseguiu até agora. Não dá para esquecer que, com exceção de Hollywood e Índia, não há país cujo cinema consiga se sustentar sem a mãozinha protetora do Estado. Mas talvez já seja hora de estabelecer um calendário de redução do incentivo público, algo gradual e lento. Do contrário, mais cedo ou mais tarde tudo vai voltar ao que era antes.

Não é um processo fácil, e se eu tivesse a solução estaria rico a essa altura — rico e moralmente podre como os grandes chefões dos estúdios na era de ouro de Hollywood (confesso que sempre sonhei em ser como eles, um Chaplin ou um Fatty Arbuckle naquelas bacanais homéricas e desbragadamente amorais). Mas já é hora de começar a fazer com que o cinema passe a ser um negócio de verdade, sob pena de a história se repetir. E quando a engraçadinha se repete, é sempre como farsa.

4 thoughts on “Kinemanacional

  1. Citando as palavras do cineasta Jorge Furtado em entrevista à revista Simples: “O cinema nacional é feito com dinheiro público. Com o dinheiro de um curta se fazem quatro casas populares, com o dinheiro de um longa, dá pra fazer um hospital. Cinema, no Brasil, é feito para os ricos com o dinheiro dos pobres”.

  2. E agora tá virando TV no cinema. Os filmes estão todos com a cara das produções da Globo.

  3. O cinema nacional ainda tem muito a amadurecer, mas muito mesmo. O sucesso que o cinema nacional teve em 2003 se deve a filmes altamente propagados e produzidos pela Globo, parte deles com estrelas altamente globais e o filme da Xuxa que sempre é dos mais assistidos no quesito filme nacional… Claro que há exceções mas….temos que amadurecer! Beijo Rafa!!

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